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Don Carlos Menem não estava na fazenda. Fora reunir­-se com os amigos na Cidade do México, para debater a situação política. O que começara como uma denúncia dos assim chamados Científicos, que só falavam de ciência sempre que abriam a boca, levara a críticas às medidas excessivamente pró­-americanas do presidente Porfirio Díaz. Menem bateu as cinzas do seu cachimbo em um cinzeiro e levantou a voz.

— Esses camaradas mencionam o nome de Auguste Comte depois de cada frase que dizem, mas o que esse velho maldito pode saber da realidade do México? Eles só estão preocupados em encher a barriga, esses demônios espertalhões. Só gente consciente como nós é que sofre.

Um rapaz que estava por ali segurando uma xícara de chá Darjeeling sorriu para Menem e disse com sarcasmo:

— Será que os trabalhadores da sua fazenda pensam o mesmo?

Menem não hesitou nem um segundo antes de retrucar:

— Mas claro! Não existe dono de fazenda mais benevolente do que eu em todo o Yucatán. E a sua fazenda de cana­-de­-açúcar?

O rapaz deu de ombros.

— Existem limites, não importa o quanto a gente os trate bem. Não somos a aristocracia da Espanha, somos negociantes do México. Se não pudermos faturar, precisaremos fechar as portas. Assim, não resta alternativa a não ser apressar os trabalhadores preguiçosos. Pense nisso: as fazendas vizinhas trazem para cá uns chineses que mais parecem mendigos, botam todos para trabalhar e depois vendem o que produzem a preço de banana para os Estados Unidos, então qual fazendeiro em sã consciência não faria o mesmo? No fim das contas, a questão é sempre a concorrência, é ou não é? Fora que ainda precisamos competir com os pretos de Cuba e da República Dominicana.

— Esta é exatamente a lógica de Díaz, e desses Científicos! Concorrência, concorrência, concorrência! — um senhor de meia­-idade e barba ruiva pulou na conversa, com o rosto já ficando vermelho também.

O rapaz entregou a um servo a xícara de porcelana inglesa com o chá Darjeeling e sorriu para o cavalheiro:

— E daí, que importa? Somos todos proprietários de fazendas. Todos nós traremos mão de obra barata das Filipinas ou do Cantão, se tivermos a chance. Não, isso não tem nada a ver com nossas preferências. Mesmo contra a vontade, é o que precisamos fazer. É como cortar o cabelo! — ninguém riu.

— Sua premissa é falha — uma mulher, que até então ficara sentada em silêncio ouvindo atentamente a conversa dos homens, abriu a boca. — Porfirio Díaz nos diz para plantar cana­-de­-açúcar, sisal e chicle, ainda que tenhamos de importar a força de trabalho. Como todos os senhores sabem muito bem, ele atrai o capital estrangeiro e permite que os estrangeiros administrem fazendas.

Menem concordou:

— É isso mesmo. Os fazendeiros americanos também invadiram o Yucatán. Malditos ianques!

A mulher prosseguiu:

­ — Ele diz que os latifúndios são vitais para o México, mas é mentira. Claro que os americanos são a favor desse sistema. Plantam produtos agrícolas baratos no México, carregam tudo no porto de Veracruz e depois os vendem caro para os europeus. E, nesse processo, os proprietários de fazendas tão grandes quanto a Holanda ou a Bélgica e os Científicos da Cidade do México ganham uma fortuna. No fim, somente os Estados Unidos e os amigos de Díaz é que faturam, enquanto o resto de nós luta para conseguir respirar. O que o México precisa não é de latifúndios, e sim de democracia.

Menem estava fascinado tanto pelo charme quanto pela capacidade de discurso daquela mulher. Quem saberia que veneno poderoso poderia sair daqueles lindos lábios? Mas tal veneno era doce para ele.

— Isso mesmo, senhora Elvira. O que precisamos não é de latifúndios, é de democracia. Só que isso é impossível com Díaz. Todos os senhores concordam?

Todos que estavam sentados no escritório assentiram, porém seus olhares eram repletos de desconfiança uns dos outros. Democracia, em vez de latifúndios? Eles sabiam melhor do que ninguém que não existia uma única pessoa no México capaz de conseguir isso. A questão era ou mais latifúndios, ou mais poder!

— Hmmm, muito bem — a senhora Elvira levantou­-se. — Então gostaria de apresentar­-lhes algumas pessoas. Todos os senhores podem comparecer aqui na semana que vem, não?

Aos poucos começavam a surgir grupos de oposição ao ditador.