O legado de Olavo de Carvalho
Às vezes, paro e imagino qual será o fim do meu pai. Ele acredita que será lembrado daqui a cem anos e que suas ideias mudarão o rumo do Brasil. Não posso acreditar mesmo lhe sendo tão típicos esses devaneios e mania de grandeza, mesmo sabendo que sempre acompanharam meu pai desde que eu possa me recordar.
Sim, ele reuniu uma legião de alunos fanatizados que dizem amém para qualquer coisa que Olavo afirme, escreva ou pense.
Sim, é verdade que alguns de seus livros venderam muito no Brasil, na casa de centenas de milhares de exemplares, um fenômeno editorial que supriu uma carência brasileira de pensadores conservadores.
Sim, ele tem um curso online sem fim que, segundo o próprio guru, conta atualmente com uns cinco mil alunos, ou seja, pelo menos cinco mil pessoas que, no futuro, continuarão reproduzindo suas ideias.
Sim, há olavetes na política, na imprensa, nas universidades, nas redes sociais, nas ruas, tanto que o slogan “Olavo tem razão” ainda persiste.
Sim, Olavo teve impacto pernicioso na política e na cultura brasileira, mas, mesmo assim, não deixa de ser um impacto, tanto que uma comparação que tem sido traçada é com o místico russo Rasputin, mentor do último czar – e veja-se o que sucedeu a esse czar e sua família: execução sumária. Há semelhanças entre Rasputin e Olavo de Carvalho, apelidado por alguns de “Rasputin da Virgínia” 46 ? Não saberia dizer, mas desconfio que a influência política do Olavo seja muito menor do que ele realmente alardeia. Ainda assim a considero um perigo grande e é esse perigo que me move a escrever sobre o que sei, para que essas informações, que são verdadeiríssimas e posso provar uma a uma, possam balizar o juízo dos brasileiros de boa vontade. Se, de posse dessas informações, o cidadão prefere continuar apoiando Olavo, posso me sentir de alma leve, tendo cumprido o que considero o meu dever.
Sim, é verdade que Olavo ajudou a lubrificar o ideário direitista brasileiro, mas às custas do empobrecimento do diálogo e da racionalidade.
Então, se formos considerar o legado de Olavo e o que o futuro reserva a ele, não imagino que serão boas memórias.
Pois a imagem de Olavo já começou a ser desconstruída ainda em vida, com professores e mesmo a imprensa atuando neste sentido, ridicularizando-o e revelando ao mundo a fragilidade desta personalidade complexa e contraditória.
Olavo, como pensador (ou “filósofo”), é frágil, inconsistente e nada original. Tem uma leitura imprecisa ou até desonesta dos demais pensadores, mesmo daqueles que diz admirar. Olavo não tem critérios, o que pode ser decorrente da ausência de rigor acadêmico em suas leituras. Ele demostra severas dificuldades para compreender o pensamento de muitos filósofos e, quando se arvora a falar de ciência, isto se torna inquestionável nas mais das vezes. Olavo tem pouquíssima compreensão daquilo que ensina a seus alunos que, durante anos, pagam uma mensalidade para ouvir o guru insultar seus inimigos.
A única contribuição de Olavo para a história do pensamento brasileiro será negativa, daquilo que não deve ser feito, de como não se deve comportar, de como não estruturar um argumento ou um pensamento.
Se porventura os livros de História mencionarem o meu pai, será como uma vaga lembrança de tempos confusos e inflamados, de polarização política e debates intoxicados, de eleitores desorientados e de um mergulho nas profundezas da intolerância. Se Olavo for lembrado daqui a cem anos, como almeja, possivelmente não será do modo lisonjeiro que ele gostaria de ser lembrado.
Talvez venham a se recordar dele como uma piada sem graça, como um homem que não tinha pudores em ofender os demais, de iniciar perseguições contra seus desafetos e difamá-los inconsequentemente. E mais do que isto, como alguém que ensinou uma horda de discípulos a agirem do mesmo modo. A contribuição do meu pai foi a desintegração do diálogo amistoso, pois, como ele mesmo disse em diferentes circunstâncias, a intenção não é confrontar as ideias dos opositores, é destruí-los.
Nietzsche afirmou que “alguns nascem póstumos”, porém, agora vejo, “alguns nascem prepósteros” também. A vida de meu pai é repleta de absurdos, de altos e baixos, de muitos erros e delírios. Trata-se de um pensador às avessas. Ele me arrastou para isto sem que eu pudesse escolher. Olavo nunca parou e perguntou a nós, seus filhos, se era no mundo dele que queríamos viver. Fomos tragados pelas ideias excêntricas de Olavo e integrados às suas seitas.
Não tive escolha.
E este foi o preço que tive de pagar por ter nascido filha do guru. Um preço que ainda hoje, tantos anos depois, sou obrigada suportar. Sou filha do guru, e sempre serei, mas não tenho medo, pois sei que do meu lado está a verdade; e não a verdade dos hipócritas afeitos a distorcer os fatos, reescrever o passado, negar a ciência e destruir reputações, mas a verdade dos fatos, do que pode ser provado e comprovado, aquela verdade que qualquer um, se resolver empreender uma investigação, também poderá encontrar.
E qual é esta verdade?
Que o guru, Olavo de Carvalho, o Sid Mohammad Ibrahim, é um charlatão. Enganou a mim e enganou e engana a muitos, mas, se houver algum tipo de justiça no curso dos eventos, ele será soterrado e esquecido sob os escombros da História.