A política da ficção (YMAGO ensaios breves Livro 5)
A política da ficção procura examinar a partir da experiência literária do realismo a disrupção estética que internamente a perturba. Os efeitos de real são tomados como excessos descritivos mas também como elementos supérfluos e inúteis onde se jogam falsas evidências e contra-interpretações do significado literário. Trata-se de questionar o teor político do excesso «realista» para além da lógica clássica da representação e compreender uma nova experiência do sensível como testemunho de um mundo alternativo que não se subordina à coerência narrativa.
Ao interpretar os aspectos descritivos do romance realista, Jacques Rancière mostra como esses elementos de excesso, que atestam a ordem verosímil do real, ou a lógica da acção e do relato, rompem com a evidência da estrutura narrativa e a singularidade do mero pormenor. A ficção ao designar uma certa composição de elementos e acontecimentos abre-se também a diferentes capacidades da experiência sensível. Ao considerar a «ociosidade» e a «insignificância» da coisa vulgar, ela desperta para a esfera da existência. Em vez de conformar o real, dá lugar à existência de novas sensações, gestos e comportamentos. Já não é o real que se descreve mas a vida e a capacidade de qualquer um. A ficção literária constrói assim uma coexistência de experiências sensoriais onde ganha forma a ligação universal de experiências liberta de todo e qualquer enredo casual e onde se afirma a possibilidade de outras formas e expressões. Contudo, é a disjunção estética e a disjunção entre o saber e o agir, entre o fazer e o ser, que separa a literatura da política enquanto processo onde a questão da igualdade e da democracia se torna premente.