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A MULHER DE PEDRA
Quando o aluno está preparado, aparece o professor.
PROVÉRBIO ZEN
Moisés preferiu encabeçar a expedição na sua motocicleta, enquanto nós o seguíamos no nosso carro alugado. Dirigíamo-nos a uma parte de Valle de los Fuegos conhecida entre os locais como Malpaís devido à sua extrema aridez.
Para lá chegarmos conduzimos durante cerca de seis quilómetros pela solitária NM 380 até nos desviarmos para uma estrada secundária que acabava numa zona de campismo. O nosso guia estacionou a sua moto e indicou-nos que podíamos deixar o nosso carro ali.
O céu estava tão limpo e as estrelas brilhavam com tanta intensidade que a terra inteira resplandecia com a luz azulada.
Moisés conduziu-nos até um promontório na zona de campismo de onde se via uma gigantesca formação de lava. Rios de pedra queimada formavam suaves colinas e barrancos numa paisagem incrível. Alguns arbustos lutavam para abrir caminho por entre as rochas esculpidas pelo vulcão há mil e quinhentos anos, numa demonstração da perseverança da natureza.
– Custa-me imaginar que alguém possa viver aqui – comentei fascinado com aquela paisagem.
– Apenas a mulher de pedra pode – respondeu o nosso guia. – É por isso que a chamamos assim.
Dei uma vista de olhos à zona de campismo, onde não havia uma única tenda montada. O lugar era demasiado solitário e tenebroso para alguém querer passar ali a noite.
– Vamos ver se a encontramos – disse Moisés, e indicou-nos um estreito caminho que atravessava o vasto mar de lava.
Apesar de eu e Sarah estarmos a usar calçado desportivo, as rochas pontiagudas que se cravavam nas solas dos sapatos dificultavam o nosso avanço.
Caminhámos durante mais de meia hora naquele lugar dantesco, iluminados por uma lua gigante que parecia estar a pouca distância das nossas cabeças.
Se Carrizozo me tinha parecido o fim do mundo, Malpaís era o lugar mais desolado à face da Terra. Enquanto subíamos por uma colina rochosa, agradeci termos feito aquele caminho de noite. Debaixo do sol, aqueles campos de lava deviam ferver como o Inferno.
– Já chegámos – anunciou Moisés, enquanto nos assinalava a entrada de uma gruta do outro lado da colina. – Esperem por mim aqui. Se formos muitos podemos assustar a mulher de pedra.
A seguir, desceu pela colina. Ao chegar à entrada da gruta, acendeu e apagou a lanterna duas vezes. Parecia um sinal. Depois ficou à espera com as mãos na cintura, mas nada aconteceu. Finalmente entrou na gruta.
Poucos segundos depois saiu encolhendo ligeiramente os ombros, o que significava: «Não tive sorte.» Mas nem tudo eram más notícias.
– Continua a viver aqui – declarou. – Lá dentro vi os restos de uma fogueira e uma cesta com fruta fresca. Deve ter saído.
Abracei com o olhar aquele imenso mar de lava antes de perguntar:
– Saído? Para onde?
– A mulher de pedra conhece muito bem este lugar e procura ervas medicinais para curar as maleitas. É velha. Querem ver onde ela vive?
– Não, isso não me parece bem – interrompeu Sarah. – Esperamos aqui por ela.
– Pode não regressar durante toda a noite – avisou-nos Moisés. – A mulher de pedra gosta de passear à noite. Às vezes vai até Ruidoso, uma povoação que não fica muito longe daqui, ou até Alamogordo, apesar de ser proibido.
– Alamogordo? Onde é que isso fica? – perguntei.
– Perto do Jornada del Muerto – respondeu. – Mesmo onde explodiram essa bomba de que toda a gente fala.
Sarah olhou para mim e ambos pensámos o mesmo: Trinity.
– Mas de certeza que hoje não foi tão longe, porque senão teria levado a fruta. A mulher de pedra não come carne.
– E onde é que arranja a fruta? – perguntei intrigado. – Vai até Carrizozo fazer compras?
– Nunca! – exclamou o rapaz. – Não seria bem recebida. Na povoação corre a notícia de que é uma feiticeira, porque vêm pessoas de fora visitá-la para lhe pedir remédios. Trazem-lhe comida e ela ainda lhes ordena que façam outras coisas mais longe.
– Que tipo de coisas? – perguntei fascinado. – E longe como?
Moisés encolheu os ombros e bocejou. Tinha-nos contado tudo o que sabia.
– De certeza que querem passar aqui a noite? – insistiu antes de iniciar a viagem de regresso.
– Vamos esperar por ela durante um bocado – disse Sarah muito serena.
Depois de nos despedirmos, o rapaz desceu pela colina. A seguir começou a caminhar em direção à zona de campismo até que deixámos de o conseguir ver por entre as rochas celestes.
O silêncio era tão absoluto que quase provocava dores de ouvidos.
Sentámo-nos numa clareira da colina sem rochas. Sarah passou-me o braço pela cintura e apoiou a sua cabeça no meu ombro. Permanecemos assim durante muito tempo, como um casal que chegou ao fim do mundo e não espera que nada mais possa acontecer.
Apesar de não me lembrar de ter adormecido, quando abri os olhos tinha a cabeça no colo de Sarah, que me acariciava lentamente o cabelo. A noite do deserto começava a dar lugar a um ténue arroxeado, que se levantava como um manto no horizonte longínquo.
O silêncio já não era absoluto. Um doce crepitar fez-me levantar para ver de onde vinha.
– Ali – disse Sarah emocionada enquanto me assinalava a entrada da gruta.
Uma luz suave ondulava no interior.