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A ESPIRAL ÁUREA
Deus não escreveu a sua mensagem unicamente na Bíblia. Também o fez nas árvores, nas flores, nas nuvens e nas estrelas.
MARTINHO LUTERO
Yoshimura conduziu-nos para o jardim zen, ao qual se acedia pela porta de um quarto contíguo à sala. A grande rocha polida parecia a carapaça de uma estranha espécie de tartaruga que tivesse a cabeça oculta por baixo de um mar de gravilha. Esta desenhava uma espiral que aumentava de tamanho a cada volta.
O anfitrião levantou os olhos para o azul do céu antes de apontar para a espiral de gravilha:
– Obedece às proporções áureas. Quer dizer, cada volta da espiral é 1,618 vezes maior do que a anterior. Este valor é conhecido como o número de ouro.
– E para que serve? – perguntou Sarah interessada, enquanto se agachava para pôr uma pequena pedra no sítio.
O olhar do físico deteve-se fugazmente no traseiro empinado da francesa, antes de responder:
– É um número que se utiliza em álgebra há milhares de anos. Os egípcios chegaram a ele medindo a geometria da natureza, que frequentemente cresce segundo esta proporção. As nervuras das folhas de algumas árvores ou as espirais das conchas aumentam de medida seguindo a proporção áurea. Ou seja, uma espiral que mede 10 milímetros, na volta seguinte mede 16,18 e assim sucessivamente. Os gregos levaram muito a sério esta proporção na hora de desenhar os seus edifícios e estátuas.
– Bravo – felicitou-o o japonês. – Eu não teria explicado melhor.
– É bastante mais simples do que a física quântica – retorquiu Pawel, feliz com o seu protagonismo. – De qualquer maneira, de certeza que lhe deu bastante trabalho fazer esta espiral de gravilha.
– Tenho de admitir que não me deu trabalho nenhum – disse o velho, juntando as mãos com modéstia. – Este jardim já existia quando comprei a casa. Tive apenas de limpar as folhas que tinham caído ao longo dos anos: cobriam por completo a espiral à volta da rocha. Imaginem a minha surpresa quando encontrei tudo isto.
– Deixa-me verdadeiramente espantado que alguém de Cadaqués tenha construído um jardim zen como este – intervim. – Para além das excentricidades de Dalí na sua casa de Port Lligat, a arquitetura desta aldeia é muito tradicional.
– Já lá chegaremos – retorquiu o japonês. – Tirou-me as palavras da boca sobre uma história bonita que lhes queria contar. Sabem quem é que mandou construir esta casa em 1927? Vou dar-lhes uma pista: foi a mesma pessoa que criou este jardim com as suas próprias mãos. As mesmas mãos que…
– …supostamente tocaram o violino numa praça aqui perto – acrescentei.
– Albert Einstein! – exclamou Jensen. – Senhor Yoshimura, preciso de lhe pedir autorização para que os meus colaboradores aqui venham fazer uma reportagem sobre esta casa e este jardim. Se foi Einstein quem o fez com as suas próprias mãos, de certeza que tem algum mistério escondido.
– 1,618 – disse Pawel irritado. – Esse é todo o mistério que vai encontrar aqui. Um código que as crianças da Antiga Grécia sabiam de cor e salteado.
– Um momento – interrompeu Sarah com um brilho azul no olhar –, o que é verdadeiramente extraordinário é que nos encontremos numa casa de Einstein que não foi catalogada pelos seus biógrafos…
– …até agora – concluiu o japonês. – Estou a terminar uma biografia que reúne também essa parte da vida dele. Não sabemos muito sobre as suas idas e vindas a Cadaqués. Pelos vistos, mandou construir esta casa para se escapar de vez em quando para este recanto no Mediterrâneo. O construtor era amigo dele e cuidava-lhe da propriedade, que estava legalmente em seu nome para manter segredo. Com a morte de Einstein, o seu filho herdou a casa e pô-la à venda quinze anos depois, com o boom turístico da Costa Brava. Felizmente consegui comprá-la antes que um especulador a destruísse para construir prédios.
– Como teve conhecimento desta casa? – perguntou Sarah. – Se nem sequer estava em nome de Einstein, não seria fácil dar com este achado.
Yoshimura esboçou um tímido sorriso antes de responder:
– Nós, os japoneses, somos muito meticulosos quando decidimos investigar alguma coisa. Desde que me licenciei em história da ciência que preparo a minha biografia sobre Albert Einstein, a definitiva. Tive a sorte de nascer numa família abastada, que sempre me apoiou nesta investigação na qual investi metade da minha vida. Quando um agente imobiliário de Tóquio me informou sobre a «casa singular» que tinha sido posta à venda em Cadaqués, não hesitei em comprá-la. A seguir mudei-me para aqui para continuar o meu trabalho, que espero terminar no final deste ano.
– O senhor é o meu herói – afirmou Jensen efusivamente. – Para além da reportagem fotográfica sobre a casa e o jardim áureo, gostaria de publicar na Mysterie, com a sua autorização, uma extensa entrevista sobre o seu trabalho acerca do génio.
– Não sei se o meu editor o permitirá – respondeu o japonês, enquanto nos indicava que voltássemos à sala. – Recebo, de há dois anos para cá, um salário mensal sob a condição de que as revelações do meu estudo não venham a público.
– Revelações! – exclamou Jensen entusiasmado.
– Mas posso contar-lhe outros pormenores da vida de Einstein que não são secretos, apesar de não serem conhecidos do público em geral. Por exemplo, o violino que guardo no andar de cima e que lhes mostrarei com muito gosto. Acompanham-me?
Enquanto subíamos as escadas, o dinamarquês insistiu em trazer «os seus rapazes» no dia seguinte para avançar com a reportagem fotográfica, ao que o japonês lhe respondeu:
– Temo que terá de esperar ainda algumas semanas. Amanhã viajo para Princeton. O senhor já sabe que foi ali que Einstein trabalhou nas últimas décadas da sua vida.
– Entre 1935 e 1955 – acrescentou Sarah.
– Exatamente – continuou o japonês – e, pelos vistos, no escritório que ele ocupou acabaram de descobrir um documento que ele tinha ocultado.
– Outra revelação… – disse Jensen, mal contendo o entusiasmo que aquelas notícias lhe provocavam.
– Pode não ser nada de importante, apesar de o diretor do centro me ter garantido que mo mostrará em primeira mão. De qualquer maneira, se tiver algum interesse, incluí-lo-ei na versão final do livro.
– Mas assim deixará de ser notícia!
– Entretanto fale da espiral áurea e do violino de Einstein. Penso que não lhe estão a prestar a devida atenção.
Com uma certa vergonha, nós, os convidados, dirigimos a nossa atenção para uma vitrine simples onde estava guardado um violino com a madeira danificada por causa da humidade, como se tivesse passado parte da sua reforma ao ar livre. Por trás do instrumento com o seu arco havia uma partitura amarelada: A dança das bruxas de Paganini.
– Segundo sei, para além de Mozart, gostava de tocar esta peça – acrescentou Yoshimura, contente com o silêncio que se tinha criado. – O violino e aquela partitura são tudo o que resta da passagem de Einstein por esta casa. Para além do jardim, claro.
A luz da tarde pareceu desaparecer de repente enquanto contemplávamos umas quantas fotografias antigas de Cadaqués que decoravam as paredes.
– Enquanto não se publicam as revelações – atrevi-me a dizer –, neste momento o principal mistério é saber quem nos mandou os postais para que viéssemos aqui.
Olhámo-nos todos em silêncio, incluindo o anfitrião. Era evidente que se a iniciativa tinha partido de algum deles, por alguma razão o autor preferia manter-se incógnito.