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Um homem afirmava que Nosso Senhor fizera muita coisa sem préstimo. Há seres perfeitamente dispensáveis e não compreendia como o Criador perdesse tempo com eles. Para que servia uma barata? Para nada. Viveríamos melhor sem as baratas, não é verdade?
Dias depois, esse homem começou a sofrer das urinas e não podia verter água. Os doutores não deram solução. Desesperado, foi procurar uma velha que ensinava remédios antigos, meizinhas do povo. A velha ouviu e disse que o doente arranjasse uma barata viva, das grandes. O homem caçou e levou a barata. A velha, sem que ele visse, torrou-a, virou-a em pó, fez um chá bem quente e mandou o homem beber, sem açúcar. Logo depois, começou ele a urinar que não tinha mais conta. Ficou bom. Foi agradecer à velha.
– Sabe qual foi o seu remédio? Não sabe? Foi um chá de barata!
Tudo nesse mundo tem sua serventia. Depende da oportunidade.
O chá de barata ou de grilo recebemos da terapêutica popular portuguesa. O espírito dessa estória é o mesmo do Le scarabée que René Basset divulgou no seu Mille et un contes, récits & légendes arabes (II, 124, Paris, 1926). O árabe perguntava qual a intenção de Deus ao criar um bicho tão feio e nauseante como o escaravelho. Adoeceu de uma úlcera e foi curado com o pó do escaravelho. O árabe raciocinou, convencido: “Sachez que Dieu a voulu me faire connaître que la plus vile de ses créatures est le reméde le plus précieux”.