A Greve
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- Authors
- London, Jack
- Publisher
- Editora Pão e Rosas
- ISBN
- 9782952829229
- Date
- 1907-01-01T00:00:00+00:00
- Size
- 0.22 MB
- Lang
- pt
Este conto é inédito no Brasil. Ele está sendo publicado na esteira de algumas reedições de obras do autor.
Em A Greve, London enfoca o tema com uma humanidade perfeita. Não há nada fora das reais medidas da vida. E, no entanto, há uma enorme inventividade literária.
Há uma greve, mas onde estão as descrições das passeatas? Onde os piquetes e os clássicos enfrentamentos com a polícia?
Não é isso que interessa a London retratar. Até porque ele não é um retratista fiel, da natureza ou dos movimentos sociais. Talvez seja um impressionista, que sai à luz do dia, observa ao redor, capta a luminosidade que emana da realidade, mas filtra tudo isso com a mente aguçada de um criador. É o que vemos no papel.
Ele busca com este conto fazer compreender. Por isso, não se trata de uma tragédia operária somente, com o foco exclusivo nesta classe social. Ele vê mais longe: ali onde outros olhares poderiam reter somente um drama exclusivamente restrito a uma parcela da sociedade, o escritor faz emergir os dilemas da humanidade.
É filosofia, como Goethe com o seu célebre Doutor Fausto o era. “No começo não era o verbo, era a ação”. E assim, na literatura, Goethe procurava exprimir a época da revolução industrial, do conhecimento científico, do progresso técnico.
London exprime com este seu conto A Greve (como já o havia feito em A Praga Escarlate) a encruzilhada a que as elites capitalistas empurram o mundo. Ele exprime as angústias da civilização.
Dos grandes aos pequenos detalhes da organização social, quem depende de quem? Os trabalhadores dependem dos capitalistas ou estes é que dependem para viver – até no mais fútil detalhe – dos trabalhadores? Do mais elementar café da manhã burguês até o drink no clube, tudo é comoventemente atrapalhado pela insolência dos grevistas em paralisar o trabalho.
É este tom dramático, dado à inoperância dos capitalistas na vida cotidiana, em que mais parecem crianças dependentes de suas mães, que cria o clima estranho e insólito da situação. À primeira vista não parece real e crível, porque entre a realidade e a aparência há um espesso cortinado de ideologia para encobrir a situação. No entanto, o brilhantismo de Jack London está em utilizar sua genialidade literária para fazer correr o pano que turva a visão, abrindo a cortina e deixando o olhar entrar. Neste caso, a hipótese da greve geral é apenas o meio laboratorial onde ele faz aparecer as condições sociais perfeitas (como nas experiências científicas em que se criam as condições para os experimentos) que revelam toda a verdade por trás da mistificação.
Jack London não é só um inventor de histórias, mais um espírito livre o suficiente, capaz de captar as contradições da vida moderna e a expor com maestria espetacular.
Há os que pensam na sociedade dos Estados Unidos como desprovida de choques, de situações-limite. Imaginam que isso de enfrentamento de classes sociais, de conflitos de interesses, de maioria oprimida é coisa que acontece nos chamados países do Terceiro Mundo.
Nisso London é revelador. Brilhantemente revelador. Não permite, como um filho do proletariado, como um andarilho por ruelas, portos, estações ferroviárias do seu país e do mundo, que nos enganemos sobre a existência de apenas um único sonho americano, o da classe média. Existe também “o sonho de Debs”, líder operário que empresta seu nome ao título original do conto.
Como existiu o sonho dos Communards na Paris de 1871, naquela primeira tentativa de “assalto aos céus”.
Não temam se emocionar com este conto, assim como não evitem as reflexões que ele estimula. Nada mais inumano do que querer separar com uma muralha da China a vida e a arte. Nada mais desumano que tentar fugir dos dilemas que colocam em xeque a nossa civilização.
London não traz respostas. Semeia indagações. E só isso já é grandioso e visionário. O resto, de lá para cá, a história do século XX tratou de colocar-nos mais nitidamente diante dos olhos.