—Merda.
O Kenji fecha os olhos com força como se não acreditasse no que acontecia.
— Merda merda merda. — Ajeita o Warner sobre os ombros, hesitando entre ser sensível e ser um soldado. Diz: — Adam, meu. Desculpa, mas temos mesmo de sair daqui…
O Adam ergue-se, pestanejando para suprimir o que imagino serem mil pensamentos, memórias, preocupações, hipóteses e chamo-o, mas é como se não me ouvisse. Está confuso, desorientado e penso em como aquele homem pode ser o seu pai quando o Adam me tinha dito que o pai estava morto.
Não é o momento para aquelas conversas.
Algo explode à distância e o impacto faz tremer o chão, as janelas, as portas, e o Adam parece ser puxado de volta à realidade. Salta para a frente, segura-me o braço e corremos pela porta fora.
O Kenji vai à frente, conseguindo correr apesar do peso morto do corpo do Warner sobre o ombro. E grita-nos que não fiquemos para trás. Viro-me, analisando o caos à nossa volta. O som de tiros está demasiado perto demasiado perto.
— Onde estão o Ian e o Emory? — pergunto ao Adam. — Tiraste-os de lá?
— Dois dos nossos tipos lutavam não muito longe daqui e conseguiram desviar um dos tanques… Pedi-lhes que os levassem de volta para o Ponto — diz-me, gritando para conseguir ouvi-lo. — Era a forma de transporte mais segura possível.
Aceno com a cabeça, tentando respirar enquanto voamos pelas ruas, e tento focar-me nos sons à nossa volta, tentando perceber quem ganha, tentando perceber se os nossos foram dizimados. Dobramos a esquina.
Esperar-se-ia que fosse um massacre.
50 dos nossos lutam contra 500 soldados do Anderson, que disparam tiro atrás de tiro, alvejando tudo o que pudesse ser um alvo. O Castle e os outros resistem, ensanguentados e feridos, mas lutando até ao limite das suas forças. Os nossos homens e mulheres estão armados e avançam rapidamente para enfrentar os tiros da oposição. Outros lutam da única forma que sabem: um homem tem as mãos no chão, congelando a terra que os soldados pisam, desequilibrando-os. Outro homem corre entre os soldados com tal velocidade que se torna um borrão indistinto, confundindo os homens, atirando-os ao chão e roubando-lhes as armas. Olho para cima e vejo uma mulher escondida numa árvore, arremessando o que serão facas ou flechas com tamanha rapidez que os soldados não têm um momento para reagir antes de serem atingidos do alto.
E vejo o Castle no centro de tudo aquilo, com as mãos erguidas sobre a cabeça, criando um tornado de partículas, entulho, fragmentos de metal espalhados e ramos partidos, usando apenas movimentos dos dedos. Os outros formam uma muralha humana à volta dele, protegendo-o enquanto cria um ciclone de tamanha magnitude que nem eu consigo ver se precisa de se esforçar para continuar a controlá-lo.
Depois
termina.
Os soldados gritam, berram, correm para trás e baixam-se à procura de cobertura, mas a maioria é lenta demais para escapar ao alcance de tamanha destruição e tombam, empalados por estilhaços de vidro e pedra e madeira e metal partido, mas sei que aquela defesa não poderá durar muito tempo.
Alguém terá de dizer ao Castle.
Alguém terá de lhe dizer que vá, que saia dali, que o Anderson tombou e que temos 2 dos nossos reféns e o Warner. Tem de fazer os nossos homens e mulheres regressarem ao Ponto Ómega antes que os soldados recuperem a inteligência e alguém atire uma bomba suficientemente grande para destruir tudo. Os nossos não conseguirão resistir durante muito mais tempo e é a oportunidade perfeita para alcançarem terreno seguro.
Digo ao Adam e ao Kenji o que penso.
— Mas como? — grita o Kenji sobre o caos. — Como podemos chegar até ele? Se corrermos para lá, estamos mortos! Precisamos de uma distração qualquer…
— O quê? — grito.
— Uma distração! — grita ele. — Precisamos de alguma coisa para distrair os soldados durante tempo suficiente para que um de nós diga ao Castle que está tudo bem… Não temos muito tempo…
O Adam tenta já segurar-me, tenta já impedir-me, suplica-me que não faça o que acha que farei e digo-lhe que não faz mal. Digo-lhe que vou ficar bem, mas estende-me as mãos, implora com os olhos e sinto-me tão tentada a ficar ali, ao lado dele, mas afasto-me. Percebo finalmente o que preciso de fazer. Estou finalmente pronta para ajudar. Estou finalmente mais ou menos segura de que, daquela vez, talvez consiga controlar aquilo e preciso de tentar.
Cambaleio para trás.
Fecho os olhos.
Liberto-me.
Caio de joelhos e pressiono a mão contra o solo e sinto o poder atravessando-me, sinto-o engrossar-me o sangue e misturar-se com a raiva, a paixão, o fogo dentro de mim e penso em todas as ocasiões em que os meus pais me chamaram de monstro, um erro terrível e assustador, e penso em todas as noite em que adormeci a chorar e vejo todas as caras que me queriam morta e é como uma projeção de diapositivos acelerada na minha mente, imagens de homens, mulheres e crianças, manifestantes inocentes abatidos nas ruas. Vejo armas e bombas, fogo e devastação, tanto sofrimento sofrimento sofrimento e preparo-me. Flito o pulso. Recuo o braço
e
d e s p e d a ç o
o que resta deste mundo.