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O HOMEM QUE INVENTOU O SÉCULO XX
O futuro porque tanto trabalhei é o meu.
NIKOLA TESLA
A curta caminhada até ao hotel foi um festival de gargalhadas e tropeções. Quando Sarah não tropeçava nas pedras, tinha de segurá-la para que não fosse contra algum transeunte noturno. Parecia que aquela era a primeira vez na vida que apanhava uma bebedeira.
Quando chegámos ao Marthahaus também eu já tinha a cabeça a andar às voltas, como se o ar alpino tivesse acabado por turvá-la. Tanto oxigénio puro não podia ser bom para um rato da cidade como eu.
O elevador estava a ser arranjado naquele momento, mas apercebi-me logo de que a francesa não conseguia subir as escadas sem cair. Adotando o papel de sedutor à antiga, peguei-a ao colo sem lhe pedir licença. Pelo riso que deixou escapar, não se pareceu importar.
No meu estado, a subida ao segundo andar apresentava alguns problemas técnicos, mas finalmente consegui chegar até à sua porta sem que acabássemos estatelados no chão.
Como se ao ver-se perto do ninho tivesse acordado de novo para a vida, saltou dos meus braços com relativo equilíbrio. De seguida deu-me a chave para que eu próprio abrisse a porta. Ao acender a luz, fiquei surpreendido por ver meia dúzia de peças de roupa no chão. Pus-me em alerta a pensar que alguém tinha entrado no quarto durante a nossa ausência.
– O que foi? – perguntou ela ao ver-me tenso.
– Há roupas espalhadas pelo chão.
– Que comentário mais parvo! O que é que isso tem de extraordinário? Fui eu que as deixei.
A seguir, sentou-se na cama de casal e descalçou-se atirando os sapatos com um movimento hábil.
Eu hesitava entre aproximar-me suavemente dela e beijá-la, ou sentar-me ao lado dela e esperar que a francesa tomasse a iniciativa. Por fim escolhi a última hipótese. Sarah abriu então a gaveta da mesinha de cabeceira e tirou duas páginas de revista agrafadas.
– Toma, quero que leias este artigo – disse. – É sobre Tesla.
– Às três da manhã e com um litro de vinho no corpo, acho que podes compreender que me esteja a borrifar para Tesla.
Como se eu fosse uma criança malcomportada que é preciso educar, olhou-me com uma expressão severa. De seguida dobrou o artigo em quatro e meteu-mo à força no bolso das calças.
– Nada de Tesla! – protestei, continuando com a brincadeira.
Sarah soltou uma gargalhada. A seguir pôs a mão no meu ombro e sussurrou:
– Queres dormir comigo?
Deixou-me sem palavras. Mas antes de conseguir dizer alguma coisa, ela própria respondeu:
– Pois terá de ficar para outra vez, porque estou morta de sono. Agora vai-te embora.
Depois de ser humilhado por Sarah, deitei-me na cama do meu quarto com a autoestima de rastos.
Passada a fase do enjoo e da excitação, o álcool tinha-me levado para um limbo parecido à vigília. Convencido de que não conseguiria dormir por mais voltas que desse, fiz zapping pela televisão, mas só havia programas deprimentes de televendas ou filmes já a meio, e eu não me sentia com forças para tentar percebê-los.
Acabei por apanhar do chão o artigo em inglês que a Sarah me tinha dado e que eu estivera a ponto de rasgar em pedaços.
Era um resumo vulgar da vida e milagres de Nikola Tesla, um sérvio nascido na Croácia numa noite de tempestade elétrica, uma verdadeira premonição do que seria a paixão da sua vida.
Num mundo iluminado pelas velas, este incansável engenheiro não tardou a conceber um transformador de eletricidade igual ao que se utiliza hoje em dia. Ao longo da sua vida patenteou muitos outros inventos, entre eles a tecnologia wireless: um sistema de transmissão de eletricidade sem fios que se antecipava um século à tecnologia atual.
Além de inventar o transmissor de rádio que daria fama a Marconi, manteve com Edison a chamada «guerra das correntes». Tesla esforçou-se por demonstrar a superioridade da corrente alternada face à corrente contínua que Edison propunha. Os seus estudos sobre o magnetismo fizeram com que denominassem de «tesla» a unidade de medida do campo magnético do Sistema Internacional de Unidades, em sua honra.
Depois de desenhar a primeira central hidroelétrica, na mesma época em que Einstein se graduou no Politécnico de Zurique, Tesla começou a embarcar em projetos cada vez mais ambiciosos. Foi para Colorado Springs para aí fazer experiências com ondas terrestres e ambientais. Aí começou a afirmar que recebia no seu rádio sinais de vida em Marte, cujos habitantes tinham vivido na Terra anteriormente. Nessa mesma linha de trabalho, propôs-se a iluminar o deserto do Saara para que os habitantes de outros planetas pudessem contemplar a Terra.
Dedicou os seus últimos dias a projetar uma arma denominada «Raio Mortal», um feixe eletromagnético capaz de – segundo o seu inventor – derrubar uma frota de dez mil aviões a quatrocentos quilómetros de distância. Parecia-se com o «raio de partículas» que em teoria se desenvolveu durante a Guerra Fria. Os seus arquivos foram confiscados pelo governo norte-americano, pelo que se acredita que mais do que um projeto de Tesla não viu a luz do dia.
Ao terminar a leitura, percebi por que razão o autor do artigo se alongava tanto na dimensão mais fantasiosa e especulativa de Nikola Tesla. Para compreender bastava olhar para o nome do autor do artigo: Klaus Jensen.
Apesar de ter sido tirado de uma versão da Internet de uma publicação norte-americana, o facto de Sarah ter dado com aquela reportagem e a ter imprimido para mim deixava-me inquieto. Fazia-me suspeitar que a casa de Cadaqués não tinha sido o primeiro lugar onde a francesa e o diretor da Mysterie se tinham encontrado.
Qual o papel de Jensen naquela trama era algo que ainda estava longe de compreender.