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HOTEL ROYAL
Quando enfrentares um novo desafio, espera sempre o inesperado.
HELEN THOMAS
Belgrado acabou por se revelar uma cidade muito mais bonita do que tinha imaginado. Apesar de o entardecer já se fazer notar no céu de finais de maio, impressionaram-me as grandes avenidas e os parques que atravessámos até à paragem final do autocarro, em que éramos os últimos passageiros.
Pelas dimensões dos edifícios e dos passeios, notava-se que tinha sido desenhada como a capital de um país muito poderoso, a Jugoslávia, que chegou a ter o quinto maior exército do mundo.
Depois de nos despedirmos do motorista, seguimos por uma rua pedonal que, segundo o mapa, devia atravessar a Kralja Petra. Fiquei surpreendido com o grande número de livrarias, bem como com a animação que havia nos bares e nos restaurantes naquela segunda-feira ao fim do dia. Era um ambiente cosmopolita e maioritariamente jovem, como se a cidade se estivesse a reinventar a si mesma depois de duas décadas de conflitos políticos e bélicos.
Enquanto arrastávamos as nossas malas pelo meio da multidão, um relógio próximo marcou as nove da noite. Chegaríamos dez minutos atrasados ao encontro, como ditavam as normas de cortesia.
– Tenho de reconhecer que estou nervosa – disse Sarah, enquanto me apontava a placa em acrílico da rua do hotel. – Estamos prestes a conhecer alguém que sempre foi inalcançável para todos os estudiosos de Einstein.
– Espero que essa pessoa nos explique porque nos fez chegar até aqui a jogar ao gato e ao rato – protestei. – Gostaria de fechar o enigma Lieserl para poder voltar aos Estados Unidos. Talvez no escritório de Princeton encontremos tudo o que precisamos para encaixar o puzzle.
Estava a usar a primeira pessoa do plural de propósito com a esperança de que ela me acompanhasse. Contudo, Sarah limitou-se a sorrir enquanto descíamos a rua do hotel, que tinha uma arquitetura dos anos setenta. Ao lado da entrada, chamou-me a atenção um snack bar cheio de homens a fumar.
O lobby do hotel fazia lembrar os filmes de há quatro décadas. Era todo de alumínio, com poltronas de veludo e escadas que se enrolavam como serpentinas.
Enquanto Sarah mostrava ao rececionista o número da reserva, dei uma vista de olhos às pessoas que estavam no bar, onde supostamente tínhamos o encontro. Uma família com um ar rústico ocupava várias mesas, e as outras estavam ocupadas por homens de bigode que conversavam de cervejas na mão, imagino que depois de terem saído do trabalho.
Não havia ali ninguém que encaixasse no perfil da neta de Einstein, nem pela idade nem pela aparência.
– Ainda não chegou – disse à minha acompanhante, que regressava de fazer o check-in. – Tens a chave do meu quarto? Estou todo partido.
– Tenho apenas uma chave para os dois, mas antes devíamos ter a certeza de que a pessoa com quem nos vamos encontrar não está aqui. Segundo o SMS, estamos no sítio certo à hora certa.
– Vê por ti mesma – incentivei-a.
Ao mesmo tempo que Sarah passeava pelas mesas, um formigueiro de excitação subiu-me pelas costas só de pensar que íamos partilhar o quarto. Segui-a até ao balcão, ao mesmo tempo que me recriminava por ser tão pouco coerente com o que me tinha proposto na noite anterior.
– Ainda não deve ter chegado – disse ela. – Vamos beber um cocktail?
– Duvido que venha alguém – afirmei pessimista, antes de pedir um vodka tónico ao empregado.
Sarah acompanhou-me e brindámos num balcão de estilo psicadélico.
Dei uma última vista de olhos à clientela para ver se havia novidades.
Nesse momento fixei-me numa escada que descia do bar para um espaço mais pequeno. O acesso estava interdito por uma corrente, mas o brilho de um cigarro na penumbra iluminou por segundos uma silhueta solitária.
– Está ali – disse, apontando à francesa a sala interdita.
Sem pedir autorização a ninguém, dirigimo-nos com a bebida para o andar de baixo. Depois de voltarmos a fechar a corrente, descemos a escada com solenidade e alguma precaução.
A figura na sombra continuava a fumar.
Ao aproximarmo-nos, acendeu o isqueiro deliberadamente para que a pudéssemos ver melhor. Sarah conteve um grito de surpresa.
Era Jensen.
O diretor da Mysterie abria os seus curtos braços teatralmente ao mesmo tempo que deixava escapar uma gargalhada. Tive vontade de lhe torcer o pescoço. Indignado, decidi esclarecer tudo o quanto antes:
– És tu o autor do SMS?
– Quem mais podia ser? – retorquiu alegremente. – Tive de suar as estopinhas para que a Complutense me desse o número de telefone da sua estudante de doutoramento.
A visada estava tão furiosa que o lábio inferior lhe tremia. Decidi continuar eu mesmo o interrogatório:
– E quanto ao postal, à chamada telefónica e à mensagem no Cabaret Voltaire? Também és tu quem está por detrás disso?
– Quanto a isso sei tanto como vocês. Ou talvez um pouco mais, visto que já cheguei até aqui. Como sabia que andavam na pista certa, mas como não me vão roubar o exclusivo, decidi partilhar a grande notícia com os meus amigos.
– Pode-se saber do que é que estás a falar? – perguntou-lhe Sarah contendo a fúria.
O dinamarquês comeu-a com os olhos antes de responder.
– Da última resposta de Einstein, naturalmente. Os meus rapazes trabalharam muito e bem. Graças a isso, e a dinheiro bem investido, esta noite conheceremos o que Albert tramou e ocultou durante a segunda metade da sua vida. Vou torná-lo público às dez e meia da noite no meu quarto. Estão convidados para a festa.
– Isto cheira mal – argumentou ela. – Se é verdade que fizeste mesmo esta descoberta, porque haverias de partilhá-la?
O dinamarquês retorceu o seu pequeno corpo com satisfação antes de responder:
– Porque vou precisar de embaixadores a partir de agora. Mas é bom que fique claro que o exclusivo é meu e apenas aparecerá o meu nome quando se divulgar a notícia.
Apagou o cigarro no seu copo e estalou os dedos para dar por finalizado aquele primeiro encontro. Pela tensão na sua cara de menino velho, soube que naquele momento se sentia o homem mais poderoso à face da Terra.
Dentro de uma hora saberíamos se tinha motivos para isso.