32

A RELATIVIDADE DO ÊXITO

Um especialista é uma pessoa que cometeu todos os erros que se podem cometer num determinado campo.

NIELS BOHR

Faltavam quatro horas para o encontro com Tea Kaufler, a meia-irmã centenária de Lieserl. Depois do meu breve interrogatório, tudo o que consegui saber foi que Sarah prometera ao filho dela uma compensação económica pelo incómodo da nossa visita, que teria lugar às oito e meia em casa da idosa.

Ao sair do restaurante, a minha sócia naquela aventura disparatada voltou a mostrar-se fria e distante. Era como se estivesse a preparar mentalmente o assalto que teria lugar naquela noite.

Eu estava demasiado cansado – pela falta de sono e pelo licor – para lidar com humores alheios, de modo que decidi passar a tarde à minha maneira no centro de Novi Sad. Na secção inglesa de uma livraria tinha comprado um exemplar de bolso de A Short History of Nearly Everything, um conhecido ensaio de divulgação de um jornalista de viagens inglês.

Estava interessado em reler o capítulo «O Universo de Einstein», que continha algumas histórias que não vira noutros livros. A mais divertida, sem dúvida, era a que fazia referência a como Einstein se tornara mundialmente famoso. Referia-se a um equívoco que acontecera em 1919, dois anos antes de ter sido distinguido com o prémio Nobel.

Pelos vistos, tudo começou quando o New York Times decidiu fazer uma reportagem sobre ele e enviou o correspondente que tinham disponível, um tal Henry Crouch, responsável pela secção de golfe do jornal. O homem não sabia nada sobre ciência e percebeu tudo ao contrário. Entre os erros mais graves, escreveu no seu artigo que Einstein tinha encontrado um editor audaz o suficiente para publicar um livro que «apenas doze homens em todo o mundo podiam compreender». Apesar de tal livro não existir, nem editor, nem tal círculo de iluminados, os leitores adoraram a ideia. O difícil é sempre mais apetecível.

A própria imaginação popular reduziu aquelas doze mentes privilegiadas a três – incluindo Einstein; uma delas era o astrónomo britânico Arthur Eddington. Quando lhe perguntaram se era verdade, este hesitou antes de responder: «Estou a tentar pensar quem será a terceira pessoa.»

Um clarão azul distraiu-me da leitura. Como se uma câmara de segurança tivesse captado o sinal de alerta desde a periferia da minha pupila, aquela cor artificialmente intensa fez-me levantar o olhar.

Foi então que a vi.

Caminhava a passo rápido e já se tinha perdido no meio da multidão de pessoas, mas os seus totós azuis não davam margem para dúvida. Lorelei estava ali, atenta a todos os meus movimentos. Não sabia quem a tinha mandado nem qual era o papel dela naquela trama toda, mas sem dúvida fora ela a conduzir o carro que me seguira na estrada à noite.

Deixei o dinheiro para pagar a conta na mesa e saí dali a correr atrás dela, desviando-me das pessoas que me apareciam pela frente.

Como se tivesse olhos nas costas, nesse mesmo instante a minha perseguidora apressou o passo. Vi como as suas pernas enfiadas em collants verdes e botas militares começavam a correr, enquanto afastava com as mãos qualquer pessoa que se lhe atravessasse no caminho.

Eu próprio quase derrubei um velhote, que me maldisse em sérvio, enquanto Lore chegava à rua e conseguia parar um táxi. Saltou lá para dentro e eu cheguei mesmo a tempo de ver o veículo arrancar com a sua passageira encostada à janela.

Antes de desaparecer no trânsito, fez com três dedos o sinal de uma pistola, que levantou duas vezes enquanto me olhava muito fixamente. Interpretei que aquilo significava: «Bang, bang, vou-te matar… E quando o momento chegar a pistola será de verdade.»

Este novo encontro com Lorelei colocava-a definitivamente do lado inimigo. Aquela que me parecera uma adolescente excêntrica que se tinha cruzado duas vezes no meu caminho era claramente a nossa perseguidora.

Apesar de ainda não saber quem a tinha enviado, nem o que queria, só o facto de a rapariga se ter atrevido a parar um comboio em movimento significava que estava disposta a tudo.

Como ainda faltavam duas horas para o encontro da noite, entrei num cibercafé para investigar aquele monstro de totós azuis. Era improvável que me tivesse dado o seu nome verdadeiro, mas ainda assim decidi testar essa hipótese escrevendo no motor de busca «Lorelei» + «Zurique» + «Cabaret Voltaire».

O resultado foi tão extravagante como ela própria. Por alguma estranha razão, o algoritmo do Google conduziu-me até um bar de Los Angeles denominado Part Time Punks. À esquerda da página apareciam as músicas que tinham sido tocadas naquela sala desde a sua abertura. Tive de descer até aos abismos daquela lista interminável até chegar ao dia 13 de janeiro do ano anterior. Naquela noite tinha atuado uma banda da Virgínia chamada Lorelei. O título da canção, «Inside the Crime Lab» – «dentro do laboratório do crime» –, não era propriamente tranquilizador.

De qualquer maneira, aquilo não explicava nada; só servia para revelar as intenções de quem tinha tomado aquele nome.