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Pancho Villa mastigava uma coxa de frango enquanto olhava para um mapa. Seus oficiais estavam ao redor, olhando o mapa sobre seu ombro. Algo o incomodava no fato de o exército de Obregón, que fora expulso para Veracruz, haver rodeado a Cidade do México e ido para Querétaro. A região de Jalisco, incluindo Guadalajara, era um ponto estratégico vital tanto para a divisão do norte, villista, quanto para a divisão do sul, zapatista. As intenções de Obregón eram claras: ele estava tentando dividi-los. Villa havia estabelecido o seu quartel-general na cidade de Irapuato, na fronteira com Jalisco. Seguindo as ordens de Villa, Ijeong parou com as execuções na Cidade do México e rumou para a sede militar. As tropas de Villa e as de Obregón estavam frente a frente separadas por uma distância de cento e doze quilômetros.
Pancho Villa gostava de assustar seus inimigos ao extremo com um ataque de cavalaria estrondoso, uma tática que também se adequava bem à sua personalidade. Para isso ele precisava atrair o inimigo até a planície para poder atacar, mas o comandante estúpido Obregón havia rastejado até a planície de própria vontade. A confiança de Villa aumentou, e o moral das tropas também estava alto. De sua parte, Obregón dedicava toda a sua energia para conseguir mais canhões e metralhadoras. Ao contrário de Villa, Obregón tinha aprendido bem as lições da Grande Guerra que acontecera recentemente na Europa. Ele não poderia desconsiderar o poder dos ataques-relâmpago de Villa, mas poderia aplicar os métodos usados nos campos de batalha da França e da Bélgica: se uma pessoa cavasse trincheiras profundas, colocasse arame farpado à sua frente e atirasse com metralhadoras por trás da proteção, o ataque da cavalaria, que era o forte de Villa, poderia ser neutralizado. Portanto, a planície de Celaya, que Villa acreditava ser uma vantagem para ele, também estava perfeitamente de acordo com os planos de Obregón. As valetas de irrigação das plantações de trigo se estendiam de leste a oeste no chão plano, e, se fossem escavadas um pouco mais com um baluarte colocado à frente, seriam ideais para servirem como trincheiras militares. Obregón mobilizou quinze mil soldados, cavou as trincheiras, posicionou quinze canhões e cerca de cem das metralhadoras mais modernas e esperou a batalha decisiva começar.
O general villista Felipe Ángeles desaconselhou uma grande batalha.
— Obregón está à espreita. Se simplesmente cortarmos seu abastecimento e esperarmos, ele se renderá. As filas de abastecimento deles estão agora cada vez mais longas. Seria vantajoso para nós cortar o suprimento com as tropas de Zapata e esperar a hora certa. O inimigo é quem deseja uma batalha veloz e uma conclusão rápida.
No final, suas palavras estavam corretas, mas não eram as palavras certas para convencer um homem como Villa. Villa, o antigo bandido, era um brutamonte até a medula. No mundo dos brutamontes, a covardia era ainda mais odiada do que a morte. Assim, o conselho de Ángeles apenas reforçou a determinação de Villa. Ele havia conduzido meros oito brutamontes pelo Rio Grande e no final se tornara um general que comandava milhares de soldados. Por que faria agora o que antes não tinha feito quando liderava apenas oito? Villa também sabia que as tropas de Zapata não passavam de uma ralé desordenada que não tinha habilidade em batalhas de verdade. Havia confiado nas tropas de Zapata para tomar Veracruz, mas elas não conseguiram avançar sequer um passo. Ele se enxergava como sendo a única pessoa capaz de mudar a maré da revolução de novo a favor deles.
Antes do nascer do sol do dia 6 de abril de 1915, Ijeong estava limpando sua arma com os outros soldados. Miguel se aproximou e ofereceu-lhe um cigarro. Ijeong o acendeu e perguntou:
— Villa provavelmente dará a ordem de ataque logo, não é?
Miguel concordou.
— Eu vi a cavalaria selando os cavalos.
Ijeong soltou a fumaça e perguntou a Miguel:
— Você realmente acha que uma revolução permanente é possível?
Miguel olhou para Ijeong por algum tempo, tentando analisar seus pensamentos.
— Olhe, a política é só um sonho. Democracia, comunismo, anarquismo, é tudo igual. Foram todos criados para que pudéssemos atirar uns nos outros — Miguel ergueu sua arma. — Isso aqui é que vem primeiro, e só depois vêm as palavras. Claro que eu acredito nisso. Mesmo que não acreditasse, é o único jeito. Eu tinha dezessete anos quando matei um homem pela primeira vez. Naquela época eu fazia parte das tropas de Zapata. E agora sirvo a Villa. Porém, para mim nada mudou.
Quando o sol nasceu, Villa deu a ordem para que sua infantaria começasse a avançar. Não usou a cavalaria, seu forte, porque havia visto as longas trincheiras e o arame farpado ao redor do acampamento de Obregón, bem como os canos reluzentes das metralhadoras. Até mesmo Villa sabia o que aquilo significava. Pelo fato de as metralhadoras terem um alcance mais curto e serem menos precisas que os rifles, as tropas de Villa tiveram vantagem no início da batalha. Eles forçaram os soldados de Obregón a saírem da cidade de Celaya e a invadiram. O regimento de Ijeong era a vanguarda. Um membro do regimento subiu até o campanário da catedral de Celaya e correu para tocar o sino, animado. Quando o som do sino, claro e forte, chegou até o campo de batalha, o moral das tropas de Villa aumentou.
Porém, o ritmo de Ijeong ficou extremamente abalado com o som inesperado do sino. Era como se aquilo houvesse levantado algum sedimento que repousava quieto dentro dele. Foi só então que ele percebeu, paradoxalmente, que aquela quietude, aquela indiferença dele, só existiam por causa da guerra. Graças à guerra, ele pudera se esconder e reprimir todos os seus desejos e conflitos. Graças à rigorosa tensão exigida pelo ato de atirar, mover-se e comandar, ele se vira livre do que havia deixado para trás. O local onde ninguém poderia reprimi-lo por causa disso era o campo de batalha. Mas o sino, aquele penetrante e claro som, o fez tremer. Abaixo do campanário, enquanto as balas voavam de lá para cá, ele se lembrou do arco em forma de chama da fazenda Chunchucmil e do corpo quente de Yeonsu. Ele se lembrou das suas mãos trêmulas quando puxou o gatilho no seu primeiro homicídio e no segundo. Se Miguel não tivesse se aproximado e tocado seu ombro, ele talvez tivesse ficado ali parado, perdido em pensamentos, por um bom tempo.
— Ei, Kim — disse Miguel —, tem alguma coisa errada. Acho que Obregón vai contra-atacar logo. Ele bateu em retirada rápido demais.
Bak Jeonghun parou ao lado de Obregón e observou o progresso da batalha com ele. Eles também haviam escutado o sino de Celaya. Obregón não pareceu muito preocupado com isso, reforçou suas tropas e ordenou que continuassem avançando. Posicionou todos os atiradores ao longo da linha de batalha e reprimiu os atiradores de Villa. Obregón tinha a vantagem numérica também. Até mesmo a unidade do próprio Obregón, da qual Bak Jeonghun fazia parte, participou da batalha e fez chover uma saraivada de balas na direção das tropas de Villa. Fazia muito tempo que Bak Jeonghun não participava de uma batalha de verdade. Isso pesava muito menos em sua consciência do que apontar o rifle para as guerrilhas do seu próprio país no papel de soldado do exército estranho de uma nação pequena e fraca, e um exército comandado em turnos pelo Japão e Rússia, além de tudo. Para ele tanto fazia se era Obregón ou Villa. Ainda assim, a julgar pela personalidade de Obregón, ele achava que não seria tão ruim assim se ele se tornasse o líder do México. Com a curiosa atitude filosófica comum aos mercenários, ele calmamente se juntou à batalha. A unidade de Bak e Obregón avançou até a torre do sino de Celaya. Bak mirou contra o villista no alto do campanário, que tocava o sino. Aquele soldado é que determinava o moral dos outros, então precisava ser morto rapidamente. A bala de Bak acertou o sino. Ping! Um som estridente ecoou. O soldado se jogou no chão. No momento em que ergueu a cabeça para localizar seu inimigo, a segunda bala acertou sua testa. As paredes brancas do campanário ficaram manchadas de sangue. Com isso, o regimento de Ijeong abandonou o campanário e bateu em retirada. Bak Jeonghun subiu até o terceiro andar de um prédio no centro de Celaya e apontou a arma para as tropas de Villa, que batiam em retirada. Em seu campo de visão apareceu um rosto familiar, um rosto coreano, embora estivesse coberto por uma barba. Ijeong. O garoto havia se tornado um homem. Bak Jeonghun não puxou o gatilho e esperou o regimento passar.
Os conflitos ofensivos e defensivos entre as tropas de Obregón e Villa continuaram noite adentro. A batalha deixou as ruas de Celaya e terminou na noite do dia seguinte, 7 de abril. As tropas de Villa se retiraram completamente até o quartel-general em Irapuato e lá se reorganizaram. Foi um dia de humilhação para Villa, mas Obregón também não estava feliz. O seu objetivo não fora apenas derrotar o exército de Villa, mas aniquilá-lo. Se não cortasse a garganta deles desta vez, não havia dúvida de que Villa, que possuía habilidade tanto em táticas de guerrilha quanto de batalhas regulares, continuaria a persegui-lo.
Para quebrar a monotonia da batalha, Villa resolveu arrasar o inimigo com um de seus ataques de cavalaria. Com reforços de Jalisco e Michoacán, os soldados de Villa somaram trinta mil homens. Sua cavalaria estava intacta e eles excediam o inimigo em dois para um. Achou que bastaria simplesmente rodear o arame farpado. Em 13 de abril, Pancho Villa ordenou que sua cavalaria atacasse. A cavalaria do norte, uma lenda da Revolução Mexicana, galopou em uníssono ao som das cornetas, mas os cavalos hesitaram em frente ao arame farpado, e, naquele momento, as metralhadoras de Obregón abriram fogo. O rifle de Bak Jeonghun repetidamente cuspiu balas de sua posição ao fundo. Obregón pouco a pouco conquistou pontos de avanço enquanto os cavalos sem cavaleiros e os cavaleiros sem cavalos corriam para todos os lados, confusos, na frente do arame farpado. Do outro lado, Villa cometeu o erro de ordenar que sua segunda e terceira linhas de combate, que aguardavam, atacassem. As tropas de Obregón arrasaram o orgulho de Villa sem sequer sair das trincheiras. Aquele mesmo tipo de ataque impensado continuou pelo resto do dia. Somente da cavalaria, morreram entre três mil e três mil e quinhentos soldados.
No dia 15, Obregón ordenou que a cavalaria do general Cesáreo Castro, com sete mil homens, que não havia sido usada nem nos momentos mais difíceis, rodeasse o flanco de Villa e o atacasse pelas costas. O restante da infantaria de Villa foi derrubado pela cavalaria de Castro, que chegou galopando como uma tempestade, com um som como se um gigante tivesse apanhado as montanhas e as chacoalhado para arrancá-las pela raiz. Àquela altura, a maior parte da infantaria já havia perdido a vontade de lutar e começou a correr com medo do barulho e do tremor de terra. A cavalaria parecia vir descendo montanha abaixo como o exército de Deus, dominando agressivamente o campo de batalha, descendo as espadas sobre as cabeças e os ombros da infantaria. Ijeong correu na direção do quartel de Villa. Pensou que seria o local que resistiria mais tempo. Sua avaliação estava correta. A cavalaria de Obregón encontrou resistência significativa ao tentar chegar até o centro. As tropas leais arriscavam suas vidas para defender Villa. Ijeong, por fim, conseguiu se integrar ao grupo de Villa na sua fuga para o sul.
Os villistas, que até então haviam sido lendas invencíveis, foram devastados pelas próprias táticas de cavalaria que até então tinham sido o seu ponto forte. Villa ordenou retirada atrás de retirada. Obregón o perseguiu até o fim. As terras de Villa caíram uma a uma nas mãos de Obregón. Villa conseguiu arrancar um braço de Obregón em batalha, no dia 3 de junho, mas perdeu tudo o que tinha em compensação. Villa, o comandante da Divisão do Norte, estava praticamente voltando a ser um bandido apenas.
— Eu quero voltar para Veracruz. Acho que já está na hora de comer comida chinesa de novo — disse Bak Jeonghun ao amarrar um pedaço de pano ao redor do pescoço de Obregón e passá-lo pelo coto de seu braço esquerdo, que estava enrolado em ataduras. Obregón riu com vontade e concordou. Então mandou um auxiliar trazer uma caixa de madeira. Estava cheia de cédulas impressas porcamente com o rosto do presidente Carranza.
— Leve isto. Sua mulher vai gostar.
Bak Jeonghun recusou, mas Obregón estava irredutível.
— Se um dia o senhor vier até Veracruz — disse Bak —, eu cortarei seu cabelo de graça.
Obregón sorriu; seu cabelo caía por suas orelhas e testa.
— Se um dia você quiser ser um soldado, me procure.
— Mas eu não consegui nem proteger seu braço.
Obregón agarrou o braço de Bak Jeonghun com a mão direita.
— Mas nós ganhamos mesmo assim, não foi?
Bak Jeonghun pegou a caixa com as cédulas e retornou a Veracruz. José tranquilamente continuava a cortar cabelos, como sempre. Ele esticou os braços e abraçou Bak, que olhou na direção dos fundos da barbearia. Não havia sinal de ninguém.
— Minha mulher saiu?
José balançou a cabeça com uma expressão séria no rosto.
— Ela não está mais aqui.
O rosto de Bak Jeonghun se abateu.
— Alguém a levou embora?
O velho barbeiro abriu um grande sorriso.
— Peguei você! Ela foi até o mercado e voltará logo.
Tranquilizado, Bak foi até seus aposentos e guardou seus pertences. Pôde sentir o perfume de sua mulher. Era o perfume que seus companheiros soldados já haviam antes chamado de sangue de corça. Ele se jogou na cama e dormiu.
Ao acordar e abrir os olhos, percebeu Yeonsu o observando. Alguns dias depois, eles fizeram as malas e viajaram para Mérida. José preparou um almoço para eles.