A UM CONTEMPORÂNEO

 

I — o sábio sorriso

 

Alceu e Tristão: o nome

e o pseudônimo ensinam

uma unidade de alma

na unidade do amor.

 

Pois é o amor unidade

multiplicada, e a vida

quando se recolhe aos livros

é para voltar mais vida.

 

Em 50 anos de letras

uma flor desenha as pétalas

de amoroso convívio:

o homem livre e ligado.

 

Livre e ligado a seu próximo

na larga avenida humana

em que beleza e justiça

fazem da espera esperança.

 

Tristão e Alceu: a mesma

fiel cristalinidade:

uma criança sorrindo

no sábio à sombra de Deus.

 

 

II — alceu na safira dos oitent’anos

 

 

E chega o momento de olhar para o amigo

devagar, bem nos olhos

e sorrir para ele, sem dizer

nenhum desses vanilóquios de todo dia.

Dizemos alguma coisa para a fonte?

Alguma coisa para o ar?

Chega o momento de sentir

o amigo em estado de natureza,

e toda a limpidez

e toda a transparência

da alma se projeta

no que parece um vulto e é uma essência.

 

Alceu da Casa Azul do Cosme Velho,

onde ricocheteavam as “balas de Floriano”

na Revolta da Armada

sem que a paz do jardim se anuviasse.

Alceu menino penetrando

a mina profunda e sinuosa do morro

como depois penetraria as almas

ansiosas de verdade,

essa alguma verdade pelo menos

que nossos dedos tentam alcançar

entre liquens, lagartos, seixos-navalha.

“Sou um terrível

(guardo tua palavra de há 40 anos)

pesquisador de almas.

Amo as almas como o avarento

ama suas moedas.

Ainda não cheguei à caridade

de amá-las por amor, só por amor,

amo-as por avidez do mistério,

insatisfação do que já sei,

do que já vi e desfolhei.”

 

A mina desemboca

no ponto matinal

em que a luz espadana

sobre a frente e o dorso da vida.

Alceu, chegaste às cores da manhã

no alto do Corcovado

sobre a cidade dos homens confusos,

sobre as suas rixas e descaminhos,

suas angústias disfarçadas em dança e tóxico,

suas esperanças machucadas,

suas frustrações latejantes na mudez,

a cidade geral — o mundo é uma cidade,

uma aldeia global, a casa em crise.

 

Na claridade que te envolve

és cada vez menos uma pessoa,

estátua bordada, professor

supostamente aposentado,

com CPF, cartão do IFP,

domiciliado entre palmeiras.

És cada vez, cada vez mais

o pensamento aberto

à comunicação dos seres pelo amor

que exclui injustiça e as formas todas

de inumano tornar o ser humano.

 

Alceu, fiel ao nome

do cantor de Mitilene que à alegria

juntava o amor à liberdade,

e ensinas a maravilhosa devoção

do homem a seu destino criador,

sem as peias do medo e as farpas do ódio.

Alceu, amigo de fitar nos olhos

como se fita na árvore antiga

o primeiro verdor de sombra e sumo.

 

 

Alceu jovial e forte

— força de testemunhar, e proclamar

o que filtrado foi na consciência,

Alceu fraterno e puro, na safira

dos oitent’anos,

na graça

da vida plena,

que é doação e luta e paz no coração.