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O PROJETO MANHATTAN

Se eu soubesse, tinha sido relojoeiro.

ALBERT EINSTEIN

Viajar até ao deserto Jornada del Muerto num domingo de junho não era tarefa fácil. A localidade mais próxima era Carrizozo, uma povoação de mil almas no meio do nada. Para chegar lá de Nova Iorque era preciso apanhar um avião para Minneapolis, depois outro para Albuquerque e, por fim, alugar um carro até ao nosso destino final.

No total seriam mais de nove horas de viagem; assim, com sorte, chegaríamos de madrugada ao lugar mais triste do mundo.

A tese de Sarah era reforçada pelo «show da bomba» a que a mensagem anónima nos tinha conduzido. Entre a carta de Einstein para Roosevelt e a bomba lançada em Hiroshima estava o teste nuclear em Trinity. Tudo encaixava. Estávamos, sem dúvida, a seguir a pista certa.

Enquanto esperávamos pela partida do voo para Minneapolis, decidi ler o capítulo dedicado ao Projeto Manhattan no manuscrito de Yoshimura. Imprimira-o para perceber o que tinha levado ao primeiro teste nuclear da história.

Depois da célebre carta de Einstein e do ataque japonês a Pearl Harbor em 1941, o governo de Roosevelt percebeu que devia desenvolver a bomba atómica antes que os seus inimigos do eixo o conseguissem fazer. Após um início titubeante, em setembro de 1942, o coronel Leslie Groves assumiu o comando do projeto com um vasto grupo de cientistas, engenheiros e técnicos, a quem foram dados todos os meios para avançar com o projeto.

No seu primeiro dia no cargo, Groves encomendou 1250 toneladas de urânio do Congo Belga, que estavam à espera num armazém em Staten Island. O passo seguinte foi construir um local para levar a cabo a fissão nuclear. Em outubro desse mesmo ano, Julius Oppenheimer foi nomeado diretor da equipa de cientistas – a maioria eram imigrantes europeus – que trabalharia dia e noite no fabrico da bomba. Os laboratórios secretos ficavam no deserto de Los Álamos, no Novo México.

Dois anos depois, o Projeto Manhattan não tinha dado os resultados desejados. Em setembro de 1944 não dispunham de nenhum projeto que permitisse fazer explodir a bomba atómica. A situação melhorou no final desse ano, e no início de 1945 já duas bombas diferentes, a de plutónio e a de urânio, tinham data de entrega à vista.

A única coisa que preocupava Groves, que tinha sido promovido a general, era que a Segunda Guerra Mundial terminasse antes de poder lançar as bombas. De que servia uma arma nuclear sem um inimigo para destruir?

Apesar de a resistência do exército japonês já estar enfraquecida e de ter bastado bombardeamentos convencionais para conseguir a rendição, optou-se por lançar a bomba como ação «diplomática» do presidente Truman. Antes, a 16 de julho, os cientistas do Projeto Manhattan tinham conseguido fazer explodir com êxito uma bomba de plutónio num deserto do Novo México.

Chamou-me especialmente a atenção um artigo que Yoshimura reuniu sobre as gaffes que rodearam o lançamento de Little Boy sobre Hiroshima. Como nunca se tinha experimentado uma bomba de urânio, temia-se que a explosão pudesse causar uma reação em cadeia na atmosfera de todo o planeta. Ainda assim, o Enola Gay deixou cair a bomba de urânio em vez da de plutónio, cujas consequências eram conhecidas.

Outro risco – neste caso, estratégico – foi que a bomba desceu num pequeno paraquedas para amortizar a sua queda, já que devia rebentar a 600 metros do solo. Um delicado dispositivo que media a pressão atmosférica devia explodi-la ao chegar à altitude adequada.

Tendo em conta que dez por cento das bombas daquela época não chegavam a explodir, somado à complexidade do dispositivo, havia bastantes possibilidades de que Little Boy chegasse ao solo intacta. Os japoneses, que tinham uma tecnologia muito avançada, teriam apenas de apanhar a bomba e fazê-la rebentar na cidade norte-americana da sua eleição.

Apesar de tudo isto, as bombas de Hiroshima e Nagasaki explodiram eficazmente, causando uma grande comoção em todo o mundo. Einstein, que tinha incentivado a sua construção, ao perceber o efeito devastador, transformou-se num ativista incansável contra as armas nucleares. Em 1950 dirigiu-se da seguinte forma aos telespectadores dos Estados Unidos sobre a corrida às armas entre os Estados Unidos e a União Soviética:

Podemos ter derrotado um inimigo externo, mas fomos incapazes de nos libertar da mentalidade criada pela guerra. É impossível conseguir a paz enquanto cada ação for decidida pensando num possível conflito futuro.

Depois de ler todo o capítulo sobre o Projeto Manhattan, quando o velho Boeing levantou voo do aeroporto de La Guardia disse para mim mesmo que o mundo não tinha piorado assim tanto como se dizia. O 11 de setembro e a guerra global contra o terrorismo pareciam uma brincadeira de crianças em comparação com a Guerra Fria, quando milhares de bombas nucleares ameaçavam apagar as grandes cidades do mapa, provavelmente todas ao mesmo tempo.

Uma vez ouvira um comentador político dizer que na humanidade deve haver mais boas pessoas do que aquelas que imaginamos, pois com tantas bombas nucleares que há no mundo só se atiraram duas.

O problema é que as bombas continuam a existir, e desde então os conflitos no mundo não se simplificaram propriamente.

Enquanto me angustiava a pensar em tudo isto, Sarah abriu os olhos depois de ter dormido por breves momentos e olhou-me com curiosidade. A cor do seu olhar fez-me pensar no cabelo de Lorelei. Apesar de a meia-irmã da mulher que amava me ter salvo de Pawel, não confiava nela. Achava-a perfeitamente capaz de apertar o botão da bomba nuclear, caso o tivesse ao seu alcance.

Quanto à nossa investigação, até então ela andara sempre colada a nós. Tinha-me assegurado de que não viajava no nosso avião, mas não descartava a possibilidade de que acabasse por aparecer naquele deserto com dez vezes mais radiação do que a recomendada.

– Em que pensas? – perguntou-me Sarah.

– Estou a pensar na Lore. Há dois dias falaste-me de dois grupos: os que procuram a última resposta para resolver os problemas do mundo, a Quintessência, e a Irmandade, que está a tentar apropriar-se do segredo de Einstein. A qual deles pertence a tua irmã?

A francesa ficou pensativa durante alguns segundos antes de responder:

– A nenhum deles. Ela age por conta própria e só se fixa em objetivos egoístas.

– Então não percebo porque nos segue por meio mundo. É só porque te quer proteger?

– Duvido muito – respondeu Sarah.

– Qual é então o motivo?

– Tratando-se da Lorelei, pode ser qualquer coisa. Talvez até tenha gostado de ti e procure uma maneira de me tirar do caminho.

Olhei para a minha companheira com estupefação enquanto o Boeing iniciava as manobras para aterrar.