ALZIRA ALVES DE ABREU
FERNANDO LATTMAN-WELTMAN
A crise política iniciada, ou agravada, com o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, que resultou na morte do major Rubens Vaz, em 5 de agosto de 1954, na rua Toneleros, em Copacabana, no Rio de Janeiro, e cujo desfecho, ao menos aparentemente, teve lugar no dia 24 daquele mesmo mês, com o suicídio do presidente Getúlio Vargas, mantém-se em nosso imaginário como um dos mais dramáticos e significativos momentos da vida política contemporânea do país
Isso se explica não apenas pela carga emocional e pelo sentido trágico que os acontecimentos comportam, envolvendo as próprias vidas dos principais personagens, protagonistas que eram da vida pública e que continuam sendo de nossa história, mas também pelo caráter paradigmático da crise política propriamente dita, na qual se opunham, cada vez mais radicalmente, de um lado, um presidente eleito e empossado com ampla adesão popular, senhor de grandes recursos clientelísticos e de um relativamente poderoso dispositivo parlamentar, e, de outro, uma oposição ferrenha, herdeira de pesadas e ressentidas derrotas políticas, em torno da qual alinhavam-se poderosos setores da sociedade civil e, cada vez mais, as forças armadas, perigosamente cindidas pelas clivagens ideológicas da época. Tudo isso em meio a um cenário de grande polarização das relações internacionais, com o desenrolar da chamada Guerra Fria.
É, portanto, a própria dimensão do impasse político, que ameaçava toda a ordem institucional, o que faz da crise de agosto de 1954 um marco para a compreensão tanto das mudanças qualitativas que ocorreram desde então na vida pública brasileira quanto dos dilemas estruturais que puderam seguir obstaculizando o desenvolvimento político e institucional do país.
Um dos atores mais diretamente envolvidos tanto conjunturalmente, no desenrolar da crise de 1954, quanto estruturalmente, nos grandes processos de transformação política e sociocultural da sociedade brasileira, e que, curiosamente, de modo geral segue negligenciado pela pesquisa histórica é a imprensa. No entanto, hoje, talvez mais do que em qualquer outro momento de nossa história, o papel político da imprensa na cobertura e na própria condução das principais crises políticas se apresenta com clareza cada vez maior. Como tivemos a oportunidade de presenciar no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, um processo em vários aspectos semelhante ao vivenciado por Getúlio em 1954 — e em outros absolutamente distinto —, a imprensa teve uma atuação decisiva na conformação do consenso mínimo necessário ao encaminhamento da crise de 1992 dentro dos marcos constitucionais. Do mesmo modo, acreditamos, teve ela um papel marcante no desenrolar da crise de agosto de 1954, em que pesem as grandes diferenças estruturais e conjunturais que marcaram a atuação da mídia à época e em anos recentes.
São as características distintivas dessa intermediação política e ideológica da imprensa, e suas implicações para o desenrolar do processo, o que buscaremos investigar aqui. Este texto está centrado na análise de um acontecimento político, o suicídio de Getúlio Vargas. E para analisar esse acontecimento, tomamos como fonte a imprensa do período. Estas duas proposições são sem dúvida um desafio para o pesquisador, pois envolvem problemas de definição, de método e de crítica das fontes de pesquisa.
Primeiro, trabalhar com o acontecimento-suicídio nos coloca diante de algumas questões, como a de explicar que a morte, nesse caso, não foi senão um elemento de um conjunto maior, de uma conjuntura política de crise que se iniciou com a posse de Vargas em 1951, mas que estava referenciada principalmente ao período do Estado Novo, e cujo desfecho em 1954 teve desdobramentos que iriam atravessar todo o final da década de 50 e chegar até 1964.
Esse acontecimento, carregado de emoções, não foi banal nem secundário na história política brasileira. Por outro lado, não significou uma ruptura institucional ou política, mas preservou exatamente a ordem constitucional e fortaleceu as instituições. Não pode ser considerado um “acontecimento criador”, o que Le Roy Ladurie chama de événement matrice, ou seja, o acontecimento que destrói as estruturas tradicionais e as substitui por novas.1 Mas permite colocar em evidência aspectos do sistema e da cultura política que se encontravam até então dispersos e camuflados, personalizados na figura de Vargas.
Não vamos aqui retomar o debate que se tem travado, nas últimas décadas, em torno da chamada história événementielle, a história narrativa dos eventos. Interessa-nos, entretanto, recuperar uma explicação para o retorno do acontecimento nos estudos contemporâneos. Pierre Nora atribui a revalorização do acontecimento à importância que adquiriu a mídia na nossa sociedade. Ele afirma que:
“Imprensa, rádio, imagens não agem apenas como meios dos quais os acontecimentos seriam relativamente independentes, mas como a condição de sua própria existência. A publicidade dá forma à própria produção dos acontecimentos. Para que haja acontecimento é necessário que ele seja conhecido. É por isso que as afinidades entre um tipo de acontecimento e um meio de comunicação são muitas vezes tão intensas que eles nos parecem inseparáveis”.2
Os jornalistas são os primeiros a apresentar o acontecimento. Neste século, em que as tecnologias da comunicação alteraram profundamente os modos de percepção do real, o acontecimento mudou de dimensão. Ele é sem dúvida um ponto de referência central para os indivíduos, os grupos sociais e as nações. Em função disso, o historiador não pode deixar de se interessar por ele, e deve, ao contrário, dar-lhe um lugar especial, trabalhando-o, reescrevendo-o e reelaborando-o.3
Ao escolhermos a imprensa como fonte e como objeto de nosso estudo da crise que levou ao suicídio de Vargas, devemos lembrar que embora história e jornalismo estejam muito próximos na elaboração da história imediata, a ponto de muitos jornalistas se improvisarem de historiadores, e muitos historiadores praticarem o jornalismo, não podem ser de modo algum confundidos. A construção do acontecimento histórico implica a delimitação do objeto, a intervenção de uma mediação teórica e técnica, enquanto o jornalismo trabalha com a pressa, manipula poucos fatos, reduzidas fontes e raramente faz recortes em seu objeto.4 O jornalista trabalha com dados brutos, utiliza fontes sem poder tratá-las ou criticá-las. É ao mesmo tempo participante, produtor e divulgador do acontecimento, e como tal não tem conhecimento da conclusão ou epílogo do evento. Essa é, como mostra Lacouture, mais uma das especificidades do jornalismo e uma das diferenças em relação ao historiador.
Com essas questões em pauta é que nos propomos aqui analisar a imprensa na crise de agosto de 1954, problematizando esse acontecimento e ao mesmo tempo descrevendo-o.
Para entender o papel desempenhado pela imprensa na crise de agosto de 1954, selecionamos alguns jornais diários, matutinos e vespertinos que tinham grande circulação. Limitamos a leitura dos jornais ao período compreendido entre 24 de julho e 31 de agosto, que cobre a trama imediata que levou ao suicídio e nos permite perceber o encaminhamento da solução da crise. Devemos lembrar ainda que o rádio tinha nesse período papel importante na divulgação dos acontecimentos, mas não foi por nós examinado.
Para o Rio de Janeiro consultamos os jornais Correio da Manhã, Diário de Notícias, Diário Carioca, O Globo, O Jornal, e para São Paulo, O Estado de S. Paulo e a Folha da Manhã.5 Todos tiveram vida longa, atravessaram o período de formação ou estruturação do Estado brasileiro e acompanharam a formação do parque industrial, da classe operária e das instituições que hoje dão suporte à nação. Assim temos jornais criados antes da proclamação da República, como O Estado de S. Paulo, de 1875, e imediatamente após a sua implantação, como o Correio da Manhã, de 1901. Em 1919 foi criado o O Jornal. Na década de 20 surgiram a Folha da Manhã e O Globo, em 1925; o Diário Carioca, em 1928; e o Diário de Notícias, em 1930. Quase todos esses jornais apoiaram a Aliança Liberal e a Revolução de 1930, embora nem todos com o mesmo entusiasmo e engajamento. Em São Paulo, a Folha da Manhã não apoiou a Revolução.
As dificuldades do governo revolucionário com a imprensa tiveram início logo após a instalação do governo provisório, isso porque, dentre as expectativas criadas com a vitória da Revolução, figurava a de liberdade de imprensa. Entretanto, instalado o regime revolucionário, com todos os poderes nas mãos de Vargas, após um rápido período de liberdade, a imprensa continuou sob censura. Em fevereiro de 1932 ocorreu o empastelamento do Diário Carioca, jornal que apoiara com entusiasmo os revolucionários de 1930, mas que se mostrou desiludido logo nos primeiros meses de atuação do governo, passando a atacar violentamente os tenentes e a defender a constitucionalização do país. A destruição do jornal por parte dos tenentes, comandados pelo filho de Pedro Ernesto, prefeito do então Distrito Federal, desencadeou uma crise entre os revolucionários. Maurício Cardoso, então ministro da Justiça, que conseguira o fim da censura, exigiu a apuração das responsabilidades, mas Vargas mostrou-se reticente e, apoiado pelos tenentes, preconizou a volta da censura. Nesse momento o ministro da Justiça, juntamente com outros políticos gaúchos, afastou-se do governo.
A esmagadora maioria da imprensa nesse período, principalmente da capital da República, era contrária ao governo Vargas. Para romper esse obstáculo, Vargas e os tenentes, através de João Alberto Lins de Barros, contribuíram com recursos financeiros para a criação de alguns jornais, entre eles O Radical, fundado em junho de 1932. Mas foi durante o Estado Novo que Vargas aprofundou sua incompatibilidade com a imprensa e criou uma imagem negativa junto aos intelectuais e jornalistas na medida em que a Constituição de 1937 aboliu a liberdade de expressão do pensamento. Todos os meios de comunicação e de expressão, como o teatro, o cinema, o rádio ou os jornais, foram submetidos a censura prévia, e não só isso: foi atribuído à imprensa o exercício de uma função de caráter público, o que obrigava todos os jornais a publicar comunicados do governo. O não cumprimento dessa exigência levava à prisão o diretor do jornal. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) ficou encarregado de executar essas medidas e outras impostas logo a seguir, como a que exigia o registro dos jornais e dos jornalistas no próprio DIP. Se esse foi o primeiro passo no sentido de permitir ao governo eliminar vários jornais, em 1940 o cerco se fechou com o decreto que exigia o registro anual no DIP para a importação de papel de imprensa. Nesse período dezenas de jornais deixaram de circular e centenas não conseguiram registro. Um dos jornais mais atingidos foi O Estado de S. Paulo, mantido fechado ou sob intervenção enquanto seu proprietário, Julio de Mesquita Filho, partia para o exílio.6
É portanto compreensível que a derrubada do regime de 1937 tenha-se iniciado via imprensa, com a publicação da entrevista de José Américo de Almeida propondo eleições presidenciais sem a participação de Getúlio Vargas, e que a crise que eclodiu em agosto de 1954 tenha começado a ser tecida a partir de 3 de outubro de 1950, quando Vargas foi eleito, e mais precisamente em 31 de janeiro de 1951, quando assumiu a Presidência da República. Os principais órgãos de comunicação do país, principalmente do eixo Rio-São Paulo, se colocaram contra a candidatura e depois contra o governo Vargas. Todos os jornais analisados apoiaram, em 1945, a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, pela UDN, o mesmo ocorrendo nas eleições de 1950, com exceção do Diário Carioca, que nestas últimas apoiou Cristiano Machado.
Em 1950, os órgãos da imprensa escrita e falada de maior penetração no país não deram cobertura jornalística à campanha de Getúlio à Presidência da República, obrigando-o a utilizar caminhões equipados com alto-falantes e volantes impressos para divulgar seu programa de governo. Essa campanha durou 53 dias, com Vargas percorrendo todos os estados da Federação, muitas cidades do interior e todas as capitais.
Ao mesmo tempo em que apoiava a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, a imprensa atacava violentamente as propostas políticas, econômicas e sociais do candidato Vargas. O que é interessante observar é que embora tentasse demolir a imagem de Getúlio construída pelo DIP durante o Estado Novo, quando esse departamento foi utilizado como instrumento para difundir a ideologia estadonovista e promover pessoal e politicamente a figura de Vargas como o grande estadista, o pai dos pobres etc., a imprensa não logrou esse objetivo, e portanto não influenciou o resultado eleitoral. Durante todo o segundo governo Vargas, praticamente todos os jornais de maior circulação iriam perseguir esse objetivo de minar as bases do getulismo, mas sem êxito.
Embora a crise tenha-se instalado na vida política brasileira no momento mesmo da posse de Getúlio Vargas como presidente eleito da República, realizada em meio a séria polêmica sobre a questão da maioria absoluta e da legitimidade ou não da posse,7 o cerco de grande parte da imprensa contra o segundo governo Vargas ganhou aspectos particularmente interessantes com o advento do chamado “caso Última Hora”. Se anteriormente a oposição ao presidente nutria-se basicamente de ressentimentos adquiridos ao longo do exercício do poder por Vargas a partir de 1930 e, em certos casos, mais especificamente durante o Estado Novo,8 o lançamento e o grande sucesso editorial e jornalístico da Última Hora deu ao conflito novos tons e desdobramentos.
Com efeito, ao incentivar e favorecer a criação do inovador jornal de Samuel Wainer, Vargas interviera diretamente no mercado, ou campo jornalístico, não apenas privilegiando a ação de um jornalista particularmente bem-dotado, como subvertendo as regras de acesso ao fechado clube dos proprietários de jornal, dos fazedores de notícia.9
Ao dar a Wainer as condições para desequilibrar inteiramente o jogo de forças do mercado jornalístico, o presidente fornecera também aos seus adversários um alvo através do qual poderiam (e tentariam) atingi-lo. Se, com a Última Hora, Vargas pretendia romper o cerco de grande parte da imprensa contra seu governo e estabelecer um novo canal de comunicação, ou propaganda, com as massas, os demais jornais perceberam em toda a sua dimensão a dupla ameaça que a intervenção significava. Com a criação do “seu” jornal, o “ex-ditador” os atingia tanto como veículos quanto como opositores. A resposta da grande imprensa foi fulminante. Assim que pôde assenhorear-se de suas evidências, assestou todas as suas baterias contra o incômodo concorrente no intuito de aniquilá-lo e, através dele, atingir o governo.10
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada com o objetivo de comprovar o favorecimento ilícito prestado pelo governo à Última Hora,11 no entanto, não logrou os seus intentos e não conseguiu comprometer diretamente o presidente. Às frustrações e rancores trazidos aos adversários de Vargas pelo getulismo o resultado final da CPI acrescentou o sentimento de que uma espécie de manto de impunidade acobertava os aliados do Catete.
A pressão da oposição sobre o presidente aproximava-se do ponto máximo, com toda e qualquer espécie de indício ou argumento sendo manipulada sistematicamente para corroer a credibilidade do governo e aglutinar a oposição contra ele. Embora os principais jornais continuassem seguindo suas diretrizes editoriais de costume, privilegiando, por exemplo, o noticiário internacional ou econômico, e dando destaque, muitas vezes, a assuntos muito distantes do cotidiano nacional,12 quase toda notícia sobre a vida política, administrativa e econômica do país era utilizada contra o governo. Foi, portanto, justamente nesse clima de confrontação e de provocações múltiplas que se gestou o atentado a Carlos Lacerda, principal porta-voz da ofensiva antigetulista.13
A partir daí a mobilização dos recursos editoriais e ideológicos por parte dos principais jornais oposicionistas foi praticamente completa e definitiva. Todos os desdobramentos do incidente foram explorados por eles, desde o primeiro instante, no intuito de estabelecer a responsabilidade mais ou menos direta do presidente no episódio e assim forçar sua renúncia ou deposição.
Através da observação dos jornais, é possível estabelecer os parâmetros pelos quais estes se diferenciavam no tratamento da crise e do governo, e agrupar os veículos de acordo com seu posicionamento.
A posição mais extremada era evidentemente representada desde muito antes do atentado pelo jornal Tribuna da Imprensa, dirigido pelo próprio Carlos Lacerda. Não nos deteremos aqui em sua análise, porque, além de representar um posicionamento já predeterminado no processo em questão, a Tribuna era um jornal de pequena circulação relativa, dirigido basicamente a um público cujo consumo jornalístico já era indicativo de seu posicionamento no espectro político da época. A rigor, a Tribuna tinha sua razão de ser ancorada simplesmente no fato de ser o jornal de Lacerda, sem vida própria, independente do uso político que seu diretor fazia dele.14
Do mesmo modo, não nos deteremos muito na análise do jornal Última Hora, por motivos análogos ao caso anterior. Embora a Última Hora tivesse tiragem muito superior à da Tribuna,15 e seja até hoje lembrada por muitos outros de seus aspectos especificamente jornalísticos, independentemente de sua origem e razão de ser políticas, não há dúvida de que o jornal de Wainer representava o outro ponto extremo do espectro político/jornalístico da cobertura da crise, com seu apoio incondicional à figura de Vargas.
Nosso maior interesse reside justamente no comportamento dos demais jornais cuja origem é anterior cronológica e ideologicamente ao conflito, cuja repercussão na sociedade, e em particular nas elites, era muito grande, e que, por não serem tão direta e necessariamente comprometidos com os protagonistas (ou antagonistas) do confronto, poderiam espelhar mais adequadamente, com seu noticiário, não só os seus posicionamentos particulares mas também os dos grupos e setores que intermediavam. Ou seja: aqueles jornais que, mesmo nutrindo especial rancor a Vargas, e/ou simpatias udenistas, não tinham sua razão de ser comprometida com nenhum projeto político particular, com nenhuma liderança em particular.16 Os jornais que, em suma, por sua própria história e razão de ser, melhor espelhavam e, por isso, intermediavam o(s) discurso(s) das elites.17
A análise do comportamento desses jornais nos permite estabelecer uma série de distinções. Mesmo adotando um discurso que sempre defendia os preceitos formais do regime democrático e a busca de soluções dentro da lei, e, portanto, nunca aderindo a um golpismo declarado, não há dúvida de que jornais como o Diário Carioca, o Diário de Notícias, O Estado de S. Paulo e o Correio da Manhã exerceram dura oposição ao governo de Vargas, antes e depois do atentado. Já o mesmo não se pode dizer de O Globo, O Jornal e Folha da Manhã, por exemplo, que procuraram pautar-se por um comportamento menos emotivo, segundo os padrões contemporâneos de jornalismo.
Para obter uma visão mais sistemática, ao mesmo tempo do comportamento dos jornais como um todo e de suas importantes variações individuais, elaboramos um modelo de análise da evolução da cobertura jornalística da crise que reduz a diversidade temática e discursiva da amostra às suas formas de inserção num fio condutor ou narrativa básica. Ou seja: assim como um enredo teatral ou folhetinesco, a crise deflagrada pelo atentado é construída coletivamente pelos jornais, e através deles, num jogo interativo, sob uma forma narrativa que incorpora as ações, as motivações e as dimensões morais de protagonistas e coadjuvantes, um conjunto coerente que obviamente aponta desde o início para um desenlace, ou para uma conclusão moral, e que pode ser dividido em diversas fases.
A cobertura jornalística da crise pode então ser dividida, grosso modo, nas seguintes etapas:
– A primeira etapa corresponde à fase de apresentação do incidente (o atentado), da construção do seu significado de grave crise política e moral e, em alguns casos, de proposição da tese de que o presidente é o principal responsável, mesmo que indireto, pelo crime. Inicia-se, obviamente, com a divulgação da notícia do atentado e prossegue pelos dois ou três dias imediatamente posteriores.
– A segunda etapa, que se desdobra sem rupturas a partir da primeira, consiste, basicamente, nos movimentos de (re)produção da indignação coletiva, ou de coletivização da indignação moral, e de comprovação da tese do comprometimento do presidente. Seria a fase da acusação.
– A terceira etapa é a da articulação em torno da renúncia. Uma vez comprovada a tese inicial, da responsabilidade do presidente, conclui-se por sua total incapacidade moral para continuar em exercício e apela-se para a solução menos traumática da crise. Corresponde também ao momento em que mesmo os jornais mais moderados se convencem da inviabilidade política da continuação do governo de Vargas. Esta fase poderia ser chamada de etapa do apelo à renúncia.
– A quarta e última etapa do processo é a da articulação da imposição da renúncia ou deposição. Corresponde ao esgotamento da proposta anterior e se consubstancia na denúncia de que à incapacidade moral do presidente segue-se a decomposição de sua autoridade política e administrativa. O presidente, na verdade, não mais governaria e com sua resistência acabaria por arrastar o país ao caos e à anarquia.
A rigor, mais do que a uma descrição linear unívoca, a sequência de etapas típico-ideais descritas corresponde, ao mesmo tempo, a uma espécie de “média comportamental”, feita a partir dos comportamentos particulares de cada jornal, e a um modelo capaz de “medir” o grau de radicalização dos diferentes veículos. Desse modo, um jornal mais radical evoluiria mais dramaticamente dentro do modelo, de uma etapa a outra, enquanto que a imprensa mais moderada apresentaria uma evolução mais lenta.
Assim, tudo começa em 5 de agosto (quinta-feira): o atentado é praticado no início da madrugada. Às 3h30min o motorista Nélson Raimundo de Sousa, que havia transportado o assassino em sua fuga, apresenta-se à polícia. Os jornais do dia dão as primeiras informações sobre o crime e abrem os primeiros editoriais a respeito. Alguns matutinos, em processo de fechamento de suas edições, são pegos de surpresa pelo incidente e não podem abrir grandes espaços para o assunto. Outros, no entanto, já abordam o acontecimento em seus editoriais. Para os vespertinos há tempo de sobra e sua cobertura é mais substantiva.
No dia seguinte, 6 de agosto (sexta-feira), oficiais da Aeronáutica reúnem-se em seu clube e emitem comunicado exigindo a apuração completa do crime. A cobertura jornalística, beneficiada pelo espaço de 24 horas, ganha contornos mais dramáticos e eloquentes em todos os jornais. O próprio modo de adjetivação do atentado é sintomático tanto da elevação da temperatura emocional quanto do início da elaboração narrativa do processo. E já começam também, principalmente do lado da oposição mais radical, as críticas e desconfianças com relação ao trabalho da Polícia Civil e a atribuição da responsabilidade pelo crime, ao menos indireta, ao presidente.
De acordo com nosso modelo, os jornais Diário de Notícias, Diário Carioca, O Estado de S. Paulo e Correio da Manhã se posicionam, entre os jornais da amostra, no polo mais radical de contestação a Vargas. Após a apresentação (fase 1) da “trama” que instala a crise — o atentado — no próprio dia 5 de agosto, esses jornais logo em seguida, nos dias 6 e 7, já entram na fase 2, a de acusação e imputação ao presidente da República da responsabilidade pelo crime (tabela 1). E já no início da semana seguinte, na terça-feira,18 10 de agosto, pode-se dizer que eles se colocam em nova fase, a de apelo à renúncia, prenunciando inclusive o termo final do modelo, a fase 4, de imposição da renúncia (que, para quase todos esses jornais, se iniciará de forma incontestável dentro de poucos dias).
Tabela 1
Evolução dos jornais de acordo com fases da crise
Isso equivale a dizer que, na verdade, os desdobramentos da crise, tal como expostos no modelo, já se encontram pressupostos e sintetizados no discurso e, portanto, no posicionamento desses jornais, desde o primeiro momento da crise (ou mesmo antes). De acordo com eles, Vargas já era culpado pelo atentado muito antes que qualquer evidência contra os membros de sua guarda pessoal fosse levantada. Tal como se apressaram a argumentar os deputados de oposição, com a adesão editorial de tais jornais, o presidente seria responsável ao menos pelo clima de impunidade e insegurança que se teria gestado no país, permitindo a realização do atentado.19
À rapidez com que esses veículos passam à fase de acusação, sucede-se sem dificuldade a adoção unânime e simultânea da tese da renúncia, que, tal como é exposta, já sugere a necessidade de sua imposição. Assim, na terça, 10 de agosto, o Diário de Noticias já fala em “afastamento do Sr. Vargas” e em “presidente que não mais o é”, enquanto que o Diário Carioca pede que “deixe Vargas a Presidência”, pois que está “vago o Governo”. Do mesmo modo, no mesmo dia, o Correio da Manhã fala em “renúncia” e O Estado de S. Paulo o corrobora, chamando a atenção para a “posição insustentável” de Getúlio (ver tabela 2 no final deste capítulo). Como se pode perceber, entre o atentado e a “conclusão” a que chegam estes jornais não chegam a se passar sete dias. E a crise perduraria — chegando perto, contudo, do desenlace já aqui proposto — ainda por duas semanas (o que, pelo menos, em termos jornalísticos, é bastante tempo).
Desse modo, se levássemos em consideração apenas o comportamento desses jornais, soaria bastante forte a hipótese já por vezes reiterada de que o cerco a Getúlio se deveu, basicamente, a uma campanha sistemática da imprensa da época.20 É preciso, contudo, atentar-se antes para outros atores e detalhes desta intervenção (ou intermediação).
O verdadeiro centro do espectro político21 de então é mais bem representado ao longo da crise por jornais como O Globo, O Jornal e Folha da Manhã. A rigor, esses jornais não chegam a conhecer nem a segunda fase (acusação) nem a quarta (imposição), alcançando inclusive a fase de apelo à renúncia somente às vésperas do desenlace do confronto (nos dias 21 e 24; ver tabela 1). Ou seja, em nenhum momento esses jornais atribuem a Vargas qualquer responsabilidade direta pelo atentado e muito menos advogam uma solução unilateral da parte das forças armadas. O seu apelo mais ou menos tardio pela renúncia parece se fazer em função de uma percepção acerca da insustentabilidade final do governo e dos riscos advindos do impasse para o regime.
Existem, porém, outros índices da atuação estratégica dos diferentes jornais no confronto.
A questão fundamental da manutenção da unidade das forças armadas aparece com destaque nos noticiários e pode nos servir também como um indicador do modo pelo qual os jornais procuraram intermediar o processo de resolução do impasse político. Assim, o destaque maior ou menor dado pelos jornais a palavras de ordem referidas, de um lado, à manutenção da ordem hierárquica e da disciplina, e de outro, à honra das corporações e às exigências da consciência nacional em busca de justiça, atesta o grau com que os veículos apoiam soluções mais ou menos moderadas para a crise.
Do mesmo modo, o destaque e a maior ou menor referência (ou deferência) a um ou outro setor militar também são significativos. Pois, se a Aeronáutica, diretamente atingida no atentado, encarnava, entre as forças armadas, a posição de maior confronto com o governo, recebendo apoio da Marinha, o Exército, que detinha realmente o poder de decidir a questão, mostrava-se dividido. Assim, enquanto os jornais mais radicais exaltavam a FAB e reforçavam a ideia de sua unidade e do apoio que outros setores militares lhe prestavam, os mais moderados tendiam a centrar-se no acompanhamento dos movimentos dentro do Exército.
E sendo assim, a questão da clivagem entre a tropa e o Alto-Comando, e, dentro deste, dos chefes com assento no governo e fora dele, também aparecia através do tratamento jornalístico dos eventos e manifestações militares.
É, portanto, o próprio conflito de ideias e argumentos que se processava entre os grupos e líderes militares que ganha as páginas dos jornais, permitindo, inclusive, que não apenas estes mas também outros interlocutores civis possam participar do debate e da luta pela hegemonia política e militar do processo.22 Não é outro o motivo pelo qual tanto os defensores mais exaltados de uma solução militar rápida quanto os mais moderados se aferram à busca da unidade militar.
Assim, os jornais que em nosso modelo evoluíram de forma mais radical enfatizam sempre a questão da honra e da indignação militares, além de reforçarem o papel da Aeronáutica e do sentimento da tropa no processo.23 Já os mais moderados privilegiam a questão da ordem e da disciplina militares, dando maior ênfase ao Exército e à atuação dos chefes, em particular os ministros militares.24
O acompanhamento pelos jornais dos desdobramentos da crise no interior das forças armadas pode nos ilustrar também acerca do próprio ritmo dos acontecimentos e sugerir novas hipóteses de pesquisa. Embora os dados de que dispomos não nos autorizem uma conclusão mais afirmativa, é lícito supor, a partir da evolução do noticiário sobre a questão militar, que a crise não se desenvolveu necessariamente de forma linear dentro das forças armadas e que a definição final em torno do imperativo da renúncia não pode ser simplesmente creditada ao atentado, sem referência aos desdobramentos do processo mesmo de inquérito e apuração, por um lado, e sem a articulação de um consenso mais ou menos precário quanto à solução político-militar do impasse, por outro (o que volta a chamar a atenção para o papel estratégico da imprensa).
Percebe-se, no que respeita às notícias referentes à questão militar, que estas parecem ganhar maior destaque relativo no noticiário a partir do dia 10 de agosto, terça-feira (não por acaso a data que marca a entrada dos jornais mais radicais na terceira fase, de apelo à renúncia). A partir daí, ao longo dessa semana, que é a imediatamente posterior à do atentado, o assunto ganha cada vez mais destaque e atinge o ápice nas edições de sábado, 14, e domingo, 15.25
Chama a atenção, nesse momento, a disparidade de tratamento dado pelos jornais às conclusões da reunião do Clube Militar, realizada no dia 14. Segundo o Diário de Notícias, em sua edição de 15 de agosto, foi “aclamada no Clube Militar a proposta de renúncia do Sr. Getúlio Vargas”; para o Diário Carioca a conclusão é praticamente a mesma: “Pedida no Clube Militar a renúncia de Vargas”; e, para o Correio da Manhã, na assembleia do Clube Militar foi “sugerida a renúncia”. Já para O Jornal: “Confirma-se no Clube: foi superada a crise militar. Marcha implacável do inquérito”; e segundo a Folha da Manhã: “Absoluto apoio aos altos chefes militares. A hora não é de discursos, mas de inquérito”.
Tudo leva a crer que, sendo intransponível o fosso entre o governo Vargas e certos setores militares, mas ainda hegemônico entre as forças armadas o compromisso com a legalidade e a Constituição,26 a crise militar entra numa espécie de trégua e as atenções de todos voltam-se para os desdobramentos do inquérito policial-militar, em busca de novas evidências que façam pender em definitivo a balança de forças em prol de uma solução de (maior) consenso.
Ao iniciar-se a terceira semana de cobertura jornalística da crise, na terça-feira, dia 17, a questão militar parece ceder espaço no noticiário (principalmente se comparada à semana anterior). Mas ao chegar o final de semana, novamente no sábado, 21, o assunto volta a primeiro plano, ocupa todos os jornais, e a crise parece se precipitar em sua fase terminal.
Seria temerário afirmá-lo com base exclusivamente nos dados que possuímos a respeito dos jornais, mas é bastante plausível, a partir apenas da análise desse material, a hipótese de que o novo elemento a precipitar os acontecimentos é a apreensão pelos investigadores militares, no dia 19, quinta-feira, e a divulgação, em seguida, pela imprensa, do conteúdo dos documentos do arquivo pessoal de Gregório Fortunato, revelando uma série de negociatas escusas nas quais estaria envolvido o chefe da guarda pessoal de Getúlio.27
A descoberta e a divulgação dessa nova fonte de informações sobre o que se passava nos bastidores do governo, com todos os desdobramentos e novas investigações que antecipava, parecem ter selado definitivamente o destino de qualquer solução mais moderada, ou conforme com procedimentos rigidamente constitucionais. É sintomático que a data de 21 de agosto possa servir como marco da passagem à fase de “apelo à renúncia” de um jornal até então moderado como O Globo. E com ele, em seguida, evoluem todas as vozes situadas no centro do quadro político.28
À medida que veem aproximar-se o desenlace da crise com a provável imposição do afastamento de Getúlio da Presidência, alguns jornais passam a manifestar, também, preocupação com os “custos” dessa solução, ou seja, com a reação dos elementos que apoiariam o governo. Começam então a surgir matérias sobre a articulação de greves e outras manobras por parte dos “perigosos aliados” de Vargas: Jango, o PTB e, como não poderia deixar de ser, os comunistas. É o caso, obviamente, do Diário de Notícias e do Diário Carioca (tabela 2, dia 21, sábado).29
O confronto final se desenha como inevitável e todos parecem se preparar para o clímax. Mas ainda será do protagonista a palavra final.
O desfecho da crise, tal como ocorreu, não era previsível, e a imprensa não trabalhou com a possibilidade desse epílogo. O que parece claro, pela leitura dos jornais de maior circulação do país, é que esse acontecimento político foi muito mais importante e surpreendente do que a possibilidade que tinham os jornalistas e donos de jornais, naquele momento, de processar o evento. Todos tinham sedimentado uma imagem de Getúlio Vargas que era basicamente a de um homem que amava o poder, a do caudilho que lutava pelo poder pelo prazer de manipular, de mandar. Mas então, como explicar o suicídio? Diante da perplexidade que tomou conta de todos os jornais, houve a tentativa, por parte de alguns, de minimizar o acontecimento, dando destaque não ao suicídio mas à posse de Café Filho, como se este outro evento significasse um alívio, representasse enfim a solução da crise que estava polarizada na pessoa de Vargas. A posse do vice-presidente garantiria o restabelecimento da ordem e da paz.
Acrescente-se, contudo, à surpresa pelo suicídio uma outra, a da reação popular. Até a véspera o povo parecia aceitar a imagem que a imprensa divulgava, a de um presidente conivente com a corrupção, desprestigiado, odiado. Agora esse mesmo povo chorava a morte de seu líder e desencadeava uma enorme reação contra os seus opositores.
O temor da reação popular, o medo de perder o espaço político conquistado com o afastamento de Vargas, mesmo sob o peso do suicídio, foi muito grande, e praticamente todos os jornais analisados demonstraram essa preocupação. A responsabilidade pelos atos de revolta e protesto, que tomaram conta do país, foi jogada sobre os comunistas “agitadores” e sobre os “pelegos”. As manifestações populares não podiam ser vistas como uma reação espontânea do povo diante do forte impacto causado pelo suicídio de seu líder. Outros jornais reagiram profissionalmente e trataram o acontecimento jornalisticamente, informando a população com grandes manchetes, noticiário abundante, fotografias e textos de análise e explicações em artigos e editoriais.
Mas, para o entendimento da forma como a imprensa escrita noticiou e reagiu ao suicídio, alguns esclarecimentos preliminares são necessários. De acordo com as notícias dos jornais, o suicídio ocorreu entre 8h25min e 8h40min da manhã de terça-feira, dia 24 de agosto de 1954. Os jornais Diário de Notícias, Diário Carioca, Correio da Manhã, O Estado de S. Paulo e Folha da Manhã eram matutinos, logo, já estavam nas ruas e só trataram do acontecimento no dia 25 de agosto. Assim, a população foi informada pelo rádio. Foi o Repórter Esso, da Rádio Nacional, em edição extraordinária, que deu a conhecer a notícia. Daí em diante, as estações de rádio de todo o país passaram a divulgar os detalhes do fato ocorrido e a apresentar a carta-testamento deixada por Vargas. O vespertino Última Hora, do Rio de Janeiro, foi o primeiro a sair com a notícia, em duas edições extras. O Globo e a Tribuna da Imprensa, vespertinos, tiveram dificuldade de circular, pois a população tentou impedir sua distribuição, mas noticiaram com destaque o ocorrido. Analisando a posição de O Globo, durante esse período, parece incompreensível a reação popular desencadeada contra esse jornal, que mantinha uma orientação mais moderada, se comparada à dos outros jornais. Entretanto, a Rádio Globo, pertencente ao mesmo proprietário, mantinha uma posição extremamente radical contra Vargas, expressa através do programa O Parlamento em Ação do radialista Raul Brunini, que dava cobertura às posições de Carlos Lacerda e da UDN. Desse modo, o jornal sofreu represálias por conta das posições de outro veículo de comunicação.
Ao examinarmos a imprensa escrita dos dias 24 e 25 de agosto,30 um aspecto de imediato se destaca, qual seja a diferença entre a forma de noticiar o suicídio pelos jornais populares e pelos jornais voltados para as classes médias e para as elites. Os primeiros, caracterizados por fazerem um jornalismo de denúncias sensacionalistas e por utilizarem uma linguagem popular, trouxeram em suas páginas enormes manchetes e grande número de fotografias mostrando a emoção do povo, pessoas chorando, desmaiadas ou em atitudes de protesto contra os opositores de Vargas. Há pouquíssimo texto, a imagem fotográfica é usada como recurso para transmitir o sentimento da população. Já os jornais voltados para as camadas médias e altas e para a elite, como O Globo, Diário de Notícias, Diário Carioca, Correio da Manhã, O Estado de S. Paulo e Folha da Manhã, foram comedidos nas manchetes e nas fotografias. Estas reproduzem, em geral, cenas de multidão ou de grandes aglomerados, ou então de políticos e familiares do morto. Não há preocupação com o despertar da emotividade. Os textos procuram relatar os acontecimentos que levaram àquele desfecho com análises e opiniões sobre a conjuntura política.
As manchetes, o noticiário dos acontecimentos e os editoriais dos dias 24 e 25 deram ênfases diferenciadas aos temas ligados à crise e ao suicídio. A análise desse material pode nos ajudar a esclarecer alguns aspectos do comportamento da imprensa e dos jornalistas em face da conjuntura.
Pela manhã do dia 24, antes do suicídio, os jornais anunciavam o pedido de licença do presidente. O Correio da Manhã apresentava a situação política de Vargas como insustentável, diante da pressão dos brigadeiros, almirantes e setores do Exército, que se pronunciavam a favor da renúncia. Segundo esse jornal havia temores de uma revolução devido aos entrechoques de opinião entre as altas esferas militares. Informava ainda o Correio da Manhã que fora decretada a censura policial em estações de rádio e a prontidão das guarnições da Vila Militar e de Deodoro, que o Palácio do Catete estava cercado por tropas do Exército, e que os navios de guerra, ancorados na Guanabara, haviam acendido os seus fogos. Na Câmara dos Deputados e no Senado discursos inflamados agitavam o plenário e proclamavam a existência de uma crise de autoridade: Vargas não detinha mais o comando do país.
No O Jornal foram reproduzidas as palavras que Vargas teria pronunciado diante da nota dos oficiais da Aeronáutica exigindo sua renúncia: “Fui eleito chefe do governo por cinco anos e não me deixarei desmoralizar resignando ao cargo que recebi do povo. Não renuncio nem renunciarei. Daqui só saio preso ou morto”.
Se olharmos agora O Estado de S. Paulo, veremos que esse jornal normalmente apresentava na primeira página apenas notícias internacionais. Os acontecimentos nacionais eram encontrados na segunda, terceira e última páginas. Mesmo no dia 24, com o país vivendo uma grande crise política, o jornal não alterou essa disposição das matérias. Assim, as manchetes do dia 24 diziam que “Mendès-France avista-se com Churchill” ou “Realizados em Roma os funerais nacionais de Alcide de Gasperi” e ainda “Chu-teh reúne-se com os chefes militares de Fukien”. Mais significativo da atitude do jornal foram as manchetes e notícias do dia 25 de agosto: “Mendès-France não levantará a questão sobre o tratado original do CED”, “Eisenhower afirma que nem tudo está perdido na Europa”, “Mao Tsé-Tung teria proposto um programa de paz a Attlee”. Na segunda página, O Estado de S. Paulo noticia as repercussões do suicídio do presidente Vargas no exterior. Percebe-se que enquanto jornais da Europa e dos EUA deram a primeira página a esse acontecimento, o jornal paulista manteve seu procedimento habitual, dando-lhe somente a terceira e a última páginas. Essa postura de O Estado de S. Paulo pode ser vista como um exemplo-limite de predominância do facciosismo e do personalismo sobre a importância da informação. Tudo indica que esse jornal não conseguira se desvencilhar dos problemas que enfrentara nas conjunturas dos anos de 1932 e do Estado Novo, continuando a tratar Vargas e sua política dos anos 50 como se o país e o presidente não tivessem sofrido mudanças. O Correio da Manhã também noticiava os acontecimentos internacionais na primeira página, mas nos dias 24 e 25 alterou a disposição de suas notícias.
A leitura de nossos jornais mostra que, em geral, aqueles que faziam oposição mais radical a Vargas não destacaram a notícia do suicídio, e preferiram anunciar em grandes manchetes a posse do vice-presidente Café Filho. Estão nesse caso o Diário de Notícias e o Diário Carioca, embora tenham tratado do evento em submanchetes e no noticiário de primeira página.
O Globo, Correio da Manhã e O Jornal tiveram uma atitude distinta. Deram grandes manchetes e noticiaram amplamente o acontecimento. O Globo, jornal que saiu à tarde do dia 24, trouxe como manchete principal as palavras do cardeal d. Jaime de Barros Câmara: “Deus venha em auxílio de todos nós e de nossa Pátria. Deus é insondável na sua misericórdia”.
A leitura dos editoriais posteriores ao suicídio traz algumas surpresas. No dia 24, a maioria desses jornais enaltecia a atitude do vice-presidente Café Filho, que havia proposto a sua renúncia junto com a do presidente Vargas, o que revelava que “o vice-presidente sabe pôr o Brasil acima de seus interesses individuais”, ao contrário de Getúlio, que não se decidia a renunciar e se agarrava ao poder. Já no dia 25, os jornais de oposição em seus editoriais, diante do epílogo inteiramente imprevisto da crise política e diante da reação popular, tentavam devolver a acusação, demonstrando que a responsabilidade pelo suicídio do presidente não deveria ser atribuída aos militares, aos políticos ou à imprensa, mas sim aos próprios erros de Vargas, aliados aos acontecimentos políticos gerados pelo crime da rua Toneleros, e mais ainda à corrupção que envolvia a sua guarda pessoal. Há todo um temor em relação à repercussão da carta-testamento. O editorial de O Estado de S. Paulo reflete bem esse estado de espírito que dominava a oposição, dizendo que:
“A ninguém podia ocorrer que o Sr. Getúlio Vargas, tão cioso de sua vida, fosse sacrificá-la só por ter sido derrotado num lance dramático. Forçado a deixar o poder, pela imposição de fatos que ele mesmo provocou, não pôde resistir ao novo destino e se despediu da vida num gesto que poderá ter graves consequências para o País”.
Na mesma direção foi o Correio da Manhã, que viu a carta-testamento como um “manifesto sedicioso”, como uma bomba. Esse manifesto, de acordo com o editorial do dia 29 de agosto, era um convite à revolução, à sedição, e estaria pronto para explodir. O documento seria um manifesto de vingança e uma bandeira eleitoral. O mesmo jornal, no dia 31, volta a falar da carta-testamento criticando Vargas por pretender que um “morto” pudesse “governar os vivos”. O presidente teria se despedido do mundo “com palavras de incitamento à continuidade do antagonismo entre classes e divisão entre brasileiros”.
O Globo, que manteve uma atitude moderada durante toda a crise, no dia 27 fala da “enorme soma de serviços prestados à coletividade por Getúlio Vargas”, e mais, que “se é cedo para o arrolamento deles, muito mais para uma conscienciosa avaliação dos seus erros”.
Assis Chateaubriand assina o editorial do O Jornal sob o título “A Poesia em Getúlio Vargas”. É um texto ambíguo, que pode ter várias leituras, e tanto pode pretender homenagear Vargas, prestar-lhe um tributo pela obra que realizou, como pode ser lido como um texto crítico e irônico, que em algumas passagens tenta minimizar a figura do presidente e mesmo ridicularizá-la. Mas pode-se dizer também que foi Chateaubriand um dos adversários que melhor avaliaram o modo de agir de Vargas. Ele foi capaz de sair da explicação maniqueísta que estava presente em quase todos os jornais para apresentar a complexidade do mundo em que se movia o presidente e lançar luz sobre a sua forma de entender e atuar no espaço político. Nesse texto, Chateaubriand começa dizendo que o que havia de poderoso em Vargas era a índole nata de capitão, e que era como capitão que ele caía no campo de batalha.
“O leito de morte, em que tomba siderado pelo próprio braço, é um campo de luta, onde se encerra um dos maiores embates de sua vida. Suicidando-se, como Balmaceda ou como Hitler, ele próprio decide do resultado da peleja em que está empenhado (...). Toda a obra política de Vargas é a obra de um poeta, feita por um homem de ação. Diz-se que os reis não têm coração. Mas ele tinha. E por isso não era, nunca foi um realista em política e tampouco em administração (...). Enxergava as soluções dos nossos maiores problemas, com a verde inocência de um artista, de um homem de ideias gerais (...). O poeta dizia que o pródigo que não ama é um monstro. Getúlio Vargas era um monstro prodigioso que amava. Ele tinha amigos que ele podia enganar, que ele podia momentaneamente esquecer, que podiam passar a segundo plano em certas horas, mas que eram constantes em sua vida. Eu fui um deles. Tinha a segurança disto malgrado falarmos línguas diferentes; ele guarani, e eu inglês ou italiano. Havia em Vargas vários homens diferentes. Um haverá de sobreviver todo poderoso: é o bugre que amou desvairado a sua terra, a terra para quem o solo hirto, o chão pobre tinham coruscações de estrela.”
Mas é o Diário Carioca, um dos mais radicais opositores do governo, que após o suicídio parece ter-se reconciliado com Vargas. Macedo Soares assina um artigo onde analisa a figura do presidente morto e sua atuação política. Começa por dizer que Vargas manteve um nível de vida relativamente modesto, era um homem acessível ao convívio de homens do povo, frente a cujas necessidades sempre se mostrou benévolo e cuidadoso. Pode-se discutir muitas coisas a respeito de Vargas,
“entretanto, mesmo forçando a mão, Getúlio Vargas foi o homem da vanguarda no seu tempo, mostrando irrecusável espírito compreensivo que rompia a rotina, antecipando-se às exigências do equilíbrio das classes sociais então vigentes”.
Atribui o “sacrifício da honra” ao erro de avaliação quanto ao valor das pessoas. Os amigos são responsabilizados.
No mesmo dia, em editorial, o Diário Carioca afirma que Vargas encerrou seus dias de maneira trágica mas honrada. Sua morte desvinculou seu nome dos ladrões e criminosos que abalavam a dignidade do país. Considera-o um estadista.
“Nessa hora de dor, cumpre-nos, a nós, que, notadamente nos quatro anos de seu segundo governo, o combatemos com ardor e sinceridade, ressaltar os inestimáveis serviços que teve oportunidade de prestar ao país. Seja promovendo, pela legislação social, melhores condições de vida para o trabalhador, seja defendendo na guerra os sagrados interesses do Brasil, seja os outros títulos que serão encontrados futuramente. A cena final de sua vida, confirmando os que, combatendo-o, não chegaram a descrer da persistência de seus sentimentos morais, deu-lhe o indiscutível direito de ser estimado e honrado pela posteridade.”
Esses textos podem indicar tão somente uma tentativa de apaziguar a fúria popular contra os opositores do presidente morto e resguardar o patrimônio do jornal. Pode também significar o receio de mudanças bruscas no rumo da política, como consequência desse acontecimento. Essas possíveis explicações partem da lógica de que o jornal adotou uma estratégia de defesa de interesses privados para sua sobrevivência.
O curioso é observar que o suicídio determinou que seus adversários iniciassem imediatamente o retoque na imagem de Vargas. O perfil até então construído teve que ser refeito — não coincidia com os atos que agora se revelavam. O homem tinha também grandeza, patriotismo, honestidade, e para alguns era um estadista. Assim, com um intervalo de algumas horas, um novo retrato de Vargas começava a ser apresentado ao público.
A leitura dessa amostra nos parece suficiente para deixar claro o modo como foram construídas a narrativa da crise, a trama de seus conflitos e as funções dramáticas, ou “cênicas”, de seus protagonistas e coadjuvantes.
Tal como num enredo teatral, o atentado irrompe tendo como pano de fundo um antagonismo prévio, insolúvel e fatal entre duas facções. No entanto, estando em jogo o poder num regime político democrático, o que envolve, de um lado, mandatos obtidos através do voto e, portanto, de rituais de exercício da cidadania e da vontade popular, e, de outro, prescrições legais e morais sobre as formas e os meios legítimos de exercício e de transferência do poder, é a esses valores, à lei e à moral que passam a se referendar os argumentos, e é em nome de um destes, ou de ambos, que se busca uma saída para a crise.
Assim, se há o apelo à manutenção da ordem constitucional, ou seja, o apelo ao respeito à lei, há também, contraditoriamente ou não, conforme o caso, o apelo à moralidade e à justiça, à punição dos responsáveis pelo crime e à restauração da legitimidade do poder governamental (que no caso, de acordo com a oposição, e mesmo com o centro do espectro, torna-se incompatível com a permanência de Vargas no Catete).
O que torna particularmente difícil a análise da atuação da imprensa no processo é justamente essa complexa e ao menos aparentemente contraditória mescla de puro e simples facciosismo com um posicionamento ideológico democrático-liberal. Ou seja, a mescla de interesses e posições inegavelmente particulares, ou idiossincráticos, com preocupações, argumentos e interesses mais amplos, ou sistêmicos.
No caso em questão, é evidente que o comportamento de certos jornais pode ser explicado, a princípio, pura e simplesmente como resultante de ressentimentos antigos e descrito como jornalismo de facção.31 Com efeito, assim poderíamos caracterizar, talvez sem maiores dificuldades aparentes, as atitudes de jornais como o Diário Carioca, o Diário de Notícias,32 o Correio da Manhã e O Estado de S. Paulo frente ao governo. Mas o que dizer dos jornais que se apresentaram mais moderados ao longo da crise, como foi o caso de O Globo, O Jornal e Folha da Manhã? Certamente não se trata aqui de “aliados” do Catete. Qualquer saída teoricamente unilateral (facciosismo x ideologismo, ou vice-versa) é insuficiente.33
A conclusão fundamental dessa investigação pode ser formulada, portanto, da seguinte forma: em agosto de 1954 os principais órgãos de imprensa do país, com algumas exceções bem delimitadas e significativas, atuaram decisivamente tanto na formação de um consenso a respeito da crescente inviabilidade política e moral do prosseguimento do mandato do presidente Getúlio Vargas, quanto na intermediação do diálogo e da articulação entre os diferentes grupos das elites políticas aptas a intervir, de algum modo, na resolução do impasse. Em particular, obviamente, os diversos setores militares.
Em todo esse processo sincrônico de intermediação e condução a palavra-chave de articulação do consenso era “renúncia”, insistentemente demandada tanto pela maioria dos jornais quanto pelos interlocutores políticos cujos discursos eram encampados editorialmente. Palavra que ao mesmo tempo sintetizava os maiores anseios e a reduzida capacidade de concertação do “centro” do espectro ideológico, e que demarcava, por oposição, as opções e os recursos políticos nos quais se fiavam os atores localizados então nos pontos extremos do confronto.
Assim, se o centro depositava suas parcas e inviáveis esperanças na renúncia voluntária do presidente — e acabou tendo de ceder sob o imperativo do apoio, mesmo que implícito, à sua definitiva imposição pelos líderes militares — as extremidades do espectro político, configuradas, de um lado, na oposição radical, e, de outro, na sustentação intransigente ao presidente, adotavam como palavras de ordem, respectivamente, a deposição pura e simples e a resistência de Vargas.
Havia ainda, é claro, a alternativa teórica do impeachment do presidente, ou seja, sua deposição legal pela Câmara e pelo Senado. Com efeito, alguns dos jornais da amostra fazem referência explícita a essa alternativa.34
Essa possibilidade, entretanto, encontrava-se descartada de antemão porque meses antes a oposição tentara pô-la em prática sem sucesso, sendo o pedido de impeachment negado então por maioria esmagadora.35 Além disso, como vimos, pouco tempo antes do atentado da rua Toneleros haviam se encerrado as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o jornal Última Hora, que se abriram com graves indícios de favorecimento pelo governo, com fins políticos, ao jornal de Samuel Wainer, mas terminaram com um sabor de derrota para a oposição, que não conseguiu provar o envolvimento direto de Vargas no episódio, e muito menos obteve do Congresso licença para processar seus aliados mais diretamente envolvidos.
Qualquer outra alternativa de resolução do impasse sem interferência militar dependia, portanto, de um ato unilateral de Vargas. E mesmo aí ainda havia riscos, pois a alternativa da licença do presidente, que teoricamente poderia subsidiar uma solução de compromisso, não agradava a muitos setores oposicionistas.
Era claro aos contendores que o que estava em jogo não era simplesmente a elucidação do crime e das responsabilidades que nele cabiam ao governo e a seu chefe, com as devidas punições aos criminosos e absolvição dos inocentes. O foco das desavenças sempre fora e continuava a ser a pessoa do presidente da República e tudo o que ele representava então para o sistema político. Se à oposição não interessava a licença, pois que ela preservava o mandato de Vargas, afastando-o apenas temporariamente, para este qualquer recuo poderia significar a abertura de um flanco por onde seus adversários poderiam atacar, alijando-o da arena e, o que era pior, impondo-lhe toda espécie de humilhações e retaliações.36
Era, portanto, este o quadro de confrontação radical, de impasses e indefinições em que mergulhava a vida política nacional e no qual se inseriam os órgãos de imprensa, enquanto interlocutores e porta-vozes.
Se, com efeito, as alternativas políticas à solução do impasse variavam de um possível resultado a outro — da resistência do presidente até a sua deposição, passando pela renúncia, licença ou impedimento — e se cada uma dessas alternativas era capaz de mobilizar os diferentes grupos em ação, servindo inclusive de pauta e agenda de confrontação e alinhamento, eram os órgãos de imprensa os debatedores e articuladores políticos mais privilegiados do processo, através da intermediação que faziam. De modo que, inclusive, é possível demonstrar através da análise de seus conteúdos, senão exatamente que grupos, ao menos que posições ou pontos de vista se encontravam perfilados, via imprensa, influenciando e circunscrevendo o conflito e suas possíveis soluções.
Assim, cada jornal é suporte (senão o próprio definidor, em última instância) de uma posição particular, contribuindo de maneira complexa e não isenta de contradições para a configuração cambiante tanto das palavras de ordem das alianças e oposições quanto do próprio balanço de forças.
Existiria ainda, contudo, um aspecto ainda mais significativo nas diferenças e semelhanças encontradas no comportamento dos diversos jornais, e que não se esgota na análise especificamente conjuntural política da crise. Do ponto de vista não exatamente dos seus papéis particulares no confronto em questão, mas sim das características estruturais de suas inserções na arena política e ideológica, diferentes posicionamentos com relação à crise e principalmente em referência às suas possíveis soluções podem ser indicativos também das mudanças estruturais por que passava a imprensa como um todo, que se manifestavam distintamente na experiência de cada veículo. Ou seja, no que respeita aos processos sociológicos mais abrangentes de intervenção pública dos jornais, podem ter importantes implicações políticas o grau de profissionalização e de empresariamento de cada jornal.37
Assim, da parte de determinados jornais, um comportamento mais ou menos radical, mais ou menos “faccioso”, mais ou menos referendado à “ordem” em sentido genérico, pode indicar não só uma filiação “partidária” ou de facção, mas também, e talvez muito mais, um posicionamento empresarial distinto. Quer dizer, um comportamento muito mais motivado em termos de uma inserção específica num mercado jornalístico em evolução, um mercado ao mesmo tempo econômico e político, com sentidos e dimensões muito mais amplos do que a disputa conjuntural (embora crucial) de duas facções políticas antagônicas.38
Se essa hipótese, ou agenda de investigação, faz sentido, é possível, através de análises sistemáticas do comportamento jornalístico, numa perspectiva histórica e comparada, alcançarmos uma maior compreensão não apenas acerca das transformações por que passa a imprensa, como também do próprio regime democrático-liberal ao qual a sua prática sempre se refere. E assim, se a imprensa de 1954 debate-se, não sem contradições, entre o facciosismo e a ação ideológica mais abrangente e consistente, talvez o mesmo possa ser dito da frágil democracia que, iniciada em 1945, tinha então o seu primeiro e grave teste.
Tabela 2
Seleção de materiais dos jornais da amostra (5 a 25/8/54)