56

Urubu­-rei come sozinho!

Em setembro de 1962, um chauffeur no Recife criticava um grande serviço federal, dizendo­-o rico de fama e recursos e pobre de atos e obras. Rematou a catilinária, deixando­-me no hotel, com uma imagem da nossa avifauna: “Aquilo é urubu­-rei, só come sozinho!...”.

Os Drs. Artur Neiva e Belisário Pena (Viagem científica, Rio de Janeiro, 1916) registram no sertão de Goiás, em 1912, uma observação esclarecedora do dito popular pernambucano.

“Em Goiás, além das espécies referidas, encontra­-se com rela­tiva frequência o Gypagus papa, L, e a respeito desta ave verifica­mos uma observação popular verdadeira; queremos referir­-nos ao fato de os outros urubus fazerem carniça depois de o urubu­-rei estar saciado. Certa vez encontramos uma rês morta e em volta enorme bando de urubus, pousados sobre as árvores próximas; como o lugar era desabitado, causou­-nos estranheza o fato de o cadáver não ser atacado, apesar de observarmos que alguns urubus passeavam sobre o corpo do animal sem procurarem alimentar­-se; um camarada advertiu­-nos que isto se passava por estar próximo algum urubu­-rei, e, na verdade, logo depois verificamos a presença de cinco destas aves pousadas na árvore mais elevada das cercanias e que impediam o ataque da rês por parte dos outros urubus”.

O Gypagus papa come, aristocraticamente, isolado dos comparsas subalternos. Depois de farto e ausente é que a urubuzada humilde toma chegada para o ágape.

Não sei se justa a aplicação, mas certa fora a imagem su­gerida. Jamais o chefe do serviço imaginaria haver provocado a comparação...