As Obras do Diabinho da Mão Furada

As Obras do Diabinho da Mão Furada
Authors
Silva, António José da
Publisher
Luso Livros
ISBN
9789898174963
Date
1861-01-01T00:00:00+00:00
Size
0.71 MB
Lang
pt
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A caminho de casa, depois de campanhas de guerra, o soldado Peralta, para fugir da chuva e do frio, vê-se obrigado a pernoitar numa casa em ruínas de uma aldeia abandonada. Ali encontra um demónio travesso que decide acompanhá-lo na sua jornada, atormentando todos aqueles que Peralta encontra no caminho.

Uns chamam-me Diabinho da Mão Furada e outros Fradinho, por termos alguns de nós as mãos tão rotas de liberdades, que em muitas casas onde andamos fazemos ferver o mel, crescer o azeite, aumentarem-se os bens, lograrem-se felicidades, e sobretudo, quando nos merecem com boa companhia que nos fazem, descobrimos tesouros escondidos aos donos das casas em que andamos

Escrita durante os inícios do século XVIII (1700) esta novela tem a particularidade de ser considerada a primeira novela de “terror” portuguesa, apesar de conter também muitos elementos cómicos.

Sendo de autoria anónima, a obra tem levantado uma ampla discussão em torno da identidade do seu autor a partir do momento em que o seu manuscrito (ou uma cópia do original) foi descoberto no século seguinte. Mesmo quando se levantou a presunção de ter sido uma obra da autoria de António José da Silva – mais conhecido pelo cognome “o Judeu” e que viria a morrer nas fogueiras da inquisição – esta não foi consensual. No entanto acabou por publicada em 1861, pela primeira vez, com o título e o subtítulo de “Obras do Diabinho da Mão Furada – uma novela Diabólica de António José da Silva”, o que ajudou à sua divulgação pois na época a sociedade fazia uma reflexão sobre as injustiças da inquisição (que se extinguiu, oficialmente só em 1821) e António José da Silva era visto como um dos mais notórios mártires desse tempo. Fosse ou não o autor, o seu nome acabou por ficar associado à obra.

Não é possível dizer em que termos a obra foi divulgada na época que foi escrita, se é que o chegou realmente a ser. Teria sido vendida sob a forma de folhetins? Teria sido narrada em salões de convívio da nobreza ou da burguesia, como era costume? Ou em botequins (bares da época) a ouvintes dispostos a ouvir? Não é possível sabê-lo. Mas a obra certamente foi escrita com o intuito de aterrorizar e de divertir quem a lesse ou ouvisse e faz um retrato perfeito e mordaz da mentalidade e dos costumes da época em que foi escrita. É uma aventura que descreve uma caminhada do Alentejo a Lisboa, cheia de peripécia e com elementos que claramente invocam a obra de Dante Alighieri, “A Divina Comédia” que tanto servem para aterrorizar, moralizar e para divertir através do sarcasmo e da paródia.

Será pertinente falar também do “demónio” que a obra invoca: O Diabinho da Mão Furada. O nome original deste personagem, e pelo qual ainda é conhecido nalguns locais do Norte de Portugal, é Duende da Mão Furada – uma criatura folclórica galaico-portuguesa que remota ao tempo dos celtiberos. É um duende caseiro e que tanto concede favores e benefícios como engana e prega partidas. Tem na cabeça um barrete encarnado, faz desaparecer peças de roupa ou outros objetos da casa e faz azedar a comida que acabou de ser feita; mas também é capaz de trazer a paz e a felicidade ao lar se o mantiverem satisfeito. Para isso basta deixarem-lhe migas de pão ensopadas em leite num prato, durante a noite, em qualquer canto da casa. Se está de muito mau humor entra nos quartos, durante a noite, através do buraco da fechadura das portas, põe-se à vontade em cima das pessoas e causa-lhes grandes pesadelos. Tem as mãos furadas porque são mãos “cheias de enganos” e não se pode confiar nele, mas que também o faz derrubar muitos dos objetos domésticos que por vezes tenta roubar. Durante os séculos XVII e XVIII – séculos de forte domínio católico que abarcou praticamente tudo ligado ao paganismo – o duende das mãos furadas assumiu a forma de um diabrete e passou a chamar-se de Diabinho da Mão Furada ou Fradinho da Mão Furada; um ser malévolo e ligado aos medos dos infernos mas que manteve a personalidade brincalhona e sempre disposto a pregar partidas.

Nota: Para além de uma atualização ortográfica, a presente edição foi alvo de uma adaptação linguística corrente, nomeadamente, em passagens em que se verificou que linguagem usada no século XVIII dificultava, em grande escala, a leitura da obra. Tal trabalho foi realizado pela equipa do Luso Livros tendo o cuidado de preservar o estilo literário do manuscrito original.