O Capitalismo Como Religião
- Authors
- Benjamin, Walter
- Publisher
- Boitempo
- Tags
- philosophy , politica , filosofia
- ISBN
- 9788575593295
- Date
- 1921-01-01T00:00:00+00:00
- Size
- 2.55 MB
- Lang
- pt
O capitalismo como religião, novo lançamento da Boitempo, apresenta um recorrido por ensaios do filósofo Walter Benjamin, organizado e introduzido pelo sociólogo Michael Löwy. O livro traz textos surpreendentes, em particular os ditos de juventude, que vêm à tona com a liberação da obra benjaminiana para o domínio público. Löwy reuniu escritos de Benjamin inéditos em português ou difíceis de consultar, que contêm, em graus variados, uma crítica radical da civilização capitalista-industrial moderna.
Segundo o organizador, Benjamin ocupa uma posição singular na história do pensamento crítico moderno. É o primeiro seguidor do materialismo histórico a romper radicalmente com a ideologia do progresso linear: “Por sua crítica radical da civilização burguesa moderna, por sua desconstrução da ideologia do progresso – a Grande Narrativa dos tempos modernos, comum tanto aos liberais quanto aos socialistas –, os escritos de Benjamin parecem um bloco errático à margem das principais correntes da cultura moderna”.a
Para esta antologia, Löwy escolheu textos que vão de 1912, quando Benjamin participa do movimento da “Jugendbewegung”, do qual se distancia no início da Primeira Guerra Mundial, até os anos mais decididamente militantes, no exílio, de 1933 a 1940. Segundo ele, trata-se de mostrar como Benjamin soube unir, na sua rejeição contundente ao capitalismo, impulsos oriundos tanto do romantismo alemão quanto do messianismo judaico e do marxismo libertário. “A maior parte desses escritos, que versam sobre temas que vão das armas químicas das guerras futuras à condição dos operários na Alemanha nazista, expressa um olhar lúcido, ora irônico ora trágico sobre o mundo ‘civilizado’ do século XX”, afirma no prefácio.
Entre os textos até então esquecidos e agora disponíveis ao público brasileiro, vale ressaltar o ensaio que dá título ao livro, “O capitalismo como religião”, um dos fragmentos mais intrigantes de Benjamin, escrito em 1921. Apesar de contar com apenas cinco páginas, incluindo notas e referências bibliográficas, esse texto revela como o capitalismo se tornou uma religião cultual, sem piedade ou trégua, que leva a humanidade para a “casa do desespero”. Nesse ensaio, Benjamin assimila num gesto ousado as reflexões de Friedrich Nietzsche, Max Weber, Georg Simmel e do teórico anarquista Gustav Landauer. Nota Löwy que, “não só nos documentos incluídos neste livro, mas no conjunto da obra de Benjamin, a crítica romântica da Zivilisation capitalista está onipresente; como uma corrente elétrica, ela atravessa seus escritos e alimenta algumas de suas principais iluminações profanas”.
Para Maria Rita Kehl, autora da orelha do livro, o ensaio-título ilumina o sentido da melancolia benjaminiana: a sensação de que a ação política, assim como as outras dimensões da vida, estaria dominada pelo culto permanente da vida sob o capitalismo. “Benjamin entendeu a melancolia como efeito da anulação da potência política do indivíduo e sua classe social. A ‘coloração religiosa’ que o capitalismo imprimiu ao utilitarismo parece anular a perspectiva de transformação histórica. Daí a seleção de registros de experiências pré-capitalistas, assim como de textos que revelam o espanto de vários escritores diante da devastação em curso nos séculos XVIII e XIX: é no passado que Benjamin vai buscar indícios de diferença capazes de contradizer sua própria visão sombria do futuro”, afirma a psicanalista.
Segundo Jeanne Marie Gagnebin, autora da quarta capa, também deve ser mencionada a importância dos escritos ligados à redação da tese de livre-docência sobre a Origem do drama barroco alemão assim como de várias resenhas de Benjamin, que tentam questionar o presente por uma retomada crítica da tradição histórica e literária. Já o artigo sobre o Instituto Alemão de Livre Pesquisa, escrito em 1937, esclarece a diferença entre a teoria crítica e o pragmatismo em voga nos Estados Unidos, onde Theodor Adorno e Max Horkheimer encontravam-se exilados.
A obra se insere na coleção Marxismo e Literatura, sob a coordenação de Leandro Konder e do próprio Löwy; a tradução dos dezessete ensaios de Benjamin selecionados foi feita diretamente do alemão por Nélio Schneider. O livro conta com um extenso índice onomástico e notas de tradução e edição, que auxiliam na compreensão do pensamento benjaminiano, que combina referências literárias e filosóficas, fazendo associações inesperadas, de maneira fragmentária. Na coletânea, foram ainda incluídas várias imagens, como reproduções de documentos, quadros e fotografias.
Sobre o autor
Walter Benjamin, filósofo e crítico literário, nasceu em Berlim em 1892 e se suicidou em 1940, na fronteira da França com a Espanha, durante uma tentativa de fuga dos nazistas. A rejeição de sua tese de habilitação, “A origem do drama barroco alemão”, o impediu de exercer a docência universitária na Alemanha. A partir de 1924 descobriu o marxismo, através da obra de Lukács, e se tornou simpatizante do movimento comunista. Foi associado à Escola de Frankfurt, o Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, criado em 1923, e seus principais escritos versam sobre o materialismo histórico, a estética e a arte, o idealismo alemão e, de maneira geral, o marxismo ocidental. Em seus ensaios, combina referências literárias e artísticas com filosofia e sociologia. Em 1933, com a tomada do poder dos nazistas, exilou-se na França. Foi amigo e correspondente de Theodor Adorno, Max Horkheimer, Gershom Scholem, Bertolt Brecht e Hannah Arendt. Seu último escrito, as Teses “Sobre o conceito de história”, de 1940, associa o materialismo histórico ao messianismo revolucionário. Sua obra, de caráter fragmentário e ensaístico, foi parcialmente publicada em coletâneas no Brasil, incluindo Passagens (Imesp, 2006) e três volumes de Obras escolhidas, pela Brasiliense: Magia e técnica, arte e política (1985), Rua de mão única (1987) e Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo (1989).
Sobre o organizador
Michael Löwy nasceu na cidade de São Paulo em 1938, filho de imigrantes judeus de Viena. Licenciou-se em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo em 1960 e doutorou-se na Sorbonne, sob a orientação de Lucien Goldmann, em 1964. Vive em Paris desde 1969, onde trabalha como diretor de pesquisas no CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique) e dirigiu um seminário na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Considerado um dos maiores pesquisadores das obras de Karl Marx, Leon Trotski, Rosa Luxemburgo, György Lukács, Lucien Goldmann e Walter Benjamin, tornou-se referência teórica para militantes revolucionários de toda a América Latina. Foi homenageado, em 1994, com a medalha de prata do CNRS em Ciências Sociais. É autor de livros e artigos traduzidos em 25 línguas, entre os quais Walter Benjamin: aviso de incêndio (Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann ou a dialética da totalidade (Boitempo, 2009). É também organizador do livro Revoluções (Boitempo, 2009) que reúne os principais registros fotográficos dos processos revolucionários do final do século XIX até a segunda metade do século XX. Sobre ele, a Boitempo publicou As utopias de Michael Löwy: reflexões de um marxista insubordinado (orgs. Ivana Jinkings e João Alexandre Peschanski, São Paulo, 2007).
Trecho do prefácio
O pensamento de Benjamin está profundamente enraizado na tradição romântica alemã e na cultura judaica da Europa Central; ele corresponde a uma conjuntura histórica precisa, que é aquela da época das guerras e das revoluções, entre 1914 e 1940. E, no entanto, os temas principais de sua reflexão são de uma surpreendente universalidade: nos dão instrumentos para compreender realidades culturais, fenômenos históricos, movimentos sociais em outros contextos, outros períodos, outros continentes. No começo do século XXI, em face de uma civilização industrial-capitalista, cujos “progresso”, “expansão” e “crescimento” conduzem numa velocidade crescente a uma catástrofe ecológica sem precedentes na história da humanidade, esses instrumentos constituem um precioso arsenal de armas críticas e uma janela aberta para as paisagens-do-desejo da utopia. Para Benjamin, só uma revolução podia interromper a marcha da sociedade burguesa rumo ao abismo, mas ele dava a respeito da revolução uma definição nova: “Marx havia dito que as revoluções são a locomotiva da história mundial. Mas talvez as coisas se apresentem de maneira completamente diferente. É possível que as revoluções sejam o ato, pela humanidade que viaja nesse trem, de puxar os freios de emergência”.