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OS FIOS DA CASUALIDADE
O azar é uma palavra vazia de sentido. Nada pode existir sem uma causa.
VOLTAIRE
Independentemente de estarmos a avançar em círculos ou de irmos nalguma direção, os últimos acontecimentos diziam-me que não devíamos permanecer quietos durante demasiado tempo.
A nossa perseguidora devia estar já a apertar o cerco, enquanto nós desconhecíamos por completo o seu paradeiro, a não ser que tivesse tomado a casa abandonada como sua residência, o que não me parecia muito provável. Eu tinha contra-atacado, ligando para o Cabaret Voltaire para saber a identidade da funcionária deles, mas uma voz masculina tinha-me comunicado bruscamente que não revelavam os dados pessoais dos seus colaboradores. Ao perguntar-me quem era, fingi que a ligação tinha ido abaixo.
Mexermo-nos, esse era um verbo auxiliar no nosso caso. O nosso único auxílio seria não estar no lugar esperado pelo criminoso, com os que já tinham perecido.
Ao mesmo tempo, odiava a ideia de abandonar aquele espaço equipado onde partilhava o quotidiano com Sarah. Gostava de tomar o pequeno-almoço com ela a meio da manhã na sala de jantar comum; observá-la com o cabelo recém-lavado, quando os seus olhos azuis contemplavam a vida de Williamsburg desde a janela; vê-la trabalhar com o computador ao colo, ao mesmo tempo que segurava entre os lábios um lápis que nunca utilizaria.
De dia costumava usar o casaco de fato de treino vermelho que a tornava mais nova. Na rua vestia roupa informal mas feminina, e a sua presença não passava despercebida aos jovens – e aos não tão jovens – «hipsters». De noite vestia um pijama que convidava a apertá-la nos braços.
Não tinha acontecido nada entre nós, e era cada vez mais difícil que se pudesse passar alguma coisa. Desde que o desejo se transformara num amor crescente, sentia um respeito reverente por aquela mulher que me continuava a desconcertar.
Sabia, bem lá no fundo, que me estava a esconder algo essencial. Mas interiormente também sabia que o meu coração era dela. Contra isso não havia razão que me valesse, apenas uma melancólica espera.
Para afastar aqueles sentimentos, assim como a sensação de que a calma recém-adquirida estava prestes a terminar, decidi mandar um e-mail a Raymond L. Müller. O editor-chefe das publicações do PQI podia facilitar-me o caminho para a nossa próxima área de investigação. Utilizei o mesmo estilo formal e cerimonioso com que o homem se me tinha dirigido.
De: Javier Costa
Para: Princeton Quantic Institute
Assunto: Um pedido
Estimado senhor Müller,
Sem esquecer o acordado no nosso contrato, onde me comprometia a não entrar em contacto com a editora até que a minha tarefa estivesse completa, dirijo-me a si para lhe fazer um pedido que ajudará o trabalho.
Antes do seu desaparecimento, o professor Yoshimura falou-me de uma descoberta feita no escritório de Einstein em Princeton. Visto que o diretor desta instituição estava disposto a partilhar com ele esta descoberta, pergunto-me se o senhor, na qualidade de editor-chefe das publicações do PQI, poderia interceder a meu favor para que tenha acesso a esta nova documentação.
Estou seguro de que a título individual não vou obter esse privilégio, e é com vista a melhorar a biografia que solicito a sua ajuda.
Agradeço-lhe desde já.
Com os melhores cumprimentos,
Javier Costa
No exato momento em que este e-mail iniciava a sua viagem pelo ciberespaço, o som de uma campainha indicou que uma nova mensagem tinha entrado no Outlook de Sarah, que teclava no sofá de costas para mim.
Voltei-me para ela:
– Por acaso és a editora-chefe do PQI?
– Não, mas aconteceu uma coisa divertida. Vem cá ver…
Fui sentar-me ao lado dela e vi que a sua mensagem vinha do site Lost & Found – perdidos e achados – onde dias antes tinha lançado a sua mensagem na garrafa.
Resposta a…
«PRECISO DE ENCONTRAR O FILHO OU FILHA DE LIESERL / LISA KAUFLER. RECOMPENSA QUÂNTICA. (REF. 127)»
De… (REF. INDETERMINADA)
«NÃO CONHEÇO O FILHO OU FILHA DE LIESERL,
MAS O SEU PAI ESPERA-A ESTE DOMINGO, 6 DE JUNHO,
À MEIA-NOITE NO MONKEY TOWN»
Sarah olhou-me surpreendida antes de me perguntar:
– Achas que é uma piada de mau gosto?
– Pode ser. O pai da nossa Lieserl é Albert Einstein. Não o imagino a voltar do reino dos mortos para ir a um lugar chamado Monkey Town.
– Vamos ver se existe – respondeu ela enquanto escrevia este nome no Google.
O motor de busca direcionou-a de imediato para um restaurante de Brooklyn cujo emblema era um macaco com uma gola renascentista.
– Olha a morada – disse Sarah entusiasmada. – Fica aqui mesmo em Williamsburg!
– Então não é por acaso.