42

— Quero papel e um pincel.

Certa manhã cedo, quando os outros estavam indo para o trabalho, Yi Jongdo abriu a boca pela primeira vez depois do que pareciam ser semanas de cama. A senhora Yun, que estava ocupada se preparando para ir aos campos, no começo fingiu não ter ouvido o que ele disse. Yi Jongdo repetiu:

— Quero papel e um pincel.

A senhora Yun respondeu com grosseria:

— E o que vai fazer com isso, por acaso?

Yi Jongdo não disse nada. Seu filho retrucou:

— Acho que não tem nenhum pincel por aqui, mas vou tentar encontrar alguma coisa parecida.

Yi Jinu vestiu as calças justas e as luvas e saiu. O clima esfriara um pouco desde maio, quando eles chegaram. A senhora Yun roçou de leve o ombro do filho quando ele saiu e disse:

— Não precisa se incomodar.

Na volta, Jinu pediu a Gwon Yongjun um pincel e papel, mas o intérprete não parecia interessado em escutá­-lo. Sem outra escolha, Jinu foi até a loja e perguntou se poderia comprar papel e algum instrumento de escrita. Inesperadamente, eles logo lhe entregaram o caderno, a caneta e a tinta que usavam e disseram que abateriam o valor do seu salário.

Yi Jongdo rasgou o papel do caderno algumas vezes com aquela caneta estranha ao começar diligentemente a escrever alguma coisa. Levantou­-se de manhã, lavou o rosto com a água que a senhora Yun havia ido buscar e em seguida sentou­-se diante de um caixote de madeira e devagar escreveu um caractere depois do outro. Dedicou o dia inteiro àqueles esforços. Às vezes fitava o vazio como se tentasse acender a memória, noutras vezes respirava fundo, como se as emoções estivessem se acumulando dentro dele. Na hora do almoço, a senhora Yun lhe ofereceu uma tortilla, mas ele se recusou a comer e continuou escrevendo com olhos brilhantes.

À noite, as pessoas começaram a se reunir na casa de Yi Jongdo. O boato de que ele passara o dia inteiro escrevendo alguma coisa devia ter se espalhado. Ninguém ousou falar com ele, mas muitos espiaram para dentro da casa e murmuraram coisas. Jinu abriu caminho entre eles e entrou. Yeonsu não conseguia se mexer dentro da prisão dos olhares. Quando a conversa lá fora ficou alta, Yi Jongdo abriu a porta e olhou para eles. Os olhos de quem não sabia escrever imploraram: “Você está escrevendo uma carta, não é? Não vamos atrapalhar, por isso por favor escreva a carta. Vamos só ficar esperando aqui. Conte para sua majestade e o governo o que realmente aconteceu com a gente. Não precisamos de dinheiro nem terras, então peça que eles nos levem de volta. E quando terminar de escrever a carta, quando tiver escrito a carta para seus parentes, para sua carne e sangue, por favor escreva cartas para a gente também. Diga a nossos irmãos, nossas famílias, que as coisas não andam direito, mas que estamos bem”. Foi isso o que seus olhos disseram para ele. Foi um choque para Yi Jongdo. Como membro da família real e homem de letras em Seul, ele jamais vira olhares tão patéticos dirigidos a ele. Todos recuavam e abaixavam a cabeça quando ele passava, mas ninguém escondia sua hostilidade e seu escárnio. Os aristocratas eram criaturas imundas e desgraçadas que se devia evitar. De certa maneira, um aristocrata era como um bandido para eles. Era melhor passar a vida sem topar com um.

Yi Jongdo falou:

— Estou escrevendo uma carta para sua majestade. Vi com meus próprios olhos o sangue e as lágrimas que vocês derramaram nesta terra, portanto os conheço bem. Aqui no México deve existir algum sistema postal. Se alguém for até Mérida e enviar a carta, daqui a um mês sua majestade conceberá um plano. Até os cachorros e os porcos recebem um tratamento melhor do que este.

Diante das palavras de Yi Jongdo, a dor dos últimos três meses — não, contando a partir do dia em que embarcaram no navio, era quase meio ano — veio à lembrança, e os olhos de algumas pessoas ficaram vermelhos. Uma delas meteu a mão no bolso, tirou uma moeda e a entregou sem jeito para Jinu, que estava de pé ao lado de Yi Jongdo.

— Você está fazendo isso por nós, por isso aceite.

Com isso, todos começaram a entregar dinheiro. Algumas pessoas foram para suas casas e trouxeram arroz. Jinu educadamente recusou tudo. Yi Jongdo voltou para sua casa e sentou na frente do caixote de madeira. Pela primeira vez sentia que ter aprendido a escrever valera a pena. Desde a juventude, jamais sentiu o simples prazer de ler ou escrever. Aquilo nunca havia passado de um dever. Agora era diferente. Inúmeras frases que ele esquecera completamente se derramavam em sua cabeça como uma fileira de formigas.

— Pai, o senhor não disse que se retornássemos seríamos levados para o Japão e teríamos uma morte terrível?

Yi Jongdo respondeu com coragem:

— Não pode ser pior do que isto aqui. Com certeza lá não nos fariam trabalhar até as palmas das mãos se abrirem como os dentes de um serrote. Eu estava enganado.

Quando as pessoas que haviam se reunido por ali voltaram para suas casas, Yeonsu saiu com uma jarra de água e caminhou devagar na direção para onde Ijeong tinha ido no dia anterior. Olhou furtivamente ao redor, mas não o viu. Fora dos limites da fazenda e na direção do cenote havia uma mata arbustiva fechada. Yeonsu se dirigiu ao poço. Estava quase na metade do caminho. Não havia sinal de ninguém sob o luar brilhante. Era tarde; teria ela ido até ali em vão? Justamente quando Yeonsu estava começando a se arrepender de sua decisão, alguém se aproximou por trás dela e segurou sua jarra. Era Ijeong. Os dois foram sem dizer uma palavra para os arbustos. Ijeong pousou suavemente a jarra no chão e abraçou Yeonsu por trás.

— Achei que demoraria quatro anos até eu ver você de novo — Ijeong a apertou com mais força. Yeonsu arfou.

— Eu sei, eu também achei, também achei. Mas tudo bem, agora você está aqui. Não, eu odeio você. Por que esperou tanto tempo?

Eles se beijaram. Ijeong levantou a saia de Yeonsu e sua jaqueta e se atirou sobre ela. Os galhos dos arbustos arranharam os braços e as pernas deles.

— Não acredito. Parece um sonho. Três meses. Desculpe... quem imaginaria que eu veria seu corpo depois de apenas três meses?

Depois que a paixão passou, Yeonsu e Ijeong se deitaram lado a lado e olharam a lua. Formigas subiam sobre suas coxas e barrigas, mas sua carne amolecida não conseguia senti­-las.

— Papai está escrevendo uma carta para sua majestade.

Ijeong arrancou uma folha de grama e a cortou em duas.

— Ouvi dizer. Acha que a gente vai voltar, então?

Yeonsu suspirou e apoiou a cabeça no peito de Ijeong:

— Não quero voltar. É horrível aqui, mas a Coreia é ainda pior.

Ijeong correu a mão pelos cabelos dela:

— Será que devemos fugir?

Yeonsu apoiou uma das mãos no chão, levantou­-se e olhou para Ijeong, que continuou deitado.

— Está falando sério? Não conhecemos essa língua. Para onde iremos, como vamos viver?

Ijeong a abraçou.

— Espere só mais um pouco. Aprendi japonês no navio, portanto a língua daqui não vai ser tão difícil de aprender. Assim que eu aprender espanhol, vou fugir para bem longe. Não vou ficar preso aqui esses quatro anos. Dizem que ao norte ficam os Estados Unidos. Encontrei um comerciante de ginseng, e ele me disse que os Estados Unidos e o México são tão diferentes quanto o paraíso e a terra. Venha comigo. Eu trabalho e você estuda.

Ela colocou o polegar sobre os lábios do seu amante. — Ah, seria tão bom, mesmo que só fosse um sonho. — Mas então o rosto de Yeonsu escureceu. — E se tivermos todos de voltar para a Coreia por causa da carta de papai?

Ijeong apertou o mamilo dela e disse:

— Aí sim é que teremos mesmo de fugir. As cartas demoram alguns meses para ir e vir, e a essa altura já teremos nos preparado.

O rapaz e a moça, incapazes de distinguir entre a promessa de aventura e a excitação sexual, mais uma vez uniram seus corpos com fúria. A lua de Yucatán brilhou sobre carnes tão brancas quanto ela mesma. As nádegas de Yi Yeonsu cintilaram com uma luz azulada.