O Principe com Orelhas de Burro
- Authors
- Régio, José
- Publisher
- Editorial «INQUÉRITO»
- Date
- 1942-09-21T00:00:00+00:00
- Size
- 0.39 MB
- Lang
- pt
«A história se passa em um lugar fictício chamado Traslândia. Isto não significa que o romance não esteja inserido na história e na cultura portuguesas. Simplesmente, o modo pelo qual o texto se inscreve no contexto não segue o modelo historicista do neorrealismo. Temos a presença de dois narradores: um que tem como função tecer comentários à margem e outro cuja função é contar a história do reino de Traslândia. Na justaposição desses dois narradores, como se fosse ponto e contraponto, os eventos, ao mesmo tempo, têm como referência o reino fictício de Traslândia e fatos da História de Portugal.
[...] Do drama português às vicissitudes do homem, uma história é contada para falar de Portugal e para representar as relações do homem com o poder.
A Taberna da Zizi Gorda é o grande palco alegórico em que se encena a re-volta inconsistente de uma parcela do reino que encontra refúgio e alento na bebida. Os frequentadores da taberna colocam-se à espera do Salvador, o Grande Chefe, o Pai, que irá conduzi-los às portas do palácio para depor o rei. Essas vãs ilusões, sustentadas pelo estado de embriaguez, conduzem à revolução ou à espera com fé. Depende da oratória do Grande Chefe, com a qual todos histericamente se identificam. Assim, da euforia de combate, insuflada por um dos chefes, ao discurso de persuasão do príncipe Leonel, a festa acaba, quando Zizi bota toda «a cambada na rua.» Mas, mesmo assim e nem assim, os neorrealistas souberem escutar José Régio. Por ironia do destino ou por excesso de paixão, os neorrealistas acusaram os escritores presencistas de alienados e de nefelibatas. José Régio, talvez por sua posição de líder do movimento, em função da visão estreita que os neorrealistas tinham da função social da Arte, foi o mais atacado. Acusaram-no de ter ignorado às questões sociais de Portugal e do seu tempo.
Na construção alegórica do herói, José Régio reproduz, paralelamente, os acontecimentos e as versões que cercaram o nascimento do rei D. Sebastião e que contribuíram para a formação do messianismo em torno deste rei, depois do seu trágico desaparecimento em Alcácer-Quibir, na manhã de 4 de agosto de 1578.»
Nadiá Paulo Ferreira, «Um Príncipe sem Orelhas de Burro»
http://www.omarrare.uerj.br/numero14/...