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O REENCONTRO

A informação é poder.

MÁXIMA JORNALÍSTICA

–Que diabo faz aqui? – perguntou indignada. – Anda a seguir-me?

Por um momento, quis ripostar que era eu quem se sentia perseguido e arrastado para toda a parte, mas ela estava demasiado furiosa para ouvir as minhas explicações. Limitei-me a dizer com fingido desapego:

– Uma senhora idosa convidou-me a visitar o Cabaret Voltaire de Zurique. E aí foi-me dada a ordem de vir a este jardim de rosas. Agora percebo que valeu a pena madrugar. E você? Quem ou o quê a guiou até aqui?

– Não é da sua conta. Mas podemos reparar esta infeliz coincidência de forma pacífica. Peço-lhe que siga o seu caminho como se não me tivesse visto. Tenho um encontro.

Ofendido, estava prestes a dar meia-volta deixando Sarah Brunet rodeada de espinhos, quando um homenzinho de fato e gravata veio na minha direção. Apesar de ter o cabelo completamente branco, parecia atlético dentro da sua pequenez. Talvez para provar o seu vigor, apertou-me fortemente a mão enquanto se apresentava:

– Sou Jakob Suter – disse num castelhano perfeito. – Onde estão os outros dois?

Perguntou isto depois de cumprimentar a francesa levantando levemente a mão.

– De que está a falar? – respondeu ela bastante irritada. – No posto de turismo prometeram-me um guia só para mim. Não paguei cento e quarenta francos suíços para fazer parte de uma excursão.

O tal Jakob tirou um pequeno cachimbo do bolso do casaco e acendeu-o pacientemente antes de responder com um sorriso:

– A mim disseram-me que eram quatro. Sabiam que eu sou a autoridade máxima de Berna no que diz respeito a Einstein? Estão com sorte. Não há uma esquina por onde esse louco despenteado tenha passado que eu não conheça.

Visto que Sarah parecia continuar aborrecida, decidi que era hora de tomar a palavra:

– Sabe se as outras duas pessoas também falam castelhano?

– Claro que sim. Caso contrário não os teriam posto no mesmo grupo. E já agora, onde estão? A minha folha de serviço diz que devo apanhar aqui três cavalheiros e uma senhora.

Sarah e eu trocámos o primeiro olhar cúmplice desde aquele inesperado reencontro. Ambos sabíamos perfeitamente quem eram os outros «dois cavalheiros» que faltavam: Pawel e Jensen. A mesma mão oculta que nos tinha reunido em Cadaqués arrastava-nos agora numa excursão privada pela Berna de Einstein.

De qualquer maneira, se o guia era um verdadeiro especialista, podia ser uma grande ajuda para completar as lacunas que tinha o manuscrito de Yoshimura naquele capítulo. Que a bonita francesa também ali estivesse era um pouco insólito, mas de modo algum desagradável.

Pelos vistos, ela não pensava da mesma maneira, visto que quando o guia começou a andar e indicou que o seguíssemos, disse-me ao ouvido:

– Recuso-me a continuar a participar nesta farsa. Isto é ridículo! Não me importo de devolver o adiantamento. Ao fim e ao cabo não estou nisto por dinheiro.

Não podia acreditar no que estava a ouvir. Parecia que, a cada passo, aquela missão se tornava mais absurda e incompreensível. Fui direito à questão.

– Vou tomar a liberdade de te tratar por tu. Desculpa que te faça esta pergunta, Sarah, mas é preciso começar a descortinar este quebra-cabeças. Alguém te encarregou de completar uma biografia de Einstein? É o seu autor um tal Yoshimura, que descanse em paz?

Como resposta, a francesa apertou os lábios com cara de poucos amigos. Era óbvio que não me ia facilitar as coisas.

Ao chegarmos ao fosso dos ursos, Jakob Suter levantou a palma da mão para que nos detivéssemos. Temi uma aborrecida explicação sobre o emblema de Berna, mas não era essa a sua intenção:

– Esperem aqui por mim cinco minutos. Vou ao posto de turismo ver se os extraviados foram lá e estão à nossa espera. Pagaram e não os posso deixar sem fazerem a visita. Dois são dois e quatro são quatro.

Dito isto, levantou mais uma vez a palma da mão para pedir que esperássemos ali por ele. De seguida dirigiu-se em passos rápidos para a rua principal.

A francesa olhou para mim com ar aborrecido. Quando Jensen e Pawel aparecessem o clima ia tornar-se irrespirável. Para aliviar a tensão, indiquei-lhe um pequeno café a poucos metros dali.

– Estou a morrer de sono. Acompanhas-me para tomar um café enquanto esperamos pelo guia?

Sarah ficou hirta ao ouvir o que eu disse, como se a minha proposta não fosse de todo aceitável. Por fim encolheu os ombros com resignação e aceitou.

Pedi um café expresso, que enchi de açúcar para que o sangue me regressasse à cabeça. De repente sentia-me exausto. Ela não pediu nada. Limitava-se a perscrutar-me com os seus olhos azuis como se eu fosse um energúmeno.

Decidi fazer uma última tentativa para quebrar o gelo. Ia utilizar uma história que tinha usado com êxito num guião de La Red.

– Vou contar-te uma história que faz todo o sentido, dada a situação – disse. – Queres ouvi-la?

– Vais contá-la de qualquer maneira, por isso continua.

– Um jovem casal estava a tomar banho quando de repente bateram à porta de casa deles. Depois de discutirem quem ia abrir a porta, a mulher acabou por sair do duche muito contrariada. Tapou-se com uma toalha e, a pingar, foi abrir a porta. Ao fazê-lo descobriu que quem estava a tocar era o vizinho do sexto andar, que lhe disse: «Dou-te mil euros se deixares cair a toalha ao chão e me mostrares o teu corpo nu.»

Sarah abandonou o seu olhar impenetrável e olhou-me com curiosidade, como se não soubesse definir que espécie de idiota tinha diante dela.

– A mulher ficou em estado de choque perante uma oferta tão estranha mas ao mesmo tempo tentadora – continuei. – «Vá lá, são mil euros e tens apenas de deixar cair a toalha ao chão», insistiu o vizinho enquanto lhe mostrava duas notas de quinhentos euros novinhas. Ela começou a hesitar, e perguntou-lhe: «Apenas a toalha? Só isso?» E o vizinho respondeu: «Apenas isso. Deixas cair a toalha e dou-te mil euros.» Finalmente a mulher concordou, convencida de que aquela era uma maneira muito fácil de ganhar mil euros. Lentamente, soltou a toalha e deixou-a cair no chão mostrando o seu corpo nu, enquanto o vizinho a olhava de cima a baixo. A seguir, tal como lhe tinha prometido, deu-lhe mil euros e foi-se embora. A mulher, ainda embasbacada com o que acabara de acontecer, voltou a pegar na toalha e regressou para o duche, para junto do seu namorado, que lhe perguntou quem era. «Era… o vizinho do sexto andar», respondeu ela procurando disfarçar o que tinha acontecido. «Ótimo!», exclamou ele. «Devolveu-te os mil euros que lhe emprestei?»

A francesa esboçou um sorriso condescendente. Antes de acrescentar a conclusão, admirei de esguelha a sua silhueta por baixo do vestido vermelho. Desejei ardentemente ser o vizinho do sexto andar e ela a mulher do duche.

– Esta história ilustra os perigos de não se partilhar toda a informação com os companheiros. Por isso acho que devíamos…

Um barulho vindo da rua deixou-me sem fôlego. A este juntaram-se duas vozes histéricas que gritavam alguma coisa como «Hilfe! Hilfe!»

Saí a correr do café para ver o que se passava, sem verificar se a minha bela companheira me seguia. Uma dezena de pessoas tinha-se juntado à volta do fosso dos ursos, que emitiam grunhidos nervosos.

Antes de perceber o que tinha acontecido, aproximei-me eu também e foi então que o vi: o corpo ensanguentado de Jakob Suter estava no fundo, com a cabeça separada do corpo por um golpe certeiro.