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A PROPOSTA
O medo da morte é o mais injustificado dos medos, visto que quando se está morto não se pode sofrer nenhum acidente.
ALBERT EINSTEIN
Passei a noite em claro, à espera de que a qualquer momento soasse a campainha da porta e aparecesse a polícia para me interrogar. Dariam crédito a uma história tão inverosímil?
Tinha como testemunha o segurança da rádio que me entregara o envelope. Contudo, dizer que tinha ido a casa de Yoshimura por causa de um postal anónimo com uma hora e uma morada não faria mais do que confirmar o meu papel de suspeito. Não servia de todo.
Servi-me de um copo bem cheio de Bushmills, a destilaria mais antiga do mundo, para procurar uma saída para um problema tão recente quanto desolador.
As outras testemunhas da minha viagem tinham sido o motorista do autocarro e os próprios passageiros, se é que tinham reparado em mim. Também havia os habitantes de Cadaqués, sobretudo o idoso a quem perguntara pela rua onde vivia o japonês.
No mínimo, esse ter-me-ia denunciado. O mais provável é que, assim que soube da notícia, tivesse dado a minha descrição à polícia.
Um segundo gole de Bushmills deu-me a energia suficiente para voltar para a cama e esperar pelos acontecimentos. Deixei a garrafa ao meu alcance para continuar a etilizar a minha desgraça. Procurei distrair-me com Blankets, uma banda desenhada existencial de Craig Thompson sobre dois irmãos que dividem a cama, e a primeira paixão de um deles. As mais de quinhentas páginas ilustravam uma história tão dolorosa quanto deprimente.
Enquanto mergulhava com os dois protagonistas nos bosques gelados da América profunda, não deixava de olhar vigilante para o telefone e para a porta. Era uma da manhã quando li a última frase: «O céu é a esperança, e o éden uma recordação». Fechei os olhos de seguida, desejando desaparecer.
O som do telefone fixo atroou na minha cabeça como um alarme de incêndios. Ninguém me ligava para este número, com exceção da minha irmã e dos comerciais das empresas de telemóveis, por isso tive a certeza de que a polícia já me descobrira e ia começar o primeiro interrogatório por telefone.
Contudo, ao levantar o auricular ouvi apenas alguém desligar do outro lado. Respirei aliviado, apesar de não ter motivos para isso. Alguém acabava de comprovar que estava em casa, pelo que era provável que recebesse uma visita em breve. Olhei de esguelha para o despertador: eram sete e meia da manhã.
Em vez de voltar para a cama, preferi ir tomar um duche para estar bem desperto para o que viesse a cair-me em cima. À medida que o jato de água quente ia aclarando as minhas ideias, comecei a ensaiar a minha defesa. Para começar, não tinha motivo para saber da notícia do assassinato de Yoshimura. Podia ser – e de facto numa época tinha sido – um daqueles radicais que apenas ligam a televisão para ver DVD de documentários ou filmes independentes.
Depois de me mostrar surpreendido ao saber do assassinato, reconheceria que tinha ido à reunião em casa do japonês, isso sim, e podia descrever pormenorizadamente todos os que tinham estado lá também. Talvez isso me excluísse do grupo de principais suspeitos.
Ao secar a pele da água quente, senti-me como Aladino a esfregar a lâmpada do génio, visto que uma ideia que me passara pela cabeça me chamou a atenção: uma vez que os três suspeitos se tinham apresentado com nomes e apelidos, a primeira coisa a fazer como jornalista era comprovar a sua existência na Internet. Sem dúvida, o assassino não teria revelado a sua verdadeira identidade.
Animado por esta ideia, liguei o computador com a intenção de procurar notícias sobre a revista Mysterie e o seu afamado diretor. Contudo, antes de poder fazê-lo, recebi um e-mail que me deixou sem fala:
De: Princeton Quantic Institute
Para: Javier Costa
Assunto: Oferta de colaboração
Estimado senhor,
Antes de mais quero dar-lhe os meus sentidos pêsames pela dolorosa perda do seu mentor, o professor Yoshimura. Sabemos quão estreita era a relação que vos unia, tanto a nível profissional como pessoal. A prova disso é a mensagem enviada por ele para o nosso instituto em que delegava em si a edição final da obra, visto não poder fazê-lo pessoalmente, como lamentavelmente foi o caso.
A confiança depositada em si pelo professor fez-nos entrar em contacto consigo sem mais demoras, com a certeza de que a finalização da Biografia definitiva de Einstein, à qual consagrou a sua vida, é a melhor homenagem que podemos render ao nosso amigo comum.
Como coordenador do livro em questão, que é financiado por uma editora unipessoal, é minha obrigação pô-lo ao corrente das condições contratuais para que se sinta apoiado na investigação que terá de conduzir para a conclusão da obra. Como poderá comprovar no documento em anexo, há ainda algumas lacunas que devem ser completadas.
Para isso, o mecenas deste projeto está disposto a pagar uma quantia extra de 75 000 dólares, cujo pagamento será feito da seguinte maneira: 25 000 dólares na assinatura do contrato em anexo, 25 000 na entrega do original finalizado e outros 25 000 na data de publicação. O senhor não terá direito a royalties da venda do livro, uma vez que a sua edição não será comercializada em livrarias, mas o seu nome aparecerá devidamente na lista de colaboradores no final do mesmo.
Esperamos receber o quanto antes a sua resposta afirmativa para entrar na parte final deste projeto, que dará uma nova luz ao nosso conhecimento da figura de Einstein e do seu legado.
Atentamente,
RAYMOND L. MÜLLER,
chefe de publicações do PQI