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Dois meses se passaram. Era julho. A aparência dos coreanos havia mudado grandemente. Agora quase ninguém se feria nem sangrava com os espinhos do sisal. As mulheres costuraram calças justas e luvas usando trapos e gravetos. A velocidade do trabalho dos coreanos também aumentou aos poucos, e depois de apenas dois meses eles já se equiparavam aos maias. Cortavam o sisal em silêncio. As risadas haviam desaparecido. As mulheres e as crianças iam para os campos e trabalhavam doze horas por dia. Houve suicídios em algumas das fazendas. Ninguém se surpreendia ao ver alguém enforcado na trave mestra de um banheiro. O sumo do sisal entrava nas feridas e fazia a pele dos coreanos apodrecer com alguma doença; eles contraíam malária e pairavam à beira da morte. Nada daquilo chocava ninguém. Havia médicos de plantão nos latifúndios do Havaí, ainda que apenas como mera formalidade, mas nas fazendas não havia uma única farmácia decente, quanto mais um médico. Para os coreanos, só havia uma maneira de sobreviver: trabalhar como formigas — inclusive as crianças de três anos —, guardar dinheiro como sovinas e voltar para a Coreia quando seus contratos terminassem.
Os maias, de vez em quando, olhavam com expressão vazia para os coreanos. Eles não tinham nenhum lugar para voltar e guardar dinheiro. Aquele era seu lar. Um dia, estranhos o invadiram, riscaram linhas nas terras e começaram a chamar aqueles locais de fazendas. Então disseram aos maias que podiam trabalhar para eles se quisessem ganhar a vida. Os capatazes chicoteavam sem cansar aquela gente que não conseguia encontrar motivo para trabalhar.
Depois que o trabalho terminava, os homens se embebedavam. Muito embora tivessem trabalhado tão duro quanto os homens, as mulheres não podiam descansar quando chegavam em casa. Acendiam o fogo e cozinhavam a comida. Remendavam as roupas, limpavam a casa e preparavam as ferramentas que eles levariam consigo no dia seguinte. “O que eu não daria para lavar a roupa em um riacho gelado, só uma única vez”, disse uma mulher da província de Chungcheong olhando para o oeste, e as outras mulheres choraram. Lavar a roupa era um luxo tão grande quanto tomar banho. O cenote ficava distante e a água era escassa. Eles não tinham outra escolha a não ser esperar pela estação das chuvas.
De vez em quando o fazendeiro matava uma vaca ou um porco, e as mulheres corriam até lá para se estapear pelos intestinos ainda mornos ou pela cauda. Os mexicanos da fazenda riam com desprezo e chamavam aquelas mulheres de cadelas. Com sangue nas mãos, as mulheres voltavam com seu butim e preparavam uma sopa, e as crianças ficavam tão enfeitiçadas pelo aroma da carne, que não saíam do lado da panela. Mesmo nos dias em que a temperatura chegava a mais de trinta e dois graus, as mulheres não podiam tirar as saias nem as jaquetas curtas; seus maridos sem camisa bebiam e batiam nelas. Alguns homens começaram a jogar. O jogo e a bebida eram vícios bastante enraizados nos homens coreanos, que não se remediavam facilmente. As discussões, choros, gritos e berros entravam noite adentro. Se o Yucatán era o inferno para os homens, para as mulheres era muito pior.
Na fazenda de Ijeong, um coreano da província de Pyeongan estuprou uma mulher maia, e em retaliação cortaram sua garganta. A polícia não foi chamada. Enquanto os capatazes observavam tudo com armas nas mãos, os maias e os coreanos cavaram uma cova e enterraram o corpo do solteiro de vinte anos da província de Pyeongan em um canto do campo de sisal, como sinal de reconciliação. No dia seguinte, um homem maia foi assassinado a golpes de facão. O fazendeiro mandou buscar os dois coreanos que os maias apontaram como culpados. Seus homens arrancaram suas camisas, atiraram-nos em uma pilha de sisal e os chicotearam. Os espinhos do sisal doíam muito mais que o chicote, e os dois assassinos se retorceram como vermes sobre um punhado de sal. Quando as chicotadas acabaram, eles foram encarcerados na prisão da fazenda. Os espinhos de sisal alojados em seu peito doíam toda vez que eles respiravam. Eles queriam arrancá-los, mas não havia luz na prisão, portanto não era uma tarefa fácil. Suas feridas supuraram e fediam horrivelmente. Somente depois de dez dias é que a porta se abriu, deixando entrar a luz do sol. Agora que a prisão estava iluminada pela luz tropical estonteante, eles limparam suas fezes. As pilhas de cocô estavam completamente secas e quebradiças ao toque como biscoitos. Vermes se retorceram e caíram delas.
Os dois assassinos retornaram à sua paja e desabaram doentes. Ijeong, que também morava naquela paja, deu-lhes comida e água, além de kimchi preparado com chili e repolho ocidental. Era um banquete delicioso, mas nenhum deles conseguiu comer muito. Cambaleavam a cada passo, como se tivessem perdido o senso de direção e de tempo no período de seu encarceramento no escuro; um deles morreu depois de apenas três dias. Assim que o primeiro morreu, o outro se levantou como se tudo aquilo não tivesse passado de um sonho. Foi quase como se os dois tivessem feito uma aposta e decidido que quem perdesse entregaria para o ganhador o que lhe restava de força vital e partiria. Enquanto o sobrevivente enchia a cara inchada de mingau de milho, disse a Ijeong:
— Tenho a impressão de que vou encontrar o meu fim aqui. É quente demais.
Ijeong fechou a boca e não disse nada. Em um intervalo de poucos dias, dois dos quatro homens que dormiam embaixo do seu teto morreram. Ijeong pensou que talvez ele estivesse vivo simplesmente por sorte. Quando o homem de Pyeongan atacou a mulher maia, Ijeong estava na paja ao lado jogando xadrez com peças esculpidas de pedra. Quando descobriram o corpo do homem, Ijeong tinha acabado de ir ao cenote para buscar água. Os dois homens irados não procuraram Ijeong, foram direto para a casa dos maias, perseguiram como cães de caça um homem que fugiu e o esfaquearam até a morte. Enquanto o sangue maia encharcava o chão, os dois homens, entorpecidos, olharam um para o outro. Somente então se deram conta da gravidade do que haviam acabado de fazer, e correram enlouquecidos de volta para casa com pernas bambas, foram presos pelos guardas da fazenda, desnudados e surrados sobre a pilha de sisal.
O que sobreviveu se chamava Dolseok; era filho de um escravo do governo. Depois da Reforma de 1894, o escravo aumentou de status, virou plebeu e mandou o filho para Seul, para que virasse soldado. Dolseok não cumpriu o desejo do pai, em vez disso embarcou no Ilford em Jemulpo. Não sabia escrever, portanto partiu sem mandar nenhuma carta ao pai. E em questão de dois meses já havia matado um homem.
— Que aconteceu, afinal? — perguntou, tremendo violentamente. Tinha a impressão de que os maias iriam entrar ali a qualquer momento para reclamar sua cabeça. Ijeong lhe disse para não se preocupar e tentou acalmá-lo, mas não adiantou. No dia seguinte, Ijeong procurou o capataz, apontou para o dinheiro em seu bolso, depois para si mesmo, e depois para Dolseok. Então apontou para a vila dos maias e fez o gesto de cortar o pescoço. Não sabia falar espanhol, mas o que queria dizer foi compreendido. O capataz mexicano decidiu vender os dois, motivo de problema, para outra fazenda. O envolvimento de Dolseok no assassinato reduziria o preço de ambos, portanto aquilo naturalmente foi guardado em segredo. Os dois seguiram em uma carroça com as mãos e os pés amarrados. O clima estava estranhamente fresco. Lá longe, Ijeong avistou nuvens negras de tempestade se aproximando. Finalmente iria chover. Olhou para o céu a leste e caiu em um sono profundo.