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O CONTEÚDO E A FORMA

Se Deus não é amor, não vale a pena que exista.

HENRY MILLER

Naquela mesma madrugada regressámos pela estrada 380 com um amargo sentimento de derrota. Deixámos um bilhete de agradecimento a Moisés com uma nota de cem dólares para os gastos de água e eletricidade, com a esperança de que mandasse os lençóis e a coberta para a lavandaria.

Quando regressámos em plena noite e vimos dois Mercedes novos estacionados junto à bomba de gasolina, soubemos que era hora de partir de Carrizozo para nunca mais voltar.

À medida que nos afastávamos da infame Trinity, o perigo diminuía exponencialmente, mas com ele dissolviam-se também as esperanças de chegar até ao final do mistério.

Enquanto atravessávamos a estrada deserta, disse:

– Não serve de muito dizer que o conteúdo, quer dizer, o esconderijo, está no nome, quando não sabemos a que nome se refere.

Eram quatro e meia da manhã e tínhamos de fazer um grande esforço para não adormecermos ambos e acabarmos ali mesmo a viagem da pior maneira.

Com os olhos inchados de sono, Sarah respondeu:

– Tem de ser um nome muito óbvio, para Einstein o dizer a uma criança. Tão óbvio que nos está a passar ao lado.

Depois de vários dias no desolador Carrizozo, as luzes de Socorro – a cidade tinha oito mil e quinhentos habitantes – fez-nos pensar que tínhamos chegado a Las Vegas. Eram cinco e meia da manhã e ainda faltavam duas horas para chegar a Albuquerque.

Ali decidiríamos o que fazer, apesar de termos basicamente duas opções: continuar o nosso périplo pelos Estados Unidos, talvez pelo Kansas de Harvey, ou seguir a pista de Einstein pelas cidade europeias onde tinha dado aulas: Praga e Berlim.

Antes disso, contudo, ao passarmos ao pé do Holiday Inn, desta vez fui eu quem sugeriu descansarmos durante algumas horas para continuarmos na manhã seguinte. Sarah concordou e voltámos a passar pela receção, onde nos atendeu o mesmo homem com óculos de massa.

– Vêm de Roswell? – perguntou, voltando ao tema dos extraterrestres.

– Qualquer coisa do género – respondi, sem mais comentários, ao entregar os passaportes. – Queremos dois quartos individuais, para apenas uma noite.

– Basta um quarto para os dois – corrigiu-me Sarah.

A seguir piscou-me o olho antes de dizer:

– Habituei-me a dormir contigo.

Completados os trâmites, o rececionista convidou-nos a levar nós mesmos as nossas malas para o primeiro andar.

O quarto era tão impessoal como aquele onde tínhamos ficado três dias antes, com a mesma cama king size apta para clientes descomunais ou para casais de circunstância como nós.

Como era habitual, cedi a Sara a casa de banho e deitei-me na cama com o comando à distância na mão. Enquanto fazia zapping pela porcaria que dava na televisão, o barulho do duche indicou que Sarah ainda demoraria a sair.

Eu próprio tinha muito pó acumulado para passar por água quente antes de me deitar, mas não conseguia manter os olhos abertos. Improvisando uma solução pouco ortodoxa, despi-me e vesti roupa interior limpa antes de me meter debaixo dos lençóis, que em comparação com os do pai de Moisés cheiravam a rosas.

Estava prestes a apagar o candeeiro quando me apercebi de que estavam dois livros em cima da mesa de cabeceira. Deviam ter sido deixados pelo último cliente. A curiosidade foi mais forte e tive de dar uma vista de olhos.

Tratava-se de um guia alemão do Novo México e de um dicionário de espanhol-alemão-espanhol.

Enquanto procurava com avidez Carrizozo para saber o que dizia o guia, procurei imaginar que tipo de pessoa se tinha alojado naquele quarto. Visto que da primeira vez o rececionista tinha dito que ali se alojavam poucos estrangeiros, a presença de um visitante com um guia adquirido na Alemanha – a primeira pátria de Einstein – na rota para Trinity não augurava nada de bom.

Algo me dizia que naquela mesma cama se tinha deitado um peso pesado da Irmandade. Com a morte de Pawel, era provável que se tratasse do próprio líder, provavelmente acompanhado pelo cúmplice da furgoneta.

Aliviado com a ideia de sair do Novo México, depois de divagar um pouco devolvi o guia à mesinha de cabeceira e apaguei a luz. Para além do perigo, pensar em Einstein tinha-me provocado um estranho vazio no estômago. Desde que tinha saído de Barcelona, e até mesmo antes, pensava no pai da relatividade todos os dias, mas aquela sensação fora diferente. Alguma coisa importante tinha feito disparar a minha intuição e estava prestes a desvanecer-se.

Antes que isso acontecesse, voltei a acender o candeeiro.

Foi nessa altura que se fez luz.

Lembrei-me do que Sarah dissera sobre o nome que continha a pista para se chegar à última resposta: «É tão óbvio que nos está a passar ao lado.»

O mais óbvio dos nomes era Einstein, e pelo pouco alemão que tinha aprendido sabia que «ein» é o artigo indeterminado «um» ou «uma», visto que os géneros dos nomes alemães muitas vezes não concordam com os castelhanos. Faltava saber o que significava «Stein», se é que tinha algum significado.

Agarrei avidamente no pequeno dicionário e passei as finas folhas a toda a velocidade até chegar ao S. Uma descarga de adrenalina percorreu-me as costas ao comprovar que «Stein» existia e significava uma coisa com sentido: «Pedra». Por isso, a tradução do nome de Einstein era «Uma pedra».

E eu sabia que pedra continha o tubo de alumínio com as três folhas da última resposta.

Estava tão excitado que quando Sarah saiu do duche em roupão, expliquei-lhe aos gritos o que acabara de descobrir. Pela palidez que cobriu o seu rosto, percebi que tinha pensado o mesmo que eu: a última resposta de Einstein estava escondida em Cadaqués, dentro da rocha do jardim áureo.

Tínhamos de viajar para lá imediatamente, antes que os outros chegassem à mesma conclusão e o documento se perdesse para sempre.

Possuído pela necessidade de agir sem demora, levantei-me dos lençóis e anunciei:

– Temos de partir agora mesmo.

Sarah olhou para mim assombrada e a seguir deixou escapar uma gargalhada antes de dizer:

– Se a última resposta de Einstein está há meio século nesse jardim, pode esperar mais umas horas até ser descoberta.

A seguir, desapertou o roupão, que caiu no chão, e atirou-se para os meus braços.