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A HISTÓRIA DE MILEVA

Separemos o judaísmo dos profetas, e o cristianismo ensinado por Jesus de tudo o que foi acrescentado posteriormente – sobretudo pelos sacerdotes – e encontraremos uma doutrina apta para eliminar a doença da humanidade.

ALBERT EINSTEIN

A mulher de pedra tinha um longo cabelo branco e a pele gretada como a terra seca. Contudo, os seus olhos possuíam a mesma vivacidade que os de Lieserl na fotografia que tínhamos visto em Staten Island. Era o brilho da curiosidade que estava presente em todos os retratos de Einstein.

Sem dúvida, aquela anciã prematura era Mileva, filha de Lieserl e do seu segundo marido, neta de Albert e Mileva.

Tínhamos chegado ao nosso destino.

Convidou-nos a entrar na gruta com a mesma voz doce que tinha ouvido ao telefone. A mesma que lera a carta de Einstein a Roosevelt na gravação do Monkey Town. E provavelmente eram aquelas mesmas mãos enrugadas que tinham escrito os envelopes e os postais para um encontro a milhares de quilómetros dali.

Como o tinha feito era um mistério que depressa íamos resolver. Mas antes havia outras questões que fumegavam como o chá que a mulher de pedra mexia no caldeirão.

– Fizeram uma longa viagem para conhecer esta velha esquecida pelo mundo – disse em castelhano com um ligeiro sotaque mexicano. – Mas temo que vão ter uma deceção. Posso-vos dar muitas respostas, mas não a que procuram.

Tínhamo-nos sentado em cima de uma pele de ovelha, em frente a uma ampla e plana pedra que nos servia de mesa. Mileva acomodou-se do outro lado depois de servir com uma colher três chávenas de chá do deserto. O seu longo cabelo branco caía sobre um poncho típico das mulheres índias.

– Se aquilo que nos vais dizer não é importante – disse, tratando-a também por tu –, porque nos deixaste pistas em meio mundo para que viéssemos até aqui?

A anciã sorriu bondosamente e respondeu:

– Não disse que não era importante. Quero partilhar convosco algo que julgo ser essencial para o mundo, mas não vou ser eu a abrir a última porta. Não me compete a mim fazê-lo. E também não sei o que há por trás, para vos ser sincera.

Sarah olhava para a mulher do deserto com lágrimas nos olhos. Compreendi que para ela o simples facto de estar diante da filha de Mileva Marić era um prémio que compensava toda aquela odisseia. Mas eu não partilhava da mesma opinião.

– Há pessoas que se dedicam a assassinar aqueles que se aproximam da última resposta – disse, mencionando o objeto da nossa busca. – Alguma coisa importante deve haver do outro lado da porta, para que semeiem a morte entre aqueles que tentam apropriar-se do que lá está.

– Pode matar-se por algo que não se conhece nem nunca se viu – disse a mulher de pedra –, como os europeus que procuravam o El Dorado, ou os suicidas que morrem por Deus. Mas não se preocupem, o deserto protege-nos.

Tive de pensar no nosso Moisés. Se aqueles que se queriam apropriar da última resposta dessem com ele, encontrariam o caminho até àquele esconderijo.

– O que esperam obter? – perguntou Sarah, que não conseguia conter a sua emoção.

– Coisas diferentes. Talvez uma nova fonte de energia para alimentar as máquinas neste mundo enlouquecido. Ou talvez queiram apenas apropriar-se da teoria da unificação para ganharem o Nobel da física. Todas as ambições podem matar, mas temo que o que nos espera por detrás da porta seja algo muito diferente.

Aquele discurso circular e metafórico começava a enervar-me, por isso decidi fazer o meu papel de jornalista pragmático.

– Apesar de ainda não podermos abrir essa «última porta» de que falas, talvez nos possas mostrar outras divisões da casa do teu avô. Conseguiu encontrar por fim uma fórmula para as quatro forças fundamentais?

– À sua maneira, sim, mas ainda não estão preparados para o compreender.

– Quando achas que estaremos?

– É impossível de dizer. Cada caminhante confere um ritmo diferente aos seus passos. Mas o importante é chegar.

Fez-se um silêncio que não era de todo incómodo. Com Sarah ao meu lado e aquela idosa de voz doce sentia-me em casa. Era um lar remoto no meio da paisagem mais desoladora, mas era um lar ao fim ao cabo.

As brasas crepitavam iluminando um espaço decorado com poucos tapetes, algumas caixas com víveres e uma prateleira encaixada na rocha com utensílios de cozinha.

– Como chegaste até aqui? – perguntou Sarah.

– Depois de se separar do seu primeiro marido, a minha mãe viveu uma breve temporada em Nova Iorque e depois instalou-se em Cloudcroft, uma aldeia na montanha perto de Trinity. Apesar de nunca ter querido conhecer o seu pai, sentia-se culpada porque ele tinha inventado a fórmula da bomba atómica. Por isso, dedicou todos os seus esforços na luta contra a energia nuclear. Em Cloudcroft, onde há pistas de esqui, conheceu um viúvo que geria um pequeno restaurante e apaixonou-se por ele. Apesar de a minha mãe ter mais de quarenta anos, teve com ele uma segunda filha e aqui estou eu.

– Continuaste então o trabalho da tua mãe – disse.

– De certa maneira, apesar de ela nunca me ter perdoado ter entrado em contacto com o pai dela. Para além de a ter abandonado, culpava-o de todos os males da humanidade. Por isso, quando fiz dezoito anos vim-me embora de Cloudcroft e viajei pela Europa com o dinheiro que o meu avô me tinha deixado depois da sua morte. Aí aconteceram-me muitas coisas, umas alegres, outras tristes. Vivi dois anos em Paris, mantive relações com pessoas que pudessem acolher a última resposta. A seguir regressei ao Novo México e vivi em Capitan, uma povoação extremamente tranquila. Tenho aí uma casinha, mas enquanto a saúde me permitir prefiro viver neste deserto. Uma pessoa sente-se mais próxima de Deus.

Lembrei-me da história de Jalil Gibran enquanto a mulher voltava a encher as chávenas com a infusão do caldeirão. A seguir olhou para a claridade que começava a entrar pela gruta e disse:

– Já é de dia. Deviam ir-se embora antes que o sol vos queime no caminho de volta.

– Quando te voltaremos a ver? – perguntou Sarah, apertando com força uma das mãos da anciã.

A mulher de pedra dirigiu-nos um olhar carinhoso antes de dizer:

– Amanhã à meia-noite.