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Kim Ijeong, que estivera morando secretamente no estado de Chiahuaha, seguia os passos que Bang Hwajung e Hwang Sayong o haviam ensinado e tentava cruzar a fronteira quando ficou no meio do fogo das tropas do governo mexicano e dos guardas de fronteira americanos. Foi atingido em um braço e desistiu de cruzar a fronteira por algum tempo, permanecendo no México. O pouco que tinha de dinheiro estava acabando. Ele não tinha sequer noção de que a Revolução Mexicana estava acontecendo. Quando encontrou tropas lideradas pelo líder sindical Cástulo Herrera, no entanto, com rifles nas mãos e marchando ao longo do penhasco que dava em Temósachi, ele imediatamente entendeu o que estava acontecendo. Os revolucionários trataram seu ferimento e o convidaram para se juntar a eles. Incentivados pela paixão da revolução, praticavam o espírito de fraternidade e solidariedade, duas virtudes do início do conflito. Os membros do exército revolucionário eram realmente diversos. Trabalhadores das fazendas, estudantes universitários, balconistas, profissionais de reparos, vendedores de mulas, pedintes, mineiros, caubóis, desertores, advogados e mercenários americanos, tudo misturado.

Entretanto, Ijeong rejeitou o convite, de modo indireto. Ir para os Estados Unidos era sua prioridade. Ijeong tinha em mente ganhar dinheiro em Chihuahua e depois tentar cruzar a fronteira novamente. Ele se separou dos combatentes e esperou por um trem. Que nunca chegou, no entanto. Todo o estado de Chihuahua estava fervendo com o zelo da revolução. Ele andou de mula e em carruagens e deste modo chegou até a cidade de Chihuahua. Os revolucionários, contudo, estragaram até mesmo esse plano. Tomaram conta dos trens para poder transportar armas e tropas.

O novo líder revolucionário que ele encontrou ao acaso foi Pascual Orozco. Orozco fora um mercador no oeste de Chihuahua, onde transportava minério utilizando mulas de carga. Seus maiores inimigos haviam sido na época os bandidos do interior, que estavam atrás dos seus carregamentos. Ele crescera lutando contra estes bandidos, e, para ele, lutar era sua vida. Orozco não odiava Díaz tanto assim, mas também não morria de amores por Madero. Estava apenas extremamente irritado com a tirania da família Terrazas, que controlava o poder em Chiahuahua. Pouco a pouco ele reuniu sua própria tropa, tomou a cidade de Guerrero, um entroncamento importante da linha ferroviária, e trouxe líderes revolucionários como Pancho Villa para o local, assim se tornando a pessoa mais poderosa do norte do México.

Ijeong permaneceu no acampamento de Orozco por vários dias. Os camponeses que haviam se juntado à revolução sabiam de uma oportunidade em uma fazenda de sisal.

— Cana­-de­-açúcar, algodão, é tudo igual. A única coisa diferente é o tamanho da barba dos fazendeiros — disseram os camponeses. — Você disse que está indo para os Estados Unidos? Isso não mudará nada. Os ricos ganham seu dinheiro com a terra, e os imigrantes trabalham nas plantações de cana­-de­-açúcar ou de laranja até seus pescoços quebrarem.

Ainda assim, Ijeong não abandonou seu sonho de ir até os Estados Unidos.

Alguns dias depois, tropas federais atacaram os soldados de Orozco. Com armas de grande porte, destruíram os pobres revolucionários indisciplinados. Ijeong fugiu com os rebeldes pelo despenhadeiro que quase tocava a linha do horizonte. Um deles deu sua arma para Ijeong, e assim ele atirou pela primeira vez na vida. A sensação era parecida com a que sentiu quando segurou as facas na cozinha de Yoshida. A excitação que emanava do prático e frio metal se espalhou pelo seu corpo como uma droga. Quando ele carregou a arma e puxou o gatilho, sentiu toda a antiga amargura que se acumulara em seu corpo se expelir. A bala perfurou a coxa de um soldado federal e levantou poeira ao se enterrar no chão. Poeira misturada com sangue vermelho.

A batalha terminou, e os homens de Orozco foram os que tiveram mais baixas. Mas Ijeong não abandonou a tropa. E segurava seu revólver enquanto dormia. Alguns dias depois, a tropa de Ijeong recebeu ordens: eles deveriam atacar de surpresa um contingente de soldados federais de tamanho considerável. Foi a Batalha do Cañon del Malpaso, que seria lembrada durante anos pela história da Revolução Mexicana. Naquele dia, os revolucionários pegaram de surpresa as tropas lideradas pelo coronel Martín Luis Guzmán e obtiveram muitos espólios de guerra.

Ijeong capturou um soldado federal que tentava fugir. Em seu bolso havia um pouco de milho apodrecido. Ele implorou por sua vida. Ijeong não conseguiu entender o que dizia. Tão logo ele retornou com o soldado, os revolucionários o despiram totalmente e o fizeram cantar. O pênis dele ficou murcho enquanto ele cantava a plenos pulmões. Depois os revolucionários o deixaram ir embora. Naquela época ainda havia um pouco de humor na revolução.

Notícias da vitória em Malpaso entusiasmaram os revolucionários anti­-Díaz em toda a nação. A primeira vitória em batalha vivida por Ijeong paralisou seu pensamento. Ele se esqueceu dos Estados Unidos e de Yeonsu. Esqueceu­-se até mesmo de todo o ódio e sofrimento que passou em inúmeras fazendas. A vitória na batalha trazia uma felicidade genuína. E ele gostou da atmosfera no exército revolucionário além disso. Era parecido com o que ele havia experimentado na cozinha de Yoshida. Um mundo de homens apenas. Um mundo em que ele estaria isento de todas as suas obrigações. Os homens eram sujos e barulhentos, mas no meio deles havia paz.

Os velhos e brutos soldados camponeses perguntaram a Ijeong sobre o país que ele havia deixado para trás.

— Há homens corajosos como vocês lá também, claro — respondeu Ijeong.

Os revolucionários perguntaram:

— Contra quem eles lutam?

— Contra o exército japonês.

— Por quê?

— Porque eles perderam tudo. O Japão anexou todo o país.

Os revolucionários mexicanos compartilharam da raiva dele quando se lembraram de como os Estados Unidos haviam engolido o Novo México e o Texas, no norte do seu país. Mas logo perderam o interesse em conversar sobre um país asiático distante, um país que, ainda por cima, nem existia mais.