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O MOTORISTA DE EINSTEIN

Uma pessoa não compreende realmente uma coisa até que seja capaz de explicá-la à sua avó.

ALBERT EINSTEIN

A reaparição de Jensen tinha-me deixado tão desconcertado que até me esquecera de que ia partilhar o quarto com Sarah Brunet, que abriu a porta com toda a naturalidade.

Com uma decoração a combinar com o lobby do hotel, tinha uma pequena casa de banho com duche e da janela via-se o trânsito da Kralja Petra, bastante congestionado àquela hora da noite.

Havia apenas uma cama de casal.

Pelos vistos, a francesa achava graça ao meu constrangimento, porque disse muito naturalmente:

– Não havia mais nenhum quarto livre, mas podemos pedir uma cama extra de criança se te sentires mais confortável.

De seguida piscou-me o olho e foi tomar banho.

Sem saber o que pensar, olhei fascinado para a sua mala aberta sobre a cama. Um curto vestido azul esperava no topo pelo momento de vestir a pele da sua proprietária.

Para esquecer o meu nervosismo, sentei-me na cama a ler, adotando o papel de marido aborrecido para quem a sua mulher adquiriu o dom da invisibilidade. Enquanto a água quente corria do outro lado da parede, decidi saltar para um capítulo a meio do manuscrito, porque a juventude do génio começava a cansar-me.

No parágrafo introdutório da sua etapa americana, Yoshimura recolhera algumas histórias engraçadas. Conta a lenda que, por exemplo, ao chegar a Princeton, por causa do seu cabelo todo despenteado, acharam que era o eletricista e lhe pediram que consertasse um candeeiro. Brincalhão por natureza, Albert não revelou a sua identidade até ter feito a reparação, envergonhando todo o pessoal do centro.

O japonês citava um jornalista de apelido Wallias que relatava a curiosa relação entre o génio e o seu motorista nos Estados Unidos:

Quando Einstein ainda não era muito conhecido, e as suas teorias começaram a correr mundo, começou a receber convites para dar conferências. Contudo, a sua imagem ainda não era do domínio público e poucas pessoas sabiam que aspeto tinha.

Durante uma dessas viagens, o seu motorista nos Estados Unidos disse-lhe que já tinha assistido a tantas conferências suas durante aquele ano que já sabia de cor todas as suas teorias. Isto serviu para que o pai da relatividade fizesse uma brincadeira: numa localidade mais pequena para onde se dirigiam, decidiu trocar de papéis com o seu motorista para que este, fazendo-se passar por Einstein, desse a conferência, visto que a sabia de trás para a frente.

Assim o fizeram, e tudo correu às mil maravilhas. Ninguém se apercebeu da troca e a audiência acreditou que tinha diante de si um génio absoluto. O verdadeiro Einstein assistiu a tudo extremamente divertido.

Até ao momento em que alguém do público formulou uma pergunta a que o orador não soube responder. Sem se desmanchar, o falso conferencista respondeu então: «Essa pergunta é tão fácil que até o meu motorista era capaz de responder… e é isso que vai fazer.»

Era uma boa anedota, ainda que talvez estivesse um pouco alterada pelo tempo. Na verdade, eram tantas as histórias que se contavam sobre Albert Einstein que, se não tivesse descoberto a teoria da relatividade, provavelmente tornar-se-ia famoso por outra coisa qualquer.

Naquele momento, a porta da casa de banho abriu-se e voltei a minha atenção para Sarah, que saiu apenas com uma toalha enrolada à volta do corpo. Parecia não se importar que eu estivesse ali. Contudo, quando ia tirar a toalha, olhou para mim divertida e perguntou:

– Não vais tomar banho? Seria uma falta de cortesia ir à festa do Jensen todo suado da viagem.

– Estava à espera que saísses – defendi-me.

Pelo sorriso que me dirigiu enquanto eu saltava da cama e me dirigia para a casa de banho, soube que ela adorava aquele jogo. Na verdade, procurava ir aumentando o desejo até que ultrapassasse os seus limites.

Disposto a não cair na esparrela, enquanto ensaboava com cuidado as feridas na cabeça, disse para mim próprio que se ainda continuávamos vivos no meio daquela confusão era porque convinha a quem controlava os nossos movimentos. Quem era e em que momento se daria a conhecer era algo que me parecia cada vez mais incerto.

Deixei de pensar nisso quando, através da cortina transparente, vi que Sarah entrava na casa de banho sem bater. Agia como se eu fosse invisível, o que não ajudava propriamente a reforçar a minha autoestima. Enfiada no seu deslumbrante vestido, que lhe assentava como uma luva, penteou-se em frente ao espelho enquanto eu me escaldava – não havia maneira de regular a temperatura – tal como tinha vindo ao mundo.

Só me dirigiu o primeiro olhar de esguelha através da cortina quando acabou de se pentear. Esboçou um ligeiro sorriso, antes de pegar no rímel para pôr.

Irritado, estiquei o braço para apanhar uma toalha para me secar e ir buscar uma muda de roupa à minha mala.

Tinha os cinco sentidos postos naquilo que nos esperava no terraço do hotel. Em quinze minutos assistiríamos a um acontecimento difícil de esquecer para uns e impossível de recordar para outros, porque em breve perderiam algo mais do que a memória.