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Yi Jongdo conduziu sua família até o Ilford e, como sempre fazia, procurou por alguém investido de autoridade. Porém, só conseguiu encontrar tripulantes que falavam línguas ocidentais ásperas. Aqueles que tinham embarcado depressa tinham descido abaixo do convés para encontrar bons lugares antes de todo mundo, mas Yi Jongdo fincou o pé no convés frio, varrido pelos ventos marítimos, aguardando chegar alguém que pudesse entender o que ele dizia. Não demorou muito e John Meyers e o intérprete Gwon Yongjun apareceram. Gwon Yongjun perguntou:

— Por que vocês não descem?

Yi Jongdo franziu as sobrancelhas. Tencionara revelar que era descendente de tal e tal príncipe, e, portanto, ligado ao imperador pelo sangue, mas avistou Oba Kanichi, que havia sido despachado para Jemulpo pela Companhia de Colonização Oriental, de pé ao lado do intérprete, e engoliu suas palavras. Então apenas pediu uma cabine, tendo em consideração sua condição de homem de letras — um burocrata acadêmico membro da nobreza.

— Não posso ficar no mesmo lugar que eles, não é?

Yi Jongdo apontou para o lugar para onde as pessoas haviam descido. Enquanto Gwon Yongjun transmitia o comentário de Yi Jongdo, diversos coreanos se reuniram atrás deste. Não eram membros da família imperial, mas a julgar pelas suas roupas e pelo formato de seus chapéus de crina de cavalo, eram obviamente aristocratas. Esperariam tratamento similar se o pedido de Yi Jongdo fosse aceito. Naquele ínterim, a esposa de Yi Jongdo e seu filho sentiram um intenso horror diante da perspectiva de terem de conviver com plebeus, talvez até com mendigos. A senhora Yun não parava de enxugar lágrimas com a manga da sua camisa. Entretanto, Yeonsu, sua única filha, olhava com interesse ao redor, para a gente e o cenário novos. A pouca distância dali, porém, Yi Jongdo e sua família eram uma visão e tanto. Duas mulheres enroladas em mantos e um aristocrata com chapéu de crina de cavalo fazendo pose de corajosos formavam um contraste curioso com a bandeira britânica que flutuava no alto do mastro.

Meyers por fim se pronunciou.

— Este navio não era originalmente um navio de passageiros, e sim um cargueiro. Até mesmo a tripulação está dormindo em beliches estreitos, portanto não podemos destinar cabines aos coreanos.

Yi Jongdo ficou frustrado por Meyers não entender o que ele dizia.

— Não estou pedindo quartos para todos. Estou pedindo tratamento diferenciado em honra de nossa posição e nobreza.

Meyers fez conhecer sua decisão final por intermédio de Gwon Yongjun.

— Lamento, mas não temos espaço para isso. Se não gostar, desembarque. Há muitas pessoas que desejam ir.

O orgulho de Yi Jongdo ficou ferido pelo fato de um pedido tão natural quanto aquele ser rejeitado.

— Que homem mais ignorante — Yi Jongdo xingou Meyers enquanto este subia até a ponte de comando. Então se dirigiu à sua família. — Haverá gente no México que vai me entender. Ouvi falar que existem proprietários de terras e uma aristocracia poderosa por lá. Todos que já tiveram homens a seu serviço sabem que nem todos os seres humanos são iguais. Não estamos indo como trabalhadores, estamos indo como representantes do império coreano. Não podemos nos esquecer disso. Os olhos dos malditos japoneses estão em cima de nós agora, portanto devemos perseverar por enquanto, mas quando o navio levantar âncora falarei com o capitão e pedirei mais uma vez.

Yi Yeonsu falou:

— Seria melhor que o senhor não fizesse isso. Parece mais razoável ir para o México e lá encontrar alguém de alta posição para explicar nosso caso.

Ao falar isso, ela não acreditou que algo assim jamais chegaria a acontecer, porém os outros membros da família concordaram. Todos conheciam bem demais os resultados da teimosia de Yi Jongdo. Resignado, Yi Jongdo desceu até o compartimento de carga que estava sendo usado como cabine comunal. O lugar já estava lotado de pessoas. Ficou entre elas e pigarreou, mas ninguém abriu espaço para ele e sua família. Todos se cobriram com seus cobertores e esticaram as pernas.

— Se soubesse que seria assim, teria trazido Myeongsik conosco. — Yi Jongdo arrependia­-se de haver deixado seu servo para trás. A dignidade de sua família não permitia que eles se espremessem em nenhum daqueles espaços estreitos; precisaram ficar de pé estranhamente deslocados durante algum tempo na extremidade da cabine. A senhora Yun parecia estar prestes a chorar e olhava para baixo, enquanto Yi Jongdo olhava para o teto. Depois de assim ficarem de pé durante uma hora, ouviu­-se subitamente um grito de dor vindo de um canto da cabine. “Oh! Oh!”. Um homem segurava um papel branco que lhe fora entregue por um funcionário da Companhia de Colonização Continental. Ele o segurava na frente do corpo enquanto sua família se inclinava em uma reverência em conjunto, soltando lamúrias. Ao que parecia um dos parentes, um idoso, havia morrido. Os lamentos secos e sem lágrimas continuaram como um ritual, depois a família começou a reunir seus pertences. Haviam recebido a mensagem; não tinham escolha. Desembarcaram do navio com rostos assolados pela tristeza. Yi Jinu correu para ocupar o lugar vazio. Yi Jongdo pigarreou uma vez, em desaprovação, e caminhou devagar até lá. Ficava a poucos passos, porém naquele meio-tempo que ele levou para cobrir a distância a área já tinha se encolhido; o local, contudo, tinha sido ocupado por cinco pessoas e, portanto, ainda era mais que o bastante para abrigar quatro. Não era, é claro, espaço suficiente para observar a etiqueta de Confúcio, mas eles ficaram satisfeitos por enquanto. Desde que conseguissem chegar ao México.