A AFONSO ARINOS, SETENTÃO

Afonso, que brincadeira!

Ontem, no Colégio Arnaldo,

garotinho irresponsável;

hoje, em teus setenta anos,

verbete de enciclopédia…

 

E que bonito verbete,

que página além da página,

esse teu sulco profundo

na história silenciosa

de nossa gente (a outra história,

feita de noites-vigília

no escritório-oficina

de soluções e de rumos

para o instante desvairado).

 

Renitente praticante

de ofícios entrelaçados:

o de servidor de ideias

e o de servidor do povo,

o povo que, desconfio,

mal pode saber ainda

o que por ele tu fazes

armado só de palavra,

entre leis estraçalhadas,

esperanças malogradas

e sinais de mundo novo

rogando decifração.

 

Afonso, o da claridade

de pensamento, o de espírito

preocupado em riscar

passarelas de convívio

por entre irmãos divididos

e malquerenças rochosas

no território confuso:

Afonso, que bela vida

a vida nem sempre aberta

às sonatas da vitória!

 

Ser derrotado quem sabe

se é raiz amargosa

de triunfo intemporal?

O tempo, esse boiadeiro

de botas lentas e longas,

vai pisando na estrumeira

do curral, vai caminhando,

vai dando voltas na estrada,

alheio a cupins e onças,

pulando cercas de farpa,

vadeando rios espessos

até chegar ao planalto,

ao maralto, ao alto-lá

onde tudo se ilumina

ao julgamento da História.

 

Afonso, meu combatente

do direito e da justiça,

nosso exato professor

do direito mais precário

(o tal constitucional),

Afonso, galantuomo

que tens duas namoradas:

Anáh, de sempre, e essa outra

exigentíssima dama

que chamamos Liberdade,

Afonso, que vi xingado

de fascista e de outros nomes

que só a burrice inventa,

quando por sinal voltavas

de torva delegacia

aonde foste interceder

em momentos noturnais

pelos que iam xingar-te…

 

Mas o pico de viver

está justamente nisto

que bem soubeste ensinar-nos

combinar ternura e humour,

amenidade, puerícia

nos intervalos de luta.

E não disseste que doido

no fundo é todo mineiro

sob a neutra vestimenta

da mais sensata aparência?

Não disse Ribeiro Couto,

em breve arrufo amical,

que ouviu do Dr. Afrânio:

“Esse menino é maluco”?

 

Maluco, salve, o maluco,

o poeta mariliano,

o mirone de Ouro Preto,

cantor da barra do dia,

revelador do passado

em sua íntima verdade,

renovador de caminhos

de nossas letras e artes,

derrubador de odiosas

linhas de cor e prejuízo

(irmãos de pele diversa

já podem sentar-se à mesa

nacional, a teu chamado),

criador de nova atitude

do País perante os grandes,

humano e humanista Afonso,

salve, maluco!, te amamos.