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MONKEY TOWN

Lá por não teres o macaco agarrado às costas não significa que o circo tenha deixado a cidade.

GEORGE CARLIN

A discoteca ficava numa zona escura e solitária de Williamsburg. Empurrámos o que parecia ser o portão da discoteca, apesar de não haver nenhum segurança à porta para nos receber.

Depois de atravessarmos um corredor na penumbra, chegámos à sala principal do bar, que estava deserto de clientes e de empregados. Apenas um gigante candeeiro aceso fazia pensar que naquele domingo houvera ali algum tipo de atividade.

À esquerda do balcão encontrámos um passadiço iluminado por uma ténue luz branca. Daí reverberava um distante rumor difícil de definir. Podia ser um bicho ou uma máquina. Olhámos um para o outro inquietos, antes de Sarah decidir por ambos:

– Vamos ver o que se passa ali dentro.

Enquanto a seguia, esperava a todo o momento o aparecimento da psicopata de cabelo azul. Contudo, por enquanto apenas encontrámos um corredor branco com duas portas: uma lateral que era a casa de banho e outra ao fundo, de onde vinha o barulho. Mas não era o único som que havia ali.

– Ouviste esta voz? – sussurrou-me Sarah apontando para a porta da casa de banho. – Ouve…

Tal como ela, encostei o ouvido à madeira. Uma mulher parecia estar a falar longamente com alguém no interior. Não conseguia perceber o que dizia, mas o tom de voz era solene e também um pouco triste, como alguém que dá uma má notícia. Essa voz…

Reconheci que era a mesma que dissera ao telefone «Cabaret Voltaire», o que me deixou hirto. Antes que pudesse fazer alguma coisa, Sarah dirigiu-se à porta do fundo, de onde vinha o rumor.

Do outro lado esperava-nos uma extravagante surpresa: numa sala quadrada coberta por telas de cinema apinhavam-se cerca de trinta pessoas espalhadas por sofás brancos.

Todos pareciam absortos naquilo que se projetava nas quatro paredes ao mesmo tempo: uma vista aérea a preto e branco de uma cidade indeterminada. Pela vibração constante, parecia ter sido filmado de um pequeno avião. Sobre estas imagens, que eram monótonas e de baixa qualidade, ouvia-se a conversa confusa entre os dois pilotos. Percebi que falavam de coordenadas, de altitude e de um Little Boy que ia cair.

Não conseguia compreender por que razão aquela filmagem despertava tanto interesse naquela sala cheia de diferentes pessoas da nossa idade. Quando estava prestes a sair daquele cinema improvisado, Sarah segurou-me no braço e, ao mesmo tempo que me assinalava um lugar vago num sofá, murmurou:

– Senta-te.

Havia apenas espaço para uma pessoa e não me parecia bem deixá-la de pé. Além disso, o documentário não me interessava. Mas um empurrão dela fez com que lhe obedecesse.

Sentei-me no espaço mínimo que estava livre ao lado de um barbudo com óculos de tartaruga, que resmungou incomodado. Para minha surpresa, segundos depois Sarah sentou-se ao meu colo. Abracei-a suavemente por trás e fechei os olhos. Procurava reter aquele momento perfeito para sempre. Mas nesse exato momento deu-se uma reviravolta no documentário, visto que o público começou a emitir suspiros de pânico.

Ao abrir os olhos, vi que um enorme cogumelo atómico emergia da cidade cinzenta. Compreendi então que aquela era a filmagem do ataque nuclear contra Hiroshima. Quando aquela energia monstruosa acabou por explodir, ouviu-se um dos pilotos a dizer: «Meu Deus, o que é que fizemos?»

Aquela cena pareceu comover Sarah, que se levantou de repente – com muita pena minha – e saiu da sala enquanto o público continuara hipnotizado com a expansão do cogumelo.

Corri atrás dela, que se tinha detido ao pé da porta da casa de banho, no corredor. Tinha lágrimas nos olhos.

Sem saber muito bem o que fazer, peguei na mão dela e aproximei-a dos lábios. Depois de um beijo leve, perguntei-lhe:

– Não queres entrar na casa de banho para te refrescares?

– Era o que faria se essa chata não continuasse aí dentro.

Lembrei-me da voz que ouvira antes de entrar na projeção e voltei a aproximar o ouvido da porta. Era ela, definitivamente. A mesma voz suave falava e falava sem parar. Estava surpreendido por, quem quer que fosse, manter uma reunião tão longa na casa de banho de uma discoteca. Bati na porta com o nó dos dedos.

Nada.

– Aqui passa-se alguma coisa estranha – disse enquanto empurrava a porta que se abriu sem opor resistência.

A casa de banho estava vazia. Assim estivera desde a nossa chegada. Como se a nossa intromissão tivesse sido detetada, a voz tinha-se calado.

Sarah entrou atrás de mim e fechámos a porta. Nessa altura a gravação voltou a arrancar. A voz feminina anunciou: «Carta de Albert Einstein a Theodore Roosevelt, 2 de agosto de 1939.»

A seguir, ouvimos a leitura de um texto já conhecido. Na missiva enviada ao presidente norte-americano, o pai da relatividade alertava-o para os avanços dos alemães na obtenção de uma bomba com um poder destrutivo nunca imaginado. E não se limitava a fazer esse aviso, encorajava também a administração norte-americana a concertar todos os meios para fabricar uma bomba atómica antes que os seus inimigos o fizessem, dando algumas indicações para iniciar o seu desenvolvimento.

Ao terminar a leitura da carta, a gravação voltou ao início, num loop onde aquele que – ironia do destino – mais à frente seria defensor do pacifismo, dava o pontapé de partida da corrida nuclear.

– Quem é que raio…?

Antes de poder terminar a frase, Sarah empurrou-me para o corredor, onde já desfilavam os espectadores do documentário.

– Vamos – sussurrou-me Sarah nervosa ao ouvido.

– Ainda não bebemos nada. Porque estás com tanta pressa?

A francesa mostrou-me o ecrã do seu telemóvel. Um remetente anónimo tinha-lhe deixado a mensagem:

SAIAM DO MT AGORA MESMO.

QUANDO SE ESVAZIAR,

ENTRARÁ QUEM NÃO DEVE.