Somos o Brasil - Edição bilíngue

- Authors
- Rodrigues, Nelson
- Publisher
- Nova Fronteira
- ISBN
- 9788520938218
- Date
- 2013-01-01T00:00:00+00:00
- Size
- 3.94 MB
- Lang
- pt
Se tentássemos definir a qualidade maior de um bom cronista, poderíamos afirmar que é sua capacidade de captar instantâneos, de falar dos fatos cotidianos por pontos de vista inusitados, criando “retratos” que dizem mais sobre o olho que viu do que propriamente sobre o visto. Quando o cronista é Nelson Rodrigues, no entanto, tais instantâneos discursivos conjugam traços memorialistas e confessionais, revelam o flerte descarado da realidade com a ficção e não só subvertem a perspectiva habitual, como também criam novos ângulos e imagens nada menos que geniais.
Nelson Rodrigues não é, portanto, apenas o maior dramaturgo do nosso país ou o autor dos famosos contos de “A vida como ela é...”; Nelson Rodrigues é o cronista esportivo mais importante que tivemos, aquele que definiu o gênero entre nós e influenciou as gerações que vieram depois dele.
Se restringirmos o foco, o que poderemos dizer das crônicas dedicadas apenas ao futebol, esporte que era a sua paixão? É quase uma das tais unanimidades tão rechaçadas pelo autor — “Toda unanimidade é burra. A maioria geralmente está errada.” — apontar o futebol na sua obra como a melhor e mais evidente metáfora do Brasil e dos brasileiros. O olhar contundente do cronista, revelado a cada texto, parte da crítica à humildade do nosso povo, que motivou o autor a cunhar o “complexo de vira-latas”, e culmina num sentimento de nação vencedora promovido pela pátria de chuteiras.
Mais do que imagens pontuadas por crônicas e excertos, o que pretendemos apresentar é um percurso marcado pela paixão; paixão que, em Nelson, se desdobra em dois níveis: um mais restrito, bairrista, que se dá pelo Fluminense Football Club e, com ele, pela cidade do Rio de Janeiro, numa espécie de patriotismo carioca; e outro mais amplo, que se volta para a seleção brasileira, elemento que nos dá unidade e é capaz de infundir um orgulhoso sentimento de patriotismo nacional. Nossa opção por costurar este livro com as linhas verde-amarelas fornecidas pelo futebol das crônicas de Nelson Rodrigues se pauta, portanto, pela abrangência. Afinal, o que Nelson revelava ali não era só o futebol: o seu olhar orgulhoso se espantava e desvendava o Brasil moderno que emergia.
Observador atento das muitas transformações por que passavam o país e o mundo, tanto no papel de cidadão quanto no de operário da palavra, Nelson testemunhou a criação da Petrobras, vibrou com a Fundação de Brasília, registrou a chegada de Neil Armstrong à Lua, criticou o novo padrão estético que elimina as curvas das moças e tratou, também de forma apaixonada, de outros tantos acontecimentos marcantes ao longo das décadas de 1950, 1960 e 1970. Com seu olhar agudo, o cronista vivenciou a trajetória de um Brasil que ia se transformando paulatinamente, dando adeus à imagem agrária e fincando seus pés com força no asfalto. Além disso, soube como ninguém captar a potência dos mais desvalidos, basta-se pensar que sua obra ficcional é toda ambientada no subúrbio. Sua voz “profética” antecipou o que ele mesmo não chegou a presenciar. Aqui, temos a trajetória de um país registrada pelo pernambucano que não hesitou em se tornar carioca, pois nós todos somos o Brasil e assim é o mundo todo, em periferias que se agigantam e tomam, em mutação, os centros e os destinos.