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A SEGUNDA RESPOSTA
Somos moldados e guiados pelo que amamos.
JOHANN WOLFGANG VON GOETHE
Após outra noite de longas conversas – com a mulher de pedra e mais tarde com Sarah até cairmos de sono – dediquei o dia de quarta-feira a introduzir no meu computador tudo o que estávamos a descobrir.
A «primeira resposta» de Mileva tinha sido reveladora e talvez fosse o preâmbulo da última resposta. Em pequeno sempre me tinha questionado por que razão situamos os sentimentos num órgão que bombeia sangue e o leva a todo o organismo. Porque não situá-los no cérebro onde teoricamente se geram as ideias e as emoções?
Agora sabia que albergamos no nosso peito muito mais do que somos capazes de imaginar.
Sarah lembrava-se de ter visto um documentário sobre biologia que a tinha impressionado especialmente. Mostrava uma gema de ovo na qual flutuava um pontinho vermelho de sangue. Ao ampliá-lo ao microscópio, os investigadores descobriram que o minúsculo coágulo de sangue pulsava, antes mesmo de se ter formado o coração da ave.
Isso demonstrava que a ânsia de vida precede até mesmo o órgão que nos permite vivê-la.
A mulher de pedra já nos esperava à entrada da sua gruta. Depois do ritual do chá, desta vez foi Sarah quem decidiu pedir a segunda resposta que nos tinha prometido.
– Faz tempo que nos encontramos com a fórmula E = ac2 – explicou emocionada. – Já demos muitas voltas à cabeça, mas não conseguimos chegar a acordo quanto ao significado do «a».
Mileva semicerrou os olhos com um sorriso, como se estivesse a lembrar-se do exato momento em que o seu avô lhe confiara a fórmula. A seguir respondeu:
– Se pensarem no coração de Albert não será difícil adivinharem a resposta.
– Amor… – atrevi-me a dizer. – Se na fórmula da energia substituirmos massa por amor, então a energia é igual ao amor multiplicado pela velocidade da luz ao quadrado. O que diabo significa isso?
Sarah olhou para mim com admiração – por uma vez, tinha acertado em cheio –, enquanto a anfitriã se dispunha a explicar a minha dedução.
– Antes de mais, é preciso especificar a que tipo de amor nos referimos. Para começar, uma fórmula só pode conter símbolos universais. Quer dizer, uma letra universalmente aceite para substituir um elemento; o «a» pode simbolizar «amor» nas línguas latinas, mas um falante de alemão como Einstein nunca o teria utilizado.
– Parece-me evidente – disse envergonhado pela pouca subtileza da minha dedução. – Então devemos descartar o amor como motor de uma nova energia.
– Pelo contrário, é uma dedução brilhante, mas primeiro devemos saber de que tipo de amor estamos a falar.
– A que te referes? – perguntou-lhe Sarah reverente enquanto levava a chávena aos lábios.
A mulher de pedra levantou-se e deu uns passos até à saída da gruta, onde contemplou durante alguns instantes as estrelas a brilhar no céu. A seguir regressou lentamente para junto de nós, como um velho mestre que quer que os seus ensinamentos fiquem para sempre:
– Os antigos gregos, que eram muito sábios, aperceberam-se de que o amor não é apenas um conceito, mas sim que abarca três grande dimensões. Uma é o Eros, a dimensão do desejo. É graças a ela que aqui estamos, porque o desejo faz com que os corpos se conectem e, movidos pela busca egoísta do prazer, damos lugar à vida. A segunda dimensão é Filia, a amizade baseada na cumplicidade. Quem ama não espera receber muito, deseja sim partilhar. Com a amizade damos e recebemos o melhor do mundo. Finalmente há a forma de amor mais elevada, Ágape, que é o amor puro. Este amor nasce do que que dá tudo sem esperar nada em troca: o amor da entrega, da paciência e do perdão… É o amor da compaixão e da paz, é o amor que tudo une. Ao contrário de Eros, Ágape não é o amor da matéria, mas sim do espírito.
Depois deste revelação ficámos mudos, com a certeza de que nos íamos recordar daquelas palavras muito depois de abandonar a gruta pela última vez.
Decidi voltar à questão:
– Quer dizer que «Ágape», que é um termo grego universal, é o que significa o «a» na última fórmula de Einstein.
– Sim, podemos falar de Ágape ou de amor incondicional. Se regressarmos à fórmula, talvez agora compreendam o seu sentido. Quando na primeira fórmula da energia, depois da massa pôs «c2», ou seja, a velocidade da luz ao quadrado, o que o meu avô pretendia era mostrar um número tão grande que se aproximasse da nossa ideia de infinito. De forma muito simplificada, quis dizer que toda a massa tem a capacidade de se transformar numa energia quase ilimitada. É por isso que se diz que apenas com uma ameixa, se a massa se transformar totalmente em energia, se poderia incendiar uma cidade inteira.
Neste ponto foi Sarah quem tomou a palavra:
– Por isso, a última fórmula de Einstein diz-nos que o amor, quando é infinito, se transforma na energia mais poderosa do Universo. Ou simplificando muito: o amor tudo pode.
Ficámos os três em silêncio. Era um momento solene. Talvez não tivéssemos solucionado nenhum dos problemas do mundo, mas começava a vislumbrar-se um caminho entre as trevas.
A ideia era, contudo, demasiado vaga para ser científica, o que me fez adotar o meu papel mais racional.
– É esta a última resposta de Einstein?
– Não propriamente – respondeu Mileva. – Digamos que é uma interpretação da última fórmula que o meu avô nos legou. Falta-nos o desenvolvimento que ele elaborou em três folhas antes de morrer.
– Onde está esse documento? – perguntei.
A única luz que havia na gruta era o brilho ténue das brasas, mas os olhos da anciã irradiavam entusiasmo.
– Lamentavelmente, nunca foi encontrado.
Olhei para o meu relógio. Eram duas da manhã. Debaixo do olhar penetrante da mulher de pedra desenhavam-se duas profundas olheiras. Declarou:
– Podemos encontrar-nos mais uma noite. A seguir devem ir-se embora desta parte do mundo. Essa é a combinação.
Levantámo-nos um pouco consternados com aquela mudança de tom. A mulher de pedra apercebeu-se disso e acabou por dizer:
– A vossa companhia é-me muito agradável, mas a situação piorou. Os que pretendem roubar a última resposta, apesar de ninguém saber onde está, já vagueiam por Trinity. É uma questão de dias até que aqui cheguem. Tenham os olhos bem abertos.