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Ijeong permaneceu em Mérida por alguns dias. Tal como Jo Jangyun havia dito, ir para Veracruz não parecia uma boa ideia. Ainda assim, desde que ele escutou o sino de Celaya, sempre que fechava os olhos via o rosto de Yeonsu. Talvez apenas sentisse falta de alguém para dar consolo ao seu corpo, cansado por causa da guerra e da revolução. Isso era algo que ele nunca conseguiria com Jo Jangyun e os outros. Sentiu inveja da boa sorte de Bak Jeonghun.

Eu vou apenas para vê­-la. Sem saber se ela ficaria feliz em encontrá­-lo, embarcou em um navio para Veracruz. Ao chegar, foi até o endereço que Jo Jangyun havia lhe dado e encontrou a barbearia. Fez hora na frente da loja enquanto os clientes entravam e saíam e os vendedores ambulantes iam e vinham carregando cestos redondos cheios de comida. As pessoas cortaram os cabelos, fizeram as barbas e até comeram tortillas. Ele não viu Bak Jeonghun, muito menos Yeonsu. De longe, ouviu o sino da catedral. A escola ao lado da catedral devia ter aberto as portas para a saída dos alunos, pois ele escutou o som de crianças conversando enquanto rumavam para casa. Pouco tempo depois, um menino empurrou a cortina da entrada da barbearia para o lado e entrou na loja. Seu rosto era asiático. O menino foi até o pátio ao lado da barbearia e brincou na água. Pouco tempo depois, quando as sombras se alongaram, uma mulher saiu dali. Ijeong conhecia aquela mulher, que se virou na direção do mercado. Ela estava vestida como uma mexicana, mas pelo jeito que andava ele não teve dúvida de que era Yeonsu. As bochechas rechonchudas de criança haviam desaparecido e o seu queixo ficara mais delineado, mas era ela sem dúvida alguma. Yeonsu falou em coreano:

— Seob! Eu falei para você não fazer isso, não falei?

A criança murmurou algo em maia e voltou para a barbearia. Mesmo dando uma bronca no garoto, o rosto dela estava cheio de felicidade.

Quando a sombra de Yeonsu desapareceu, Ijeong entrou na barbearia. José parou de cortar o cabelo de um cliente para recebê­-lo. Pareceu ficar um pouco nervoso com a chegada de um estranho. Apenas Ijeong não notava que existia uma escuridão irreversível em seu rosto, o rosto de um homem que passara por uma guerra e cometera assassinatos sem sentido. Ijeong se sentou na cadeira de barbeiro. Um homem que estava colocando carvão em um fogão para ferver água tirou as luvas, limpou as mãos e se aproximou de Ijeong. Somente depois que ele amarrou a toalha ao redor do pescoço de Ijeong, como de costume, foi que cruzou o olhar com o dele no espelho. Bak Jeonghun perguntou em espanhol:

— Como quer o corte?

Quando o assunto era cortar cabelos, pelo menos, ele nunca falava em coreano. Havia usado espanhol desde o primeiro momento em que tinha começado na profissão. Ijeong respondeu em espanhol:

— Curto, por favor.

Bak Jeonghun borrifou um pouco de água no seu cabelo e sem falar mais nada começou a cortar. O menino entrou correndo do pátio e observou seu pai trabalhar, mas logo perdeu o interesse e voltou para o pátio. Ijeong não disse nada. Bak Jeonghun também não. Apenas José observava com o canto do olho enquanto um estranho silêncio se estabelecia entre os dois orientais. Havia tensão no ar. Ijeong notou o retrato de Obregón pendurado na parede. Puxou assunto em espanhol:

— A revolução parece estar quase no fim.

— É o que dizem. O general Obregón com certeza é algo e tanto, não é?

Nessa hora, José interrompeu.

— Ele foi o barbeiro de Obregón, sabe. Lutou na Batalha de Celaya.

Ijeong fechou os olhos.

— Ah, verdade? Eu também estive lá.

A tesoura cortou o ar. José olhou rapidamente para a tesoura de Bak Jeonghun. Era o olhar de um barbeiro experiente. Então Bak Jeonghun de repente falou em coreano.

— De que lado você estava?

— Do lado de Villa.

— Muitos morreram.

— É sempre assim em uma guerra.

— Dizem que estão caçando os seguidores de Villa atualmente.

— Quem sabe quando a situação mudará novamente? — indagou Ijeong. — Por que você estava do lado de Obregón, afinal?

— Ele veio aqui e me levou com ele.

— Só por isso?

Bak Jeonghun parou de cortar e começou a passar espuma de barbear no rosto de Ijeong.

— Eu não tenho interesse nesse tipo de coisa. Só quero viver com tranquilidade com minha mulher e meu filho. E quanto a você? Realmente seguiu Villa porque gostava dele?

— Sim. Eu tinha sangue quente.

Bak Jeonghun encostou a navalha na bochecha esquerda de Ijeong e gentilmente a deslizou para cima.

— E agora?

Ijeong hesitou por um momento.

— Na verdade, ainda tenho.

Bak Jeonghun apontou para o menino que brincava do lado de fora.

— Ele é seu filho. Mas, se estiver de acordo... bem, mesmo que não esteja de acordo, não há muita escolha; eu gostaria de criá­-lo. Até seu sangue esfriar.

A navalha passou por baixo de sua orelha.

— Eu não o levarei comigo. Não estou em condições de criar um filho.

— Se não vai levá­-lo, é melhor você ir embora agora.

Ijeong ergueu uma sobrancelha.

— A mãe dele voltará em breve.

Bak Jeonghun parou de fazer a barba e limpou os fios de cabelos que caíram no pescoço de Ijeong. Ijeong quis pagá­-lo, mas o barbeiro de Obregón não aceitou seu dinheiro.

— Eu criarei bem o menino. Se algo acontecer com o general Obregón, e algo acontecer comigo, por favor tome conta da minha mulher e do meu filho. E cuide­-se. Esta é a revolução de um país que não é o nosso, não importa o que façamos. É melhor deixar a coisa por conta deles, seja lá para que lado ela vá.

Ijeong saiu. Lá fora o céu ainda estava claro, mas não se podia ver o sol. Bak Jeonghun, da entrada da barbearia, ficou de olho gentilmente, como um cão de caça que finge olhar para o outro lado. Seus olhos sorriam, mas sua postura era tensa. Ijeong começou a caminhar na direção dos cais. De longe, viu Yeonsu retornando do mercado. Bak Jeonghun, com o rosto inexpressivo, recebeu­-a e a conduziu para dentro da barbearia. Ijeong voltou para Mérida. O sino de Celaya mais uma vez soou em seus ouvidos.