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CINCO PERGUNTAS

A teoria, mais cedo ou mais tarde, é assassinada pela experiência.

ALBERT EINSTEIN

A resposta ao mistério do caderno estava do outro lado da porta. E tinha nome e apelido: Sarah Brunet.

Depois de ficar um quarto de hora perplexo na cama, finalmente levantei-me e fiz a mala para fugir do Hotel Duga o mais depressa possível. Não me interessava ficar num sítio onde se materializavam pedaços do meu passado e ainda menos quando eram testemunhas de um crime.

Ao abrir a porta, deparei-me com um fantasma de carne e osso: a desaparecida em Belgrado acabava de me encontrar – tinha sido essa a sua promessa – com uma rapidez quântica.

Estava vestida com um elegante saia-casaco em tons crus e parecia muito relaxada.

– Onde vais com essa mala? – perguntou-me com um sorriso brincalhão.

– Para longe daqui.

– Não gostas do hotel?

– Não gosto nada do que está a acontecer. – Pus a mala no chão antes de começar o interrogatório. – Porque é que te foste embora da suíte do Jensen sem me avisar? Quem foi o intruso que viste na festa? Como é que não fizeste nada para impedir que…?

– Isso são demasiadas perguntas de repente – interrompeu-me. – Posso convidar-te para almoçar? Conheço um bom restaurante para que reponhas as forças perdidas. Se fosse a ti deixaria a mala no quarto por agora; talvez tenhamos de ficar mais uma noite em Novi Sad.

Ofereceu-me o braço para que a acompanhasse até ao elevador. Aceitei, apesar de estar furioso por mais coisas do que estava disposto a reconhecer.

– Onde é que estás hospedada? – perguntei-lhe enquanto descíamos no elevador.

– Aqui mesmo. Escolhi o quarto mesmo ao lado do teu, para o caso de termos de fugir outra vez.

Queria perguntar-lhe onde dormira naquela noite, e até mesmo se tinha sido ela a seguir o meu táxi desde Belgrado, mas estava a guardar o batalhão de perguntas para a sobremesa. Numa coisa tinha razão: estava morto de fome.

O Gusan era uma cervejaria situada num dos locais mais antigos de Novi Sad. Construído originalmente para ser uma masmorra, tinha albergado estúdios de artistas e fotógrafos, assim como o primeiro cinema que existiu na cidade: o Korzo. Hoje em dia era uma taberna muito concorrida onde se servia carne assada e a cerveja corria a rodos.

Depois de deixar o meu prato limpo, com a terceira caneca de cerveja dispus-me a interrogar a minha elegante companheira, que parecia estar vestida para uma receção. No entanto, antes de começar, ela avisou-me com um sorriso:

– Hoje só te concedo cinco perguntas. Por isso pensa bem nelas. Temos trabalho para fazer.

Inspirei profundamente antes de começar:

– Isto não é uma pergunta, mas sim uma suposição, e espero que me digas se estou certo ou não. Do que aconteceu esta manhã, deduzo que apanhaste o meu caderno esquecido na casa do japonês e que o tiveste contigo todo este tempo. Depois de bisbilhotares as minhas anotações pessoais, hoje decidiste devolver-mo enquanto estava a dormir para me pregar um grande susto. Estou enganado?

– Não estás enganado – disse, acariciando a sua franja preta com os seus dedos compridos. – A segunda pergunta…

– Porque ficaste com o meu Moleskine durante tanto tempo?

– Gosto de saber com quem trabalho. Esse caderno é um espelho fiel de quem és. Agora sei que posso confiar em ti, Javier. Juntos vamos chegar até ao final disto tudo.

Um empregado pôs naquele momento dois copos de rakija, a aguardente local, na mesa. Estava deliciosamente fria. Esquecendo-me por um momento do que acontecera no encontro de Jensen, bebi um pouco de licor antes de dizer:

– O problema é que eu não sei se me posso fiar em ti. Não sei quem és, para quem trabalhas e o que esperas de mim.

– São três perguntas – lembrou ela aproximando o copo dos lábios carnudos –, exatamente as que te restam.

– Pois vou utilizar uma delas. Para quem trabalhas?

– Para mim própria. Neste caso não sou uma assalariada como tu. Apesar de ter recebido uma oferta do Princeton Quantic Institute, nunca cheguei a assinar contrato. Não me interessa a biografia de Yoshimura, nem a de nenhum outro. Tenho os meus próprios motivos para querer chegar até ao final disto.

Estive tentado a perguntar-lhe que motivos eram esses, mas havia outras perguntas de caráter prático que me preocupavam mais.

– Como soubeste que eu estava alojado no Hotel Duga? Seguiste-me até aqui? Eras tu que estavas no carro que retrocedeu de noite na estrada?

Sarah bebeu a rakija até meio do copo antes de responder:

– Vou contar todas essas perguntas como se fosse apenas uma, porque esta é a quarta. Não te segui em nenhum momento, mas foi muito fácil dar contigo porque em Novi Sad não há assim tantos hotéis. Precisei apenas de passar uma hora ao telefone para te localizar. Apresentei-me como tua mulher, foi assim que me deram a chave do teu quarto.

– E o rececionista não te perguntou por que razão uma esposa pede o quarto ao lado do seu marido?

– Essa seria a tua quinta pergunta.

– Estou-me nas tintas. Já não espero grande coisa deste interrogatório.

– Vá lá, não sejas parvo e pergunta alguma coisa que valha a pena.

Depois de dizer isto, tocou com o copo no meu e bebeu a aguardente de um trago. Parecia estar no mesmo estado de espírito que na já longínqua noite em Berna. Uma vez mais, apercebi-me de que não sabia com quem me estava a associar, o que não era uma boa notícia.

– A quinta pergunta vai ser de trabalho – anunciei. – O que raio viemos fazer a Novi Sad? À parte de comer e beber no Gusan, quero dizer.

Sarah acariciou-me suavemente a mão enquanto os seus olhos brilhavam de entusiasmo. Disse:

– Temos um encontro com a meia-irmã de Lieserl. É uma centenária com uma saúde muito delicada, mas consegui que nos receba esta noite. O seu filho, que fala inglês, estará com ela, por isso não precisamos de tradutor.

– E a Mileva…?

– É disso que se trata. Espero que a sua tia nos conduza até ela.