É a declaração judicial de reinserção do sentenciado ao gozo de determinados direitos que foram atingidos pela condenação. Ou, como ensinam Reale Júnior, Dotti, Andreucci e Pitombo, “é uma medida de Política Criminal, consistente na restauração da dignidade social e na reintegração no exercício de direitos, interesses e deveres, sacrificados pela condenação” (Penas e medidas de segurança no novo Código, p. 263). Antes da Reforma Penal de 1984, era causa extintiva da punibilidade (art. 108, VI, CP de 1940); atualmente é instituto autônomo que tem por fim estimular a regeneração.
Tal como foi idealizado e de acordo com o seu alcance prático, trata-se, em verdade, de instituto de pouquíssima utilidade. Suas metas principais são garantir o sigilo dos registros sobre o processo e a condenação do sentenciado, bem como proporcionar a recuperação de direitos perdidos por conta dos efeitos da condenação (art. 93, CP).
Ocorre que, no art. 202 da Lei de Execução Penal, consta que, “cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”. Portanto, o sigilo já é assegurado pela referida norma, logo após o cumprimento ou extinção da pena.
Por outro lado, poder-se-ia argumentar com a recuperação de direitos perdidos em virtude dos efeitos da condenação, mas o próprio Código reduz a aplicação ao art. 92, III (“inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso”). Os autores da Reforma Penal de 1984 buscam justificar a importância da reabilitação dizendo que vai além do preceituado no art. 202 da LEP, pois restabelece a “dignidade, ofendida pela mancha da condenação, restaurando ao condenado o seu prestígio social” (Penas e medidas de segurança no novo Código, p. 268). Com a devida vênia, nem o condenado tem interesse nessa declaração de reinserção social, que quase nenhum efeito prático possui, como também dificilmente o prestígio social é recuperado, pelos próprios costumes da sociedade e diante da atitude neutra e, por vezes, hostil do Estado frente ao condenado. Pode até ser que seja resgatado, mas não será por intermédio da reabilitação e sim pela nova postura adotada pelo sentenciado após o cumprimento da sua pena.
Diz, com razão, Jair Leonardo Lopes: “Nenhum condenado quererá sujeitar-se a chamar a atenção sobre a própria condenação, depois de dois anos do seu cumprimento ou depois de extinta a punibilidade, quando já vencidos os momentos mais críticos da vida do egresso da prisão, que são, exatamente, aqueles dois primeiros anos de retorno à vida em sociedade, durante os quais teria enfrentado as maiores dificuldades e talvez a própria rejeição social, se dependesse da reabilitação, e não lhe tivesse sido assegurado o sigilo da condenação por força do art. 202 da LEP. (...) Se alguém se der ao luxo de pesquisar em qualquer comarca, tribunal ou mesmo nos repertórios de jurisprudência qual o número de pedidos de reabilitação julgados, terá confirmação da total indiferença pela declaração judicial preconizada” (Curso de direito penal, p. 252).
Assim não parece a Tourinho Filho, que defende a utilidade do instituto, chamando a atenção para o seguinte aspecto: menciona que o art. 202 da Lei de Execução Penal assegura o sigilo dos dados referentes a condenações anteriores de maneira mais branda do que o faz a reabilitação. Para chegar a tal conclusão, refere-se à parte final do art. 202, dizendo que o sigilo pode ser rompido “para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”, servindo, pois, não somente para processos criminais, mas, também, para concursos públicos, inscrição na OAB e fins eleitorais. No caso de ser concedida a reabilitação, argumenta, somente o juiz poderia quebrar o sigilo instaurado, como se vê do disposto no art. 748 do Código de Processo Penal (Código de Processo Penal comentado, v. 2, p. 489-490).
Não nos parece tenha razão. A Lei de Execução Penal é lei mais recente, disciplinando exatamente o mesmo assunto, razão pela qual, nesse prisma, revogou o disposto no Código de Processo Penal. Portanto, reabilitado ou não, os dados constantes da folha de antecedentes do condenado serão exibidos sempre que houver requisição judicial ou para outros fins previstos em lei. Demonstre-se o nosso ponto de vista pela realidade. Não há interesse algum por parte de condenados de requerer a sua reabilitação, pois não veem vantagem alguma nisso, até porque os concursos públicos e demais órgãos do Estado, quando autorizados por lei, continuam, normalmente, a requisitar certidões de inteiro teor a respeito dos antecedentes do sentenciado, o que é perfeitamente viável.
É do juiz da condenação, nos termos do art. 743 do CPP, nessa parte não revogado. A Lei de Execução Penal, nada tendo disposto a respeito do tema, não transferiu ao juiz da execução a competência para tratar da reabilitação. No mesmo sentido, está a posição de Carlos Frederico Coelho Nogueira (Efeitos da condenação, reabilitação e medidas de segurança, p. 138).
Pode ser pedida 2 anos após a extinção ou término da pena, incluindo nesse período o prazo do sursis ou do livramento condicional, se não houver revogação (art. 94, CP). Ex.: o condenado a uma pena de um ano de reclusão recebe a suspensão condicional da pena pelo prazo de dois anos. Findo o sursis sem revogação, o juiz declara extinta a pena. O sentenciado pode, de imediato, pedir a reabilitação, pois decorreram os dois anos necessários. Entretanto, se não receber a suspensão condicional da pena e cumprir um ano de reclusão em regime aberto, somente após dois anos da extinção da sua pena poderá pedir a reabilitação. No primeiro caso, levou 2 anos para poder requerer o benefício; no segundo, foi obrigado a aguardar 3 anos.
Lembremos que a extinção da pena pode dar-se não somente pelo seu cumprimento, mas por qualquer outra forma: prescrição, indulto, abolitio criminis etc. Outra nota que merece destaque é a seguinte: caso o sursis ou o livramento condicional tiverem prazos maiores que 2 anos, é natural que o condenado tenha de esperar o final para requerer a reabilitação.
A reabilitação é tratada no Título IV, Capítulo II (arts. 743 a 750), do Código de Processo Penal, não estando revogados os dispositivos compatíveis com o Código Penal de 1984, até porque a Lei de Execução Penal não cuidou do tema. Dessa forma, mantém-se o art. 744 do CPP, que exige, para instruir o pedido de reabilitação, os seguintes documentos: a) certidões de antecedentes do condenado das comarcas onde residiu durante os 2 anos posteriores à extinção da pena; b) atestados de autoridades policiais ou outros documentos que mostrem ter residido nas comarcas indicadas e mantido bom comportamento; c) atestados de bom comportamento fornecidos por pessoas a cujo serviço tenha estado. O bom comportamento deve seguir durante todo o processo de reabilitação, e não somente no período de 2 anos necessário para fazer o pedido; d) outros documentos que provem sua regeneração; e) prova de ter ressarcido o dano ou não poder fazê-lo. Quanto a este requisito, há quem entenda que, não encontrada a vítima, deve a reparação do dano ser consignada em juízo, o que não é efetivamente o espírito da lei. O critério de reparação do dano deve ser amplo e flexível, ainda que possa abranger atualização monetária, quando for o caso. Quando o crime não causar prejuízo – o que pode ocorrer em alguns casos, v.g., alguns crimes de perigo –, não há que se exigir tal requisito do condenado.
Não mais tem aplicação o art. 743 do CPP, exigindo 4 a 8 anos após a execução da pena ou da medida de segurança detentiva para ingressar com o pleito de reabilitação.
Se for indeferida a reabilitação, não há mais o prazo de dois anos para renovar o pedido, conforme previsto no art. 749 do Código de Processo Penal, nessa parte, revogado pela Reforma Penal de 1984.
Aliás, da decisão denegatória da reabilitação cabe apelação.
Por outro lado, quando o juiz a conceder, segundo o disposto no art. 746 do CPP, cabe recurso de ofício. Algumas vozes entendem revogada essa norma, sem que haja, no entanto, qualquer motivo a tanto. Outras modalidades de recurso de ofício subsistem normalmente no Código de Processo Penal, de forma que inexiste razão para a revogação no caso da reabilitação.
Vale ressaltar que a prescrição da pretensão punitiva, porque afasta o direito de punir do Estado, não permite o pedido de reabilitação. Entretanto, a prescrição da pretensão executória, que somente tem o condão de evitar a aplicação da sanção principal decorrente da decisão condenatória, permite a reabilitação.
São institutos totalmente diferentes, embora possuam conexões: a) a reabilitação não extingue a condenação anterior para efeito de reincidência, de modo que o reabilitado, cometendo novo crime, pode tornar-se reincidente; b) a reincidência pode servir para revogar a reabilitação (art. 95, CP).
Ocorreria a reabilitação “em porções” caso o sentenciado fosse, aos poucos, se reabilitando após o cumprimento ou a extinção de cada uma de suas várias penas, o que é inadmissível. Deve, primeiramente, cumprir todas as penas e somente depois pedir a reabilitação.
Reabilitação: é a declaração judicial de reinserção social do criminoso, que pode ser requerida ao juiz da condenação, após o decurso de dois anos, contados da extinção da punibilidade, incluído nesse prazo o período do sursis e do livramento condicional não revogados.
Utilidade do instituto: possui uma única, que é a possibilidade de readquirir o direito de dirigir veículo, caso tenha sido aplicado, como efeito da condenação, por ter cometido crime doloso valendo-se de automóvel, a perda da habilitação.