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A VIA DE PAWEL
A mente é mais ampla do que o próprio céu.
EMILY DICKINSON
O carro que Pawel alugou era um Mercedes classe A que parecia acabado de sair da fábrica. Tinha chegado ao encontro com vinte minutos de atraso, por isso já passava das nove da noite quando entrámos na autoestrada 95 com destino a Nova Iorque.
– Espero que a sua amiga não esteja à sua espera para jantar – disse com voz grossa –, apesar de não devermos demorar mais do que uma hora a chegar. Onde quer que o deixe?
Pensei durante uns segundos na minha resposta. Não me interessava que Pawel, nem ninguém, soubesse do nosso esconderijo em Brooklyn, mas preocupava-me que tivesse mencionado uma mulher, quando não lhe dissera com quem me ia encontrar.
– O que o faz pensar que me vou encontrar com uma amiga?
O polaco ultrapassou com bastante segurança um enorme camião antes de responder com um leve sorriso:
– Os encontros noturnos de um homem costumam ser com uma mulher em oitenta por cento dos casos. Que eu saiba, à noite não há conferências e são raras as reuniões de trabalho com apenas uma pessoa.
Era uma explicação razoável que me dava alguma tranquilidade, apesar de me incomodar a segurança arrogante com que Pawel opinava sobre qualquer assunto. Decidi deixar-me ir:
– E os outros vinte por cento?
– São os homens que marcam encontros de noite com outros homens pela mesma razão que os restantes oitenta por cento.
Foi diminuindo a velocidade até entrar numa curva numa direção que não era claramente a de Nova Iorque.
– Onde vamos? – perguntei alarmado.
– A um restaurante de fast-food. Preciso de comer qualquer coisa. Importa-se?
Quer me importasse ou não, era óbvio que Pawel estava habituado a fazer o que bem lhe apetecia, e esperava que os outros o seguissem. De qualquer maneira, eu também começava a ter fome.
– Acompanho-o num hambúrguer, mas preciso de chegar a Nova Iorque antes da meia-noite.
– Como a Cinderela – brincou. – Não há problema.
As luzes do Friendly’s já brilhavam no final da estrada secundária. Tratava-se de um enorme restaurante envidraçado de forma circular. Havia um painel vermelho onde se acendia e apagava o néon com o nome do estabelecimento.
Àquela hora havia apenas um casal roliço que devorava em silêncio as suas gigantescas porções de comida.
O empregado dirigiu-se a mim diretamente em castelhano – com um sotaque mexicano – para nos levar à nossa mesa no extremo oposto da entrada.
– Como sabe que falo a língua dele? – perguntei a Pawel assim que se foi embora.
– Os empregados de mesa são grandes fisionomistas, especialmente nos restaurantes à beira da estrada. Pelo aspeto e pela maneira de andar do cliente conseguem até adivinhar de que cidade são originários. Eu também tenho essa capacidade.
Para o demonstrar, chamou o empregado que nos atendera com um descortês estalar de dedos. Quando chegou à nossa mesa, Pawel perguntou-lhe:
– Você é de Puebla, estou enganado?
– Não, está certo. Em que posso ajudá-los?
– Venha daqui a cinco minutos e já lhe diremos.
O empregado franziu o sobrolho e foi-se embora rapidamente. Estava, sem dúvida, a maldizer-nos. Percebi que Pawel era, muito provavelmente, um homem bastante odiado no seu departamento na universidade.
– Como é que sabia que ele era de Puebla? – perguntei-lhe, assombrado pela sua má educação e por ter acertado.
– De uma forma puramente empírica. Por causa do meu trabalho, venho aqui muito frequentemente e tenho o mau hábito de perguntar aos empregados imigrantes de onde são. Foi assim que descobri que os mexicanos de Nova Iorque e arredores que trabalham em restaurantes são quase sempre de Puebla.
Aquela conversa estúpida começava a cansar-me, por isso decidi deixar-me de brincadeiras para ir ao cerne da questão.
– O que achou do escritório de Einstein?
Pawel esfregou as mãos grossas e peludas antes de responder:
– Uma chatice, como todos os escritórios do mundo académico. Nem quero imaginar a quantidade de sestas que Einstein deve ter feito naquela cadeira.
– Pensava que era um grande defensor do pai da relatividade. Não encontrou nada de interessante em Princeton?
– Nada de novo. Só aquela maldita fórmula que está a dar dor de cabeça a muita gente.
Gostei que o polaco tivesse posto as cartas na mesa, porque assim terminaríamos o quanto antes.
– Quer dizer que também está a tentar decifrar a fórmula, como Jensen.
– Peço-lhe – protestou – que não me fale de pessoas vulgares. Em questões de ciência, dou apenas crédito a pessoas que tenham terminado uma licenciatura e um doutoramento, no mínimo. As outras fariam melhor em calar-se.
– Então é melhor deixarmos por aqui a nossa conversa – disse, aborrecido por ele ter falado mal do morto –, porque sou apenas um pobre jornalista especializado em tudo e nada ao mesmo tempo.
– Por favor, não me interprete mal – disse em tom conciliador. – Tomo-o por uma pessoa sensata que não faz alarido daquilo que não sabe. Tenho a certeza de que nesta altura já sabe bastante mais do que eu.
– E, por isso, está disposto a sacar-me a informação. Sinto muito dececioná-lo, mas não faço a mais pequena ideia do que essa fórmula significa. Como já referiu, não tenho um doutoramento, nem sequer uma licenciatura em ciências.
– A fórmula não me interessa muito. As minhas investigações vão numa direção totalmente diferente. Em colaboração com o departamento de neurologia da minha universidade, o meu trabalho é sobre o cérebro de Einstein. Essa é a chave, e em breve vamos chegar a novas conclusões.
– Gostaria de saber em que consiste o seu trabalho – disse, com repentina curiosidade.
– É lógico, mas é melhor explicar-lhe depois do jantar, porque o assunto pode ser um pouco desagradável.
A seguir, voltou a chamar o empregado com um estalar de dedos. O de Puebla veio-nos atender com uma fúria mal contida. Foi nessa altura que tive o pressentimento de que aquela noite ia acabar mal.