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Bak Jeonghun e Yi Yeonsu chegaram ao arco de entrada da fazenda Yazche. Um guarda que eles não reconheceram os parou no caminho. Yeonsu perguntou se havia coreanos na fazenda. O guarda disse que sim. Quando eles disseram que tinham vindo ver os coreanos, o guarda pediu que eles o acompanhassem. Eles caminharam até o escritório ao lado do armazém, onde os pagadores trabalhavam. Era um lugar familiar. Um dos pagadores lembrava vagamente de Yeonsu. Ele disse a ela que somente uns poucos coreanos ainda viviam ali, que a maioria tinha ido embora. Depois de algum tempo, o pagador também se lembrou do pai dela, que se recusara a trabalhar até o final, e de sua letárgica mãe.
Yi Jongdo havia levado seu filho embora com ele no dia que o contrato deles expirou, mas o pagador não sabia para onde os dois tinham ido. Yeonsu perguntou com hesitação sobre a esposa. O pagador falou com um capataz e folheou as anotações em um caderno parecido com um livro de contabilidade, então coçou a cabeça e deu uma risada incomodada. Yeonsu apertou o lenço que segurava.
— O que foi? — perguntou ela.
— Nós temos um fazendeiro diferente agora — disse o pagador —, e por sorte esse local não foi incendiado. Então ainda podemos plantar sisal aqui, e, com os preços subindo por causa da revolução, temos um bom número de compradores. — Folheou as páginas com habilidade e falou novamente: — Hmmm, estou vendo que o intérprete pagou a sua liberação, moça.
Ela perguntou:
— O que aconteceu com a minha mãe?
O pagador sorriu.
— Ela está bem. Talvez você ache difícil de acreditar, mas pouco antes do contrato de vocês vencer ela se casou com um capataz maia. Está morando em outra fazenda próxima daqui. Quer que eu entre em contato com ela?
Yeonsu ergueu a mão para interrompê-lo.
— Não há necessidade.
— Ela está vivendo muito bem — disse o capataz.
Seria aquela a mesma mulher que se recusara a falar com a filha quando esta se tornou a concubina de um intérprete? Não que Yeonsu não entendesse sua mãe, cujas atitudes não eram insensatas. Talvez fosse melhor assim. Não havia chance de retornarem à Coreia, seu marido era um incompetente, sua filha havia sido capturada e seu filho tinha ido embora. Os longos anos de repente pareceram uma brincadeira de mau gosto.
Yeonsu por fim deu voz à razão pela qual havia retornado.
— Havia uma mulher chamada Maria.
O capataz franziu o cenho.
— Há várias mulheres chamadas Maria.
— Ela vivia com o intérprete, Gwon Yongjun. Deve estar com uma criança.
Outro capataz entrou na conversa e disse que Maria tinha ido trabalhar, mas que retornaria em algumas horas.
— Podemos ir até a casa dela?
Os homens balançaram a cabeça e disseram que não poderiam permitir isso; que o novo fazendeiro não gostava desse tipo de coisa. Yeonsu se sentou com Bak Jeonghun e bebeu o chá que foi oferecido a eles. Quanto será que ele cresceu? Ele nasceu em 1906, então está com nove anos já. Por que não arrisquei minha vida para escapar do chinês? Mas, mesmo que eu tivesse chegado até aqui, não teria dinheiro para levar a criança comigo. Ela foi tomada pela culpa.
Depois de algumas horas, eles ouviram o som de pessoas chegando. Um menino bonito que se parecia com Ijeong caminhava com uma mulher maia na direção do armazém. Ela tinha mais rugas, mas ainda sim era Maria. O garoto, tímido, ficou um pouco para trás quando Maria abriu os braços e as duas mulheres se abraçaram e choraram. Maria apontou para a criança, que se escondera atrás dela. Ele não falava nem espanhol, nem coreano, mas apenas a língua maia. Yeonsu se dirigiu ao menino, primeiro em coreano, depois em espanhol, mas a única coisa que ele entendeu foi “mama”. Maria lentamente balançou a cabeça, como se quisesse dizer que não tivera outra opção. Era ela quem tinha feito algo errado, não Maria, pensou Yeonsu, mas não conseguiu segurar as lágrimas de ressentimento. A faísca de rancor se acendeu e se transformou em raiva, direcionada à sua mãe, a senhora Yun, que havia se casado com um maia e deixado a fazenda. Nunca a perdoarei, pelo resto da minha vida. Se ela ao menos tivesse cuidado dele, nós dois poderíamos pelo menos conversar um com o outro!
O capataz chamou um guarda que passava por ali. Ele falava tanto espanhol quanto maia e atuou como intérprete. Maria perguntou a Yeonsu por que ela demorou tanto para voltar. Yeonsu disse que não teve outra escolha. E que estava muito agradecida. Então Yeonsu perguntou se podia levar a criança com ela. Uma expressão estranha tomou conta do rosto de Maria. Ela disse algo para o menino em maia e ele saiu correndo. Maria conversou um bom tempo com o guarda que estava interpretando. O guarda assentiu com a cabeça e ouviu até ela terminar, então disse a Yeonsu o que ela havia compartilhado com ele.
— Ela diz que a criança é dela.
Yeonsu não pôde acreditar no que ouvia. Puxou o braço de Maria. Maria virou o rosto. Yeonsu gritou:
— Isso é impossível!
Ela discutiu com o capataz, que folheou o livro de contabilidade e falou:
— Aqui diz que o filho é dela.
A criança correu até Maria, que pressionou os lábios. Os cantos de seus olhos se encheram de lágrimas. Não que Yeonsu não entendesse a posição dela, mas mesmo assim.
Bak Jeonghun, que ficara todo esse tempo observando calado, deu um passo à frente. Aproximou-se de Yeonsu, que estava em estado de pânico. Disse algo em seu ouvido e os olhos de Yeonsu se arregalaram, como se só então ela tivesse acordado para a realidade. Maria teve uma sensação ruim ao observá-la e deu alguns passos para trás, segurando a criança. Yeonsu se aproximou do capataz e perguntou:
— Quanto ele custa?
O capataz olhou para Maria e levantou dez dedos.
— É por causa da inflação — ele coçou a cabeça.
Bak Jeonghun pegou duas cédulas de cinquenta pesos com o rosto de Carranza e as deu ao capataz. Naquele momento Maria puxou a criança e saiu correndo. Um capataz montado em um cavalo a perseguiu e a chicoteou. Yeonsu gritou:
— Não! Pare com isso!
Maria caiu no chão e o capataz pegou o menino e passou-o para Bak Jeonghun. Yeonsu correu até Maria e a levantou. Maria a empurrou e caiu no chão, levantando os braços para o céu e soltando xingamentos em maia. Quando Bak Jeonghun se aproximou dela, ele pegou mais cem pesos e lhe deu, mas Maria sorriu como uma louca. Então dobrou as notas e as colocou na boca. O capataz e o pagador vieram correndo, mas Maria não abriu a boca. Teimosamente mastigou e engoliu as cédulas. Quando o capataz furioso chutou Maria, Bak Jeonghun deu um soco no rosto dele e retirou uma pistola do bolso, apontando para os dois homens. O capataz e o pagador ergueram as mãos. Bak Jeonghun pegou o garoto e Yeonsu e deixou a fazenda.
Foram para Mérida. O menino aceitou aquele homem quieto como pai e não desgrudou dele. Dormiram no Grand Hotel, próximo à catedral. Eles não conseguiam conversar com a criança de modo algum, mas ele rapidamente foi cativado pelo afeto que Bak Jeonghun demonstrava por ele. Além disso, aos seus olhos Bak Jeonghun parecia um homem rico, um homem que comia no hotel e no restaurante mais elegante de Mérida. Por nunca ter deixado a fazenda antes, o menino desfrutou tanto das magníficas ruas iluminadas de Mérida, que não dormiu. E se empanturrou de comida, até pensar que seu estômago iria estourar. Mas Yeonsu não comeu nada.
Bak Jeonghun deixou a mulher e a criança no hotel e foi até o escritório regional da Associação Nacional Coreana, que não ficava longe dali, para visitar seus companheiros soldados Jo Jangyun, Kim Seokcheol e Seo Gijung, entre outros. Pela primeira vez em anos, bebeu com homens que ficaram felizes em vê-lo e ficou bastante bêbado. Falou honestamente em sua língua nativa sobre tudo o que havia acontecido a ele. Voltou para o hotel bem depois da meia-noite e caiu no sono. Quando amanheceu, levou sua mulher e o menino de volta para Veracruz.