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O JARDIM DAS ROSAS

Há uma única felicidade na vida: amar e ser amado.

GEORGE SAND

Passei uma noite de cão a tentar decifrar o sentido de tudo aquilo. A cama do Hotel Adler era confortável, mas a mensagem no Cabaret Voltaire tinha-me deixado com a cabeça às voltas.

Quando o sol começou a raiar na cidade helvética ainda não tinha pregado olho. Ainda assim, saltei da cama com a ideia de me dirigir à estação de comboios sem mais demoras. Não sabia exatamente o que era o Rosengarten – «jardim das rosas» – de Berna, mas era óbvio que alguém estaria ali à minha espera ao meio-dia.

Enquanto descia as escadas do hotel, desejei que aquela fosse a última mensagem. Já era altura de que quem tinha lançado o isco desse a cara de uma vez por todas.

Nos minutos antes da saída do comboio consegui comprar um pequeno guia de Berna para tentar localizar o tal jardim.

Uma vez na carruagem, comecei a folheá-lo sem muita pressa. Apesar de a viagem ser curta, era o suficiente para me dar uma ideia da pequena capital, cujo nome vinha de Bären, que em alemão significa «ursos». Pelos vistos, durante vários séculos tinham vivido ursos naquela cidade, razão pela qual havia sempre três exemplares dentro de um fosso em pleno centro.

Saltei a parte da história para ir para as atrações da cidade, para além da Torre do Relógio com o seu carrossel de quatro minutos que se ativava a cada hora em ponto.

Entre os museus, destacava-se o de Belas Artes e o de Einstein. Aqui detive-me, no exato momento em que o comboio partia rumo ao meu próximo destino:

Inaugurado em 2007, o Museu Einstein está situado em Helvetiaplatz n.º 5 e compreende uma área de 1200 metros quadrados onde se podem ver objetos pessoais do cientista que viveu em Berna no início do século XX, onde tinha arranjado um emprego num escritório de patentes. A exposição inclui ainda documentos, experiências e uma fascinante visita virtual pelo cosmos em que se explicam as teorias revolucionárias de Einstein. Como complemento do museu, pode-se também visitar a casa onde Einstein viveu na cidade de Berna, situada na Kramgasse 49.

Aquela era sem dúvida uma paragem obrigatória para mim, já que alguns dos objetos podiam trazer uma nova luz aos pontos cegos da biografia de Einstein, que eu tinha parado de ler no momento em que ele conhecera Mileva.

Antes de regressar à espessa biografia de Yoshimura, encontrei no guia uma caixa de texto que falava do Jardim das Rosas. Pelos vistos, era um parque no alto de uma pequena colina onde crescem mais de duzentas e vinte espécies diferentes de rosas. No estilo foleiro próprio dos guias, acrescentava que «com um pouco de sorte, na subida pode encontrar pica-paus».

À medida que o comboio passava por um vale com aldeias de postal, imaginei que era apenas um turista num tour de lazer. Podia ser um desses homens inconformistas que viajam sozinhos para viver experiências estéticas absolutas, mas que acabam a noite numa casa de prostitutas qualquer.

Abri o manuscrito no capítulo dedicado a Mileva Marić.

A primeira esposa de Einstein tinha nascido em 1875 em Titel, na província sérvia de Voivodina, que contava com uma importante minoria húngara.

Desde criança que era um verdadeiro génio a matemática, e aos quinze anos foi aceite no Colégio Real de Zagreb para assistir às aulas de física, algo reservado apenas aos homens. Após frequentar um semestre de medicina na Universidade de Zurique, foi a primeira mulher a estudar matemática no Instituto Politécnico; ali conheceu Einstein.

Tinha acabado de fazer vinte e um anos, mais três e meio do que Albert, e tinha uma deslocação congénita na anca que a fazia coxear.

Conheceram-se em 1896, quando ambos estavam no primeiro ano, mas o amor deles ainda demoraria um ano a florescer. Na verdade, Mileva assustou-se tanto ao aperceber-se dos seus sentimentos pelo jovem alemão, que deixou o Politécnico durante um ano para frequentar como leitora a Universidade de Heidelberg. Mas a correspondência trocada entre ambos não fez mais do que aumentar a sua paixão.

Em 1898, Einstein terminou os seus exames. Foi o primeiro da turma, seguido de perto pelo seu amigo Marcel Grossman, que uns anos mais tarde o ajudou a encontrar trabalho no escritório de patentes de Berna. Após terminar a sua tese, em 1900 licenciou-se e tornou oficial a sua relação com Mileva, apesar da oposição radical da família Einstein.

Um ano mais tarde, ela ficou grávida. Como ainda não estavam casados, mantiveram em segredo o nascimento de Lieserl, que foi dada para adoção. Devido a este «acidente», Mileva teve de abandonar o Politécnico sem terminar os estudos.

O casamento entre Albert e Mileva teve lugar em 1903. Nessa altura já Einstein trabalhava no escritório de patentes como especialista técnico de terceira classe. O trabalho não era muito exigente, de modo que pôde dedicar horas para esboçar os artigos que o tornariam mundialmente famoso.

*

Eram apenas onze horas quando cheguei a Berna, que naquela sexta-feira exibia uma plácida animação. Após perguntar onde ficava o Rosengarten, embrenhei-me naquilo que parecia ser a rua principal da zona antiga.

Não me detive em nenhuma das antigas cervejarias, porque a minha prioridade era chegar ao lugar do encontro para agarrar pelos colarinhos quem quer que fosse que estava a brincar comigo.

Por isso mesmo, também não prestei atenção ao fosso dos ursos, percorrido naquele momento por um animal taciturno.

Era ali mesmo que começava a subida para o Jardim das Rosas, onde duvidava que me esperasse alguém. Quando muito, um novo sinal para me dirigir a qualquer outro lugar, disse para mim mesmo. E assim até me fartar.

Estava tão resignado, que até chegar à entrada do jardim não me apercebi de que tinha alguém à minha espera. Uma mulher esbelta observava-me com os braços cruzados sobre um vaporoso vestido vermelho.

Cego pelo sol que se refletia nas rosas, só me apercebi quem era a dama de vermelho quando já estava a poucos metros dela. Não era outra senão Sarah Brunet.