16

À tarde, os lamentos que haviam escapado de seus dentes cerrados se transformaram em um grito igual ao rasgar de mil metros de tecido ao mesmo tempo. Ninguém conseguiu escapar daquele som. Era uma mulher de Seul cujo marido havia lhe implorado sem cansar, quando ela estava prestes a dar à luz, para saírem da Coreia. A vontade deles era ir para o Havaí, mas a Companhia de Colonização Continental os incitara a ir para o México. Os funcionários da companhia disseram que o Havaí já estava lotado e que o México não era de forma alguma inferior ao Havaí. E, quando alguém põe na cabeça que deseja partir, encontra uma forma de partir. Com o coração já do outro lado do oceano, o marido procurou os pais da esposa para que a convencessem. Ela, de barriga grande, protestou. “Não posso ir. Pai, mãe, por favor, não o deixem fazer isso.” Mas no fim eles não foram capazes de contornar a teimosia do marido. Ela embarcara no navio pensando que isso seria melhor do que virar viúva, e agora a bolsa finalmente rompeu. Seu marido apenas bafejava seu comprido cachimbo; não havia nada que ele pudesse fazer. O intérprete subiu para contar à equipe de Meyers que uma mulher estava prestes a dar à luz. Chamaram o médico japonês, mas ele nunca havia feito um parto antes. Pior ainda, aquele jovem japonês de Sizuoka na verdade nem era um médico propriamente dito; apenas estudara medicina veterinária em uma escola de agronomia, mas fora cativado pelo anúncio atraente da companhia e, portanto, mentiu para embarcar no navio. Afinal, a única coisa que precisaria fazer seria acompanhá­-los a bordo do confortável navio britânico naquela viagem de um mês até o México. Além do mais, receberia o dobro do salário de um médico de Tóquio. Pensou que não enfrentaria nada mais sério que enjoos durante a viagem, mas assim que embarcou percebeu seu erro de cálculo. Em um navio que estava transportando o triplo de sua capacidade, o estranho seria não haver nenhuma doença. Todas as noites ele abria seu dicionário de medicina e estudava as doenças que poderiam ocorrer em alto-mar. Talvez na verdade tivesse sido uma sorte que sua primeira tarefa fosse um parto. A habilidade mais básica da medicina veterinária era fazer partos de animais.

Ele desceu até a cabine. O fedor horroroso tomou de um golpe o seu nariz. Apesar da dor extrema, a grávida foi hostil com o homem que se aproximou de suas pernas abertas. As mulheres ao redor dela não abriram passagem para ele. E quando ele abriu a boca e dela saiu japonês, a raiva delas só fez aumentar. Ele lhes disse que era médico, mas não adiantou. As dores da mulher continuaram. O chão já imundo ficou escorregadio com o fluido amniótico, o suor e o sangue que fluíam do corpo da mulher. “Aaaaaaaah!” Os gritos da mulher não paravam, e as velhas que se alardeavam parteiras começaram agora a berrar em uníssono. Crianças enfiavam a cabeça pelas aberturas da cortina para assistir, e o veterinário de Sizuoka aguardou nervosamente do lado de fora da cortina que o bebê saísse. As parteiras e a grávida gritavam como se estivessem brigando umas com as outras, mas o bebê não coroou. Uma parteira suada emergiu de trás da cortina com o rosto banhado de lágrimas e puxou o veterinário de Sizuoka para dentro. O pé do bebê estava saindo pela vagina da mulher. Ele se ajoelhou. É um potro, um bezerro — repetia para si mesmo como se fosse um encantamento enquanto enxugava o suor do rosto. Mais tarde, ele não se lembraria exatamente do que havia acontecido depois daquilo. Seja qual for o caso, o pé do bebê voltou para dentro, a futura mãe berrou de dor e algum tempo depois disso apareceu a cabeça do bebê. Ele rapidamente apanhou a criança azul. Uma mulher trouxe um frasco para colocar a placenta e o cordão umbilical, e levou aquilo para fora. A criança que havia acabado de chegar neste mundo não respirou por diversos segundos, mas depois de levar um tapa nas nádegas se pôs a chorar ferozmente. A mulher estava exausta e desmaiou, enquanto as mulheres tornavam a levar o veterinário de Sizuoka para fora da cortina.

— O senhor fez um trabalho excelente, dr. Tanabe — alguém lhe disse. Vários nomes de bebê entraram em discussão, mas o pai, Im Mansu, deu ao filho o nome de Taepyeong. Era o nome do oceano que eles estavam atravessando e também uma expressão de esperança. Im Taepyeong, que teria sido atirado ao mar pelo próprio pai caso tivesse nascido mulher, veio ao mundo, portanto, com as bênçãos de todos os passageiros.