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A CONSTÂNCIA DA LUZ

Equipado com os seus cinco sentidos, o homem explora o universo à sua volta e a essa aventura chama ciência.

EDWIN P. HUBBLE

Ao acordar no vagão banhado pela luz do dia, apercebi-me de que adormecera com a lembrança da Diana deitada ao meu colo. Isso fez-me começar o dia um pouco nostálgico.

Mas uma figura horizontal à minha frente ajudou-me a tirar a minha «ex» da cabeça. Enquanto eu dormia incómodo no assento, um novo passageiro tinha desdobrado a sua cama e roncava alegremente. Era um cinquentão de constituição forte. Pelo penteado convencional e a camisa de algodão branca, deduzi que era um daqueles comerciais que viajam por todo o centro da Europa a tratar de encomendas.

Solidão absoluta. Era isso que me transmitia este homem que dormia no catre.

O comboio deteve-se num cruzamento ferroviário entre França e a Suíça para que as diferentes polícias pudessem subir. Durante alguns minutos, voltei a pensar com apreensão em Yoshimura e no meu caderno abandonado no cenário do crime.

Quando a guarda da fronteira helvética gritou «Passkontrolle» e nos pediu o passaporte, tive a certeza de que o meu caminho terminava ali. Contudo, depois de examinar os papéis com uma lanterna de bolso, devolveu-mos com um protocolar: «Gute Reise.»

Assim que a porta do camarote se fechou, o suposto comercial regressou para a sua cama e tratou de conciliar novamente o sono por entre irritantes estalidos de língua. Disse para mim próprio, aliviado, que dentro de duas horas estaria em Zurique, onde ninguém me conhecia, nem para o bem nem para o mal.

Pelo menos era isso que eu pensava.

Antes de mergulhar na leitura do manuscrito que tinha de terminar, o suave balançar do comboio fez-me pensar no exemplo clássico do comboio em marcha para explicar a difícil teoria da relatividade. Einstein tinha-o utilizado frequentemente nas suas conferências para o público em geral.

Segundo as leis do movimento apresentadas por Newton em finais do século XVII, as velocidades de dois ou mais corpos podem somar-se de acordo com as regras da aritmética. Se um comboio viaja a 25 quilómetros por hora e uma criança atira uma bola da janela do vagão, na direção da marcha, também a 25 quilómetros por hora, a bola voará a 50 quilómetros por hora. Ou seja, as velocidades somam-se.

Contudo, essa aritmética elementar não serve para a luz, cuja velocidade – quase 300 000 quilómetros por segundo – é sempre a mesma. Por isso, um feixe de luz disparado do interior de um foguetão que voasse a 1000 quilómetros por segundo não viajaria a 301 000 quilómetros por segundo, mas sim à mesma velocidade que o faria em terra firme.

A constância da velocidade da luz levou Einstein a descobrir uma série de estranhos fenómenos relacionados. Por exemplo, um objeto vai perdendo comprimento à medida que ganha velocidade, ao mesmo tempo que aumenta a sua massa, que à velocidade da luz seria infinita.

Tinha escrito um guião sobre isso para La Red, apesar de não ter percebido nada. O que significa ter massa infinita? Perguntava-me se a luz não seria o resultado de corpos que viajam demasiado depressa e se acabam por desfazer. Seria algo assim. Na verdade, o facto de a massa equivaler a uma certa quantidade de energia e vice-versa, a célebre E = mc2, tinha dado origem à bomba atómica.

O mais difícil era conceber que o tempo se desenrola mais lentamente à medida que a nossa velocidade aumenta. Dito de outra maneira: o tempo é relativo, como demonstraria Einstein na sua teoria publicada em 1905.

Regressando a E = mc2, lembrei-me de como começara o carrossel de acontecimentos que me tinham expulsado da minha rotina. Tudo começara com uma mera especulação, quando disse na rádio que Einstein tinha dedicado a segunda metade da sua vida a elaborar uma teoria secreta que não se atrevera a divulgar. Uma descoberta tão relevante que podia fazer tremer os alicerces de tudo o que somos e daquilo em que acreditamos.

Ri-me da minha própria invenção enquanto o comboio entrava na periferia de Zurique, com os seus pequenos arranha-céus entre o rio Limmat e colinas verdes.

Ao fazer essa afirmação tinha carregado num botão com consequências imprevisíveis, disse para mim mesmo. A seguir a insólita reunião em Cadaqués. A morte de Yoshimura. O contrato de 25 000 dólares. O que mais podia acontecer?

Montei o meu quartel-general no Hotel Adler, um casarão da Rosengasse famoso pela cozinha tradicional do seu restaurante.

Depois de desfazer a mala e ligar o meu pequeno portátil, fui tomar um duche para planear a minha atividade. Apesar de 25 000 dólares ser muito dinheiro, não tinha intenção de delapidá-lo em hotéis suíços e fondues. Tinha de programar a viagem de forma austera para completar a biografia de Yoshimura sem gastar muito dinheiro.

Se sobrasse para cobrir as minhas necessidades até ao final do ano, então nesse tempo podia reinventar-me.

Depois de tomar banho, vesti uma roupa limpa e sentei-me diante do computador cheio de otimismo. O primeiro buraco importante no manuscrito correspondia à estadia de Einstein no Instituto Politécnico de Zurique, de modo que o mais provável era ter de consultar os arquivos dessa escola, se ainda existisse.

Antes de mergulhar nessa aborrecida tarefa – o mundo da documentação sempre me entediara –, decidi fazer a pequena investigação que tinha pendente desde a noite do crime. Não gostava de esmiuçar aquele episódio que começava a ficar longínquo, mas era bom saber quem tinha mentido.

Comecei por escrever no Google o nome do próprio Yoshimura somado ao termo «Einstein», para o caso de aparecer algum dado curioso. A busca deu 17 100 resultados com múltiplos candidatos. Pelos vistos, aquele era um apelido tão comum no Japão como García ou López em Espanha, e por isso havia inúmeros Yoshimura relacionados com algum artigo, curso ou investigação.

Não ia descobrir nada por aquela via.

A busca seguinte, o doutorado em física de Cracóvia, foi abortada antes mesmo de começar. Lembrei-me de que apenas nos tinha dado o seu diminutivo, Pawel. Com isso também não chegaria longe.

Era mais fácil investigar Jensen, o dinamarquês que estava à frente da Mysterie. Tive apenas de encontrar o site da revista e olhar para a ficha técnica de jornalistas. Efetivamente, constava um tal de «Klaus Jensen, dir.». Mas será que bastava isso para apagá-lo da lista dos suspeitos?

Dei uma vista de olhos às reportagens que estavam no site. Apesar de não perceber dinamarquês, as imagens utilizadas e as tipografias grotescas faziam-me suspeitar que se tratava de um verdadeiro lixo.

Faltava verificar uma pessoa, a francesa do traseiro empinado, mas a luz que entrava pela janela disse-me que estava na hora de sair para a rua. À noite teria tempo de fazer de detetive de meia tigela.

Suspirando face ao trabalho que tinha pela frente, procurei na Internet o famoso Instituto Politécnico onde o génio tinha conseguido entrar à segunda oportunidade.

Se tivesse verificado a tempo o nome de Sarah Brunet, o que estava prestes a acontecer teria seguido um curso completamente diferente.