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O INSTITUTO POLITÉCNICO

A universidade é um lugar onde os seixos são polidos e se tira o brilho aos diamantes.

ROBERT G. INGERSOLL

Escola Técnica Superior Universitária era o nome que recebia agora o centro onde Einstein se matriculou com 17 anos. Situado em Rämistrasse, tinha crescido consideravelmente desde então.

De 841 alunos e uns quantos professores na época de Einstein, passara a ter 20 000 almas entre estudantes, investigadores e funcionários. Os seus 370 docentes, divididos por 16 departamentos, tinham o orgulho de trabalhar numa instituição que no último século e meio tinha produzido 21 prémios Nobel.

Tudo isto estava largamente referido no manuscrito de Yoshimura, antes de entrar na parte biográfica do pai da relatividade.

Pelos vistos, o que em 1911 se conhecia como o Politécnico de Zurique, fora transferido recentemente para um edifício de maior envergadura graças ao magnata da eletrónica Werner von Siemens, que paradoxalmente tinha contribuído para a ruína do pai e do tio de Albert – tinham uma empresa de material elétrico.

A passagem de Einstein por esta instituição, onde esteve quatro anos, foi certamente brilhante, apesar do professor de matemática ter chegado a chamar-lhe «cão preguiçoso». Já o famoso professor de física, Heinrich Weber, valorizava os dotes para o estudo do jovem Albert, apesar de recriminar a sua rebeldia. «Você é um jovem extremamente inteligente – chegara a dizer-lhe um dia –, mas tem um grande defeito: não ouve ninguém.»

Traduzi mentalmente a secção dedicada aos amores do despistado estudante, que nas suas viagens se esquecia até da mala, o que fazia com que as criadas murmurassem: «Este rapaz não vai chegar a lado nenhum.» Apesar disso, Albert era bastante bonito, ou no mínimo tinha alguns atrativos para as mulheres. Yoshimura dedicava pouco espaço àquele que para mim era o episódio mais interessante até ao momento:

A filha do seu caseiro, que era como uma espécie de pai para Albert, não resistiu aos seus encantos e viveu com ele um romance que depressa se extinguiu. À medida que o jovem génio se afastava dela, Marie Winteler – era esse o seu nome – escrevia-lhe apaixonadas cartas em que lhe dizia coisas como: «Não há palavras para descrever o quão feliz me sinto desde que a tua adorada alma se veio entrelaçar com a minha.» Habituado ao rigor áspero das ciências, depressa se cansou de um amor tão meloso e partiu o coração da rapariga, que sofreu uma depressão nervosa. Demorou a recuperar do desgosto amoroso, mas anos mais tarde casou-se com um suíço que dirigia uma fábrica de relógios.

Einstein precisou de pouco tempo para refazer a sua vida amorosa, uma vez que depois de Marie se cruzou no seu caminho uma estudante sérvia – a única mulher no departamento do politécnico onde Albert estudava – pouco atraente para os gostos estéticos da época, mas incrivelmente inteligente: Mileva Marić.

Após várias horas a passar a pente fino os arquivos do antigo Politécnico de Zurique, já tinha a cabeça às voltas. Tive de passar por um complexo processo de inscrição para poder aceder às fichas dos colegas de turma de Einstein ao longo dos seus quatro anos no centro.

No primeiro buraco que Yoshimura não tinha conseguido tapar – provavelmente porque não tinha visitado aquele arquivo – estava uma nota que especificava o que se esperava agora de mim.

(Quem estudou com A. E.? O que lhes aconteceu profissionalmente depois de saírem do Politécnico? Algum deles chegou a brilhar no campo da física teórica?)

As perguntas eram simples, mas para conseguir responder-lhes e tapar o bendito buraco ia perder o dia todo. Comecei por tomar nota no meu portátil de todos os nomes que acompanhavam Albert nas listas das diferentes disciplinas. Para além daquela que acabaria por ser a sua primeira mulher, Mileva, tive de forçar a vista para interpretar os nomes escritos com uma pena nas cartolinas pautadas.

De seguida, apliquei o método pouco original de ir colando os nomes que tinha copiado no Google. Os resultados foram dececionantes, mas consegui averiguar que três colegas tinham acabado por se tornar docentes do Politécnico.

Guardei informação em alemão sobre uma dezena de nomes que apareciam relacionados com outras escolas na Suíça.

Para apurar se algum deles se destacara na física teórica, ia precisar de um dicionário de alemão, já que antes precisava de decifrar o que estava escrito sobre aqueles dezassete nomes. O mais importante fora anotar quem eram os colegas de Albert. No hotel podia dedicar-me a essa investigação; até a podia deixar para o final da minha viagem.

Se existira algum outro génio que tinha ajudado Einstein a elaborar as suas teorias, estaria morto há mais de cinquenta anos, pelo que era improvável que viesse a descobrir até um descendente direto que pudesse contribuir com revelações importantes.

Na verdade, completar o livro de Yoshimura ia ser uma chatice. O único perigo que via até agora era morrer de tédio.

Bocejei perante as longas horas de trabalho que se avizinhavam nos dias seguintes. Apesar de estar sentado numa cadeira incómoda em frente a uma secretária do arquivo, fechei os olhos por um instante. Foi então que a voltei a ouvir.

Como se ao fechar as pálpebras se tivesse ativado um lugar secreto na minha memória auditiva, no meu interior ressoou a voz extremamente doce e delicada que falou comigo ao telefone no meu apartamento. Antes de desligar tinha dito: «Cabaret Voltaire.»

Ao escrever esse nome no motor de busca, um calafrio de excitação percorreu-me as costas: tratava-se de um lugar que existia – ou tinha existido – em Zurique.

Um dos resultados da pesquisa dizia o seguinte:

Fundado em 1916 por Hugo Ball, o Cabaret Voltaire foi um clube de Zurique onde se reuniam artistas de espírito provocador. Instalado no andar de cima de um teatro com um programa «sério», acredita-se que neste lugar nasceu o movimento dadaísta, apesar de também ter sido frequentado por artistas de uma corrente derivada: o surrealismo.

Após um período de decadência que se prolongou durante quase todo o século XX, em 2002 o local foi «okupado» pelos neodadaístas comandados por Mark Divo. Com o objetivo de reavivar o movimento dadaísta, o Cabaret Voltaire reviveu durante três meses uma nova idade de ouro, com performances diárias, projeções e noites de poesia, uma experiência na qual participaram milhares de zuriquenses. A polícia expulsou os «okupas» em março desse mesmo ano, quando o edifício passou a ser um museu dedicado ao dadaísmo.

Ao fechar a página com esta informação, tive a sensação de que aquela pista me ia levar mais longe do que as aborrecidas listas de alunos.