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O ASSALTO

Os grandes perigos têm a sua beleza, e promovem a fraternidade entre estranhos.

VICTOR HUGO

–Parece que tivemos uma visita – disse, enquanto avaliava as dimensões da catástrofe.

O panorama devolveu a compostura a Sarah, que se apoiou na parede para observar o que tinha acontecido.

Quem entrara no quarto, para além de levar o computador e o manuscrito, tinha explorado todos os cantos e recantos à procura de alguma coisa que não encontrara.

Depois de devolver a minha roupa suja à mala saqueada, fechei-a e sentei-me em cima dela. A francesa, por seu lado, sentou-se numa das camas e olhou-me compassiva.

– Ficaste sem o teu trabalho, não foi?

– Seria a segunda vez em menos de duas semanas – respondi ao mesmo tempo que tirava do bolso uma pen. – Ainda bem que tenho tudo aqui. Até uma cópia do manuscrito.

– Mas não tens computador – observou.

– Posso comprar um amanhã, mas temo que o teclado esteja em cirílico.

Olhámos um para o outro com um sorriso que se transformou num ataque de riso parvo, desses que dão a uma pessoa quando parece que se perdeu o norte e nada corre bem.

– Compra em Nova Iorque – disse Sarah. – Vai ser o nosso próximo destino.

A meio daquela relaxada conversa, até demasiado para o que acabara de acontecer, apercebi-me de que não tínhamos comprovado uma coisa fundamental.

– E o teu quarto?

– Não aconteceu nada – respondeu ela. – O ladrão não entrou lá. Provavelmente, nem sequer imaginava que eu estaria alojada neste hotel.

– Mas como é que sabes? – perguntei desconfiado.

– Vem comigo e vais ver.

Enquanto a embriaguez dava lugar a uma terrível dor de cabeça, segui Sarah até à porta contígua. Antes de meter a chave, mostrou-me o ecrã do seu telemóvel.

– Repara bem no que acontece se não desligar o alarme.

A seguir girou a chave na fechadura. Quando a porta se abriu, o telemóvel começou a vibrar ao mesmo tempo que emitia um barulho penetrante. A francesa desligou o alarme carregando num botão, antes de acender a luz do quarto.

Tal como ela tinha dito, estava tudo no sítio certo. Havia roupa atirada para o chão, mas isso fazia parte dos hábitos da ocupante.

O dispositivo de segurança era um pequeno transmissor que se colava atrás da porta. Deduzi que ao captar o movimento ativava automaticamente o alarme no telemóvel de Sarah.

– És uma mulher prudente. E agora, o que fazemos?

– Interrogar o rececionista. Convém saber quem anda atrás de nós.

O homem da grande barbela estava de novo no seu lugar, ainda que pela ligadura que a cobria, parecia que meia cabeça já lá não estava. Olhou para nós furioso enquanto aproximava o auscultador do telefone e sussurrava:

Policija.

Acrescentou duas frases, das quais compreendi apenas o nome do hotel, e de seguida desligou.

A coisa estava a ficar feia, de modo que agradeci que tivéssemos trazido as nossas malas connosco.

– Entraram no meu quarto – disse na defensiva.

– E um taco de beisebol entrou na minha cabeça, se lhe serve de consolo – respondeu com os olhos injetados de sangue. – A sua amiguinha tem uma maneira especial de levar a sua avante.

– A minha amiguinha? De quem está a falar?

Sabia perfeitamente quem estava por detrás daquilo, mas não estava disposto a que me relacionassem com aquela louca.

– Ao saber que o senhor não estava, disse-me que ia esperá-lo no quarto. Avisei-a de que não era possível: só as pessoas que estão registadas é que podem entrar, sobretudo no quarto de um cliente. Antes de podermos continuar a discutir, tirou um taco de beisebol do saco e agrediu-me com ele. Quando recuperei os sentidos, tive de ir para o hospital para levar pontos.

Naquele momento, um carro da polícia estacionou em frente ao hotel. Dele saíram dois agentes com um uniforme azul. Nos dez segundos que demoraram a chegar à receção, Sarah teve tempo de realizar uma negociação fulminante.

– Quanto quer para não nos relacionar com este caso? – sussurrou-lhe.

– Como? – perguntou o rececionista assustado.

A francesa tirou da mala duas notas de 500 euros e pô-las com um rápido movimento no bolso do homem. Ao mesmo tempo que os agentes entravam e cumprimentavam, ela disse-lhe num tom hipnótico:

– Nós não tivemos nada a ver com isto, está bem? Diga-lhes que a agressora não chegou a subir aos quartos.

O rececionista olhou para Sarah e para os agentes, respetivamente. A seguir levou a mão ao bolso para ter a certeza de que as notas grandes estavam realmente lá. Com mais cor no rosto, começou a vociferar em sérvio enquanto apontava para a ferida na cabeça.

Um dos polícias olhou-nos demoradamente enquanto interrogava o ferido, que disse algo como:

Goste su.

Deve ter cumprido o acordo, visto que o polícia nos cumprimentou levando a mão à testa e não nos prestou mais atenção.

Saímos do hotel enquanto averiguavam o que ali se tinha passado. O rececionista daria com certeza uma pormenorizada descrição da tarada de cabelo azul, que naquele momento devia estar a preparar o seu próximo movimento.

Como nós.

O melhor era abandonar o país antes que as coisas se complicassem ainda mais. Com o efeito do álcool a diminuir, Sarah tinha empalidecido. Era óbvio que lhe custava manter os olhos abertos.

– Procuramos outro hotel? – sugeri.

– É melhor não – suspirou. – Novi Sad já não é uma cidade segura para nós.

– Vamos para onde então?

– Para a América.