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Quinze dias depois da reunião com o diplomata Durham Stevens, Yun Chiho, o vice-ministro coreano das Relações Exteriores, encontrou um telegrama de Seul à sua espera na recepção do Hotel Imperial: “Parta para o Havaí e o México. 1000 ienes enviados ao Banco do Japão. Seul”. Ele começou os preparativos para sua viagem, mas Stevens, que veio visitá-lo no hotel, disse-lhe que mil ienes eram apenas quinhentos dólares — mal chegavam para viajar até o Havaí, que dirá para o México. O rosto de Yun Chiho ficou vermelho de vergonha pela quantia miserável entregue pelo seu governo, mas ele não se abalou demais.
— Com certeza enviarão mais dinheiro.
Dois dias mais tarde, Yun Chiho embarcou no Manchuria, em Yokohama. Seu coração saltava ao pensar em uma nova viagem, mas também estava pesado. Havaí, México... Era a primeira vez que viajava para ambos, e aquilo não era nenhuma viagem de férias e sim uma missão para verificar a condição dos imigrantes e resolver seus problemas. Às quatro da tarde, soou o apito do navio. Oba Kanichi, da Companhia de Colonização Continental, subiu até o convés para tentar angariar favores com Yun Chiho. Embora Yun Chiho nunca tivesse gostado de Oba, um típico leva e traz, não teve escolha a não ser lidar com ele. Oba se lançou em defesa da sua companhia.
— Os relatórios que vêm do México são todos equivocados. Os imigrantes estão ótimos. A Companhia Continental se opõe à imigração coreana para o Havaí, mas apoiamos a imigração no México. Já temos japoneses trabalhando no Havaí, o que poderia dificultar as coisas, mas quase não há japoneses no México, portanto não prevemos nenhum problema por lá. Se o senhor puder corrigir os boatos errôneos sobre o que aconteceu em Yucatán, a companhia cuidará de todas as despesas da sua viagem.
Yun Chiho ficou indignado: será possível que todo mundo deseja pagar as despesas de viagem do oficial de uma nação pobre? No entanto, com toda certeza havia um fundo de verdade escondido nas palavras de Oba Kanichi: muito embora a imigração para o México fosse extremamente rentável, a companhia não enviou japoneses para lá. Só isso já era o bastante para ele saber que as condições de trabalho no México eram muito piores do que no Havaí. Oba estava oferecendo uma troca: se Yun Chiho voltasse do Havaí e do México falando bem dos dois países ao imperador, ele continuaria a enviar trabalhadores.
No dia 8 de setembro de 1905, Yun Chiho desembarcou no porto de Honolulu e se reuniu com o governador Robert Carter e o cônsul japonês Saito Miki. Às 8h daquela noite, ele encontrou oitenta coreanos em uma Igreja Batista. Todos choraram: jamais teriam imaginado que um oficial de tão alta importância viria para vê-los. Alguns dias depois, Saito voltou a se encontrar com Yun Chiho e lhe pediu que sacasse os duzentos e quarenta e dois dólares que haviam sido depositados para ele. Aquilo era para pagar a viagem até Yucatán, dinheiro vindo de Seul. O agente de viagens disse-lhe que a viagem de navio de ida e volta custava trezentos e sessenta dólares. Yun Chiho foi pessoalmente ao correio enviar um telegrama para Seul, dizendo: “São necessários mais US$ 300 para ir ao México”. O telegrama custou dezoito dólares e quarenta e oito centavos. Naquela tarde, ele partiu de Honolulu para ver os coreanos que estavam espalhados entre as diversas ilhas.
Durante vinte e cinco dias, até o dia 3 de outubro daquele ano, ele visitou trinta e duas grandes propriedades açucareiras e fez quarenta e um discursos diante de aproximadamente quinhentos coreanos. Atirou-se com todo empenho à tarefa. Repreendeu os preguiçosos, confortou os persistentes e pregou para que acreditassem em Cristo. As condições dos latifúndios havaianos que visitou eram relativamente boas; quando o Havaí foi incorporado aos Estados Unidos em 1898, o sistema de semiescravidão foi abolido e, portanto, os coreanos passaram a ter permissão de se locomover livremente entre uma fazenda e outra. Havia muitos cristãos e intelectuais entre os imigrantes, embora não tenham se adaptado bem à vida latifundiária. Os que nunca haviam trabalhado no campo foram para as cidades, como Honolulu, abrir negócios e estudar. Jovens coreanas concordaram em se casar com homens que estavam no Havaí apenas com base em suas fotografias e embarcaram em navios para se tornarem esposas de maridos que estavam vendo pela primeira vez na vida. Pelo que Yun Chiho viu, havia poucos problemas nas fazendas de cana-de-açúcar havaianas. O trabalho era cansativo e difícil, mas como batista ele considerava trabalhar uma bênção de Deus. Os únicos problemas eram com os coreanos que haviam caído em uma vida depravada de álcool e jogatina. Ali estava a chance de Yun Chiho fortalecer suas convicções quanto à iluminação. Ele acreditava com todas as forças que era seu dever despertar aquela gente ignorante e imoral. Os proprietários das grandes fazendas havaianas receberam com entusiasmo aquela atitude. Brigavam entre si para levar Yun Chiho para seus latifúndios e, com o tempo, ele começou a parecer um palestrante contratado. Depois de seus discursos, em que ele dizia aos coreanos para trabalharem duro, terem fé, nunca brigarem, nunca jogarem e nunca beberem, acontecia uma mudança súbita que durava por alguns dias. Contudo, os coreanos não cristãos logo voltavam ao velho comportamento, e os trabalhadores começaram a ridicularizar Yun Chiho, que chegava de mãos abanando em seu terno preto e camisa branca apenas para repreendê-los, enquanto percorria a fazenda o dia inteiro a bordo da carruagem dos latifundiários.
— Ele devia era trabalhar como a gente um dia apenas, só pra ver — murmuravam alguns coreanos. Não tinham motivo para se alegrar com a presença de Chiho.
Yun Chiho voltou para Honolulu e verificou se havia chegado mensagens de Seul, mas não, nenhuma. Será que ele realmente precisava ir até o México? Já estava cansado, tanto física quanto espiritualmente, depois de percorrer os latifúndios havaianos, que eram todos bastante parecidos. E não tinha dinheiro para aquilo. Assim, Yun Chiho embarcou no Manchuria e voltou para Yokohama.
Em Tóquio, recebeu uma doação de seiscentos ienes da legação coreana. O imperador desejava que ele fosse ao México. Yun Chiho enviou um telegrama ao ministro de Relações Exteriores: “Viagem de ida e volta Japão-México custa 1164 ienes, hotel 400, total 1564 ienes, mas os 490 ienes que recebi anteriormente e a doação de 600 ienes somam 1090, ou seja, faltam ainda 474”. Ficou aborrecido por ter de fazer operações simples de aritmética com a doação imperial.
No dia seguinte, 19 de outubro, Yun Chiho encontrou um ligeiramente rabugento Durham Stevens no saguão do Hotel Imperial. Stevens, que mordiscava um cigarro, olhou ao redor.
— Há muitos coreanos ameaçando me matar. Mas isso não me preocupa. Os coreanos não têm essa coragem.
Todo mundo sabia que Stevens estava apoiando os interesses do Japão, declarando abertamente que os coreanos não tinham a capacidade de se autogovernar.
Yun Chiho enfatizou a importância de sua viagem ao México, mas Stevens demonstrou uma atitude completamente diferente daquela do último encontro dos dois. Falou com candura:
— Mandei um telegrama a Seul dizendo para não enviarem o senhor ao México.
Yun Chiho perguntou o porquê. Stevens sorriu:
— O ministro japonês Hayashi e eu não confiamos no imperador. O senhor acha que ele está tentando enviá-lo ao México porque tem pena de seu povo? Dificilmente. O imperador quer é que todo mundo saiba que ele detém autoridade diplomática independente. Se o senhor agir como cônsul coreano no México enquanto estiver por lá — ele tornou a sorrir —, será um problema.
Yun Chiho não respondeu. Talvez Stevens tivesse razão: fazia muito tempo que a Coreia não era tratada como nação pelos outros países. A Straight-Forward Society estava sempre rogando que o governo entregasse a autoridade diplomática para o Japão. Yun Chiho enviou mais um telegrama: “O dinheiro para a passagem até o México não chegou. Solicito permissão para retornar à Coreia”.
No dia 2 de novembro, Yun Chiho partiu de Tóquio. Após quatro dias de viagem marítima, desembarcou no porto de Busan; dali ele seguiu pela recém-inaugurada ferrovia Seul-Busan. Chegou a Seul pouco antes da meia-noite. Em 8 de novembro, teve uma audiência com o imperador. O imperador perguntou ao seu ministro até onde ele havia viajado e onde estava morando, mas não havia força em seu tom de voz. O imperador parecia exausto. Yun Chiho não mencionou o Havaí, muito menos o México. Desapontado, bateu em retirada. No dia seguinte, o embaixador extraordinário do Japão, Ito Hirobumi, chegou à Coreia. Com o destino da nação e da dinastia nas mãos de Ito, o problema do México era a última das preocupações do imperador.
Em 17 de novembro, o ministro das relações exteriores Bak Jesun e o ministro japonês Hayashi Gonsuke assinaram o Tratado de Protetorado Japão-Coreia de 1905, também conhecido como Tratado de Eulsa, que entregava a soberania diplomática do país para o Japão e reduzia o império coreano a um anexo do Japão. Yun Chiho abdicou do cargo de vice-ministro de relações exteriores.