O Brasil vive um momento crucial da sua história. Passamos por quase uma década de euforia, e diria mesmo triunfalismo prematuro, marcada pela descoberta de imensas reservas petrolíferas, por uma balança comercial favorável e pela conquista do suposto privilégio de sediar os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo – eventos com um simbolismo forte que transmitem uma imagem de autoconfiança que costuma marcar a passagem das nações que os recebem a um novo patamar de organização, de afluência material e de poder, como atesta a história. Mas o que aparentava ser uma democracia consolidada nas suas instituições, lastreada por uma economia que parecia destinada em breve tempo a figurar entre as cinco maiores do planeta, e um soft power
que o elevou a uma posição de relevo na comunidade internacional, elogiada pela imprensa local e estrangeira, desabou como um castelo de cartas.
Bastou que o rastilho da insatisfação popular crescente fosse acendido, a princípio pela própria extrema-esquerda, que mobilizou gente em várias capitais para protestar contra um aumento das tarifas de ônibus, para que uma série de eventos desencadeasse uma “primavera” que em poucos anos destruiria muito do resultado do esforço das últimas décadas e conduziria o país a uma polarização radical que continua se intensificando e pode ter consequências terríveis, ainda mais no quadro de decadência, desesperança e desânimo atual.
O temor da classe média em relação aos manifestantes dessa primeira fase – em que os atos de vandalismo de alguns grupelhos foram destacados pela mídia e a narrativa de um golpe comunista em curso começou a ganhar um enorme peso nas redes sociais, ao mesmo tempo em que os escândalos de corrupção ligados aos eventos desportivos que o Brasil sediava ganhavam importância na pauta da imprensa e o marasmo econômico contribuía para a revolta – foi instrumentalizado a partir de então por uma “nova velha direita” que
voltava a ganhar confiança e a tomar a iniciativa. Direita essa que pouco tinha a ver com a velha direita representada pelos partidos tradicionais fossilizados, e ia se juntando em torno de grupos que apareceram nas redes sociais, como os intervencionistas e o MBL, foi surfando na suposta luta contra a corrupção da qual, até então, a velha direita também se alimentou.
A Copa do Mundo se realizou com um sabor amargo, a Lava Jato começou a sua ação destrutiva sobre o relativamente fraco tecido industrial brasileiro, com ênfase para o setor petrolífero, naval e de engenharia, e os Jogos Olímpicos se realizaram ao som de vaias e insultos à presidente. Na imprensa internacional a revista The Economist
, a princípio entusiasta das gestões do PT, simbolizava bem essa mudança de tom em relação ao Brasil nas suas capas. Em mais ou menos uma década, a famosa capa do Cristo Redentor em ignição, representando o Brasil, passou de um foguete subindo vigorosamente em direção aos céus para um foguete desgovernado que parecia destinado a se espatifar na magnífica Baía da Guanabara.
Caminhou-se assim em direção ao impeachment, que paradoxalmente levou à ascensão de um presidente ligado aos grupos que desde sempre viveram descaradamente às custas do erário e submeteu o país a uma receita econômica que contribuiu para afundar ainda mais a nação num impasse cuja manifestação material era a estagnação, e à invulgar eleição de 2018. Infelizmente, ao invés de sairmos da crise política e do ciclo vicioso que ameaça fraturar o Brasil, chegamos ao segundo turno divididos entre um candidato que representava o pior do PT, de um lado, ou seja, o PT que abandonou de vez um projeto nacional de desenvolvimento e o incentivo à produção de itens cada vez mais sofisticados em prol de uma agenda submissa aos interesses rentistas, e um candidato que representava os piores vícios de uma direita igualmente conformada com a economia do atraso, entreguista e, pior ainda, apologista da ignorância e da violência.
Agora o Brasil, talvez pela primeira vez na sua história desde meados do século XIX, nessa altura por culpa do tráfico transatlântico de escravos à revelia dos acordos internacionais, ocupa o lugar de pária na comunidade internacional ao mesmo tempo em que desistiu, por mais paradoxal que seja, de toda a sua soberania. Na verdade, quanto mais o Brasil se coloca na posição de pária e se isola, maior a pressão internacional e a sua submissão a interesses externos
diametralmente opostos ao seu interesse nacional. A indústria agoniza, talvez de forma irreversível, representando no PIB um percentual à volta de 10% e podendo em breve ficar abaixo dos níveis do princípio da década de 30, e o próprio agronegócio vê diante de si, graças à subserviência do novo governo ao interesse de outras nações, a possibilidade de perder os seus maiores e mais promissores mercados para outros países. A China, maior mercado brasileiro, está ciente de que o seu interesse depende da promoção da produção agrícola de outras nações menos sujeitas à política de contenção dos EUA, com destaque para a Rússia, e a agricultura russa está pronta para fazer em relação aos itens agrícolas fortes na pauta de exportações do Brasil, como a soja, o mesmo que fez no mercado do trigo em tempo recorde, afinal, já possui massa crítica para tal salto.
Resta assim ao Brasil, uma nação com 210 milhões de habitantes, a mineração, ou seja, um caminho que o levará a se transformar num gigantesco Congo, e foi isso o que o próprio presidente afirmou como sendo o caminho a ser seguido no discurso de posse. Resta saber como uma nação crescentemente polarizada, sem perspectiva de crescimento e, por isso, condenada a uma cada vez maior tensão social, pode nesse quadro complexo fazer algo para além de esperar o pior. É caso para se perguntar como chegamos aqui. Para responder essa pergunta, temos de olhar para o guru da nova direita e, ainda mais importante, guru do próprio presidente Bolsonaro, Olavo de Carvalho, o sujeito principal deste documento.
Conheci Olavo de Carvalho por volta de 2004/2005, na ressaca do 11 de setembro, durante as campanhas do Iraque e do Afeganistão. Parecia-me, naquela altura, desiludido das ideologias vigentes, que as previsões de Francis Fukuyama tinham sido deitadas por terra abaixo e que o jogo político mundial era bem mais complexo do que o establishment e a imprensa nos faziam parecer. Me interessei pelo tema do “globalismo” pouco antes dessa época, depois de ter feito um master in european studies
e escrito uma tese sobre a organização comum do açúcar na União Europeia, em que as minhas investigações me levaram a concluir que o liberalismo e o socialismo existiam, na prática, apenas como instrumentos ideológicos cuja aplicação, sempre seletiva, favorecia interesses monopolistas com capacidade de lobby a nível internacional.
As contradições existentes, surgidas da tensão entre os estados nacionais em gradual desaparecimento, entidades onde os povos ainda
tinham algum controle, ainda que precário, sobre as próprias políticas que os afetavam, e as emergentes entidades multinacionais onde apenas os interesses com alcance global tinham capacidade de atuar, como a já citada União Europeia e a OMC, foram a faísca inicial que me levou a estudar o assunto, tema que a grande imprensa não hesita em discutir de uma perspectiva estritamente econômica, mas ignora na esfera política e geopolítica.
Graças à revolução no mundo das informações surgida da expansão da web, comecei a esbarrar em muita literatura que jamais vi abordada em livros consagrados nos cursos universitários, para não falar nos jornais ou nos grandes debates públicos, mas quase todo o material era em inglês. Aos poucos comecei a encontrar alguns jornalistas independentes, maioritariamente no mundo anglo-saxão, que abordavam o tema na atualidade, mas foi Olavo de Carvalho o primeiro nome que vi abordar o tema em português. Foi através do Mídia sem Máscara que o conheci e soube que tinha sido jornalista no jornal O Globo
, e desde então fui acompanhando os artigos de Olavo de Carvalho. Na minha ingenuidade de recém-formado, o fato de ter trabalhado num grande jornal me parecia uma garantia mínima de que não se tratava de um mero farsante. Foi por ele que tomei conhecimento do Foro de São Paulo e cruzei com a sua teoria dos três globalismos. Iniciei uma correspondência com o mesmo, especialmente para mostrar minha discordância em vários pontos, com destaque para a natureza da administração de George Bush, e compartilhar bibliografia. Ainda lembro da minha surpresa ao ver Olavo de Carvalho citar um dos autores que lhe indiquei, Anthony Cyril Sutton, relevando o fato de não ter citado a fonte. Eu, de boa fé, achei isso irrelevante e me convenci de que o guru já conhecia o material. Estava convencido da honestidade intelectual de Olavo e de que todas as discordâncias, mesmo em coisas que me pareciam óbvias para quem afirmava conhecer os assuntos que ele abordava, resultavam apenas de uma diferença de perspectiva ou percepção, afinal a área dele, supostamente, era a Filosofia e não a História, e muito menos a Economia.
Desiludido com uma mestrado que havia começado na área de História Contemporânea, onde tinha por objetivo escrever uma tese sobre as Cortes de Lisboa de 1821 e o que chamava de Secessão do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, decidi me dedicar inteiramente à vida econômica e deixar a tese para ser completada
quando tivesse disponibilidade material – e tempo – para fazer um trabalho independente, sem nenhum limite imposto por um orientador.
Para não ficar completamente ocioso, decidi mais tarde me inscrever no Curso On-line de Olavo de Carvalho, o COF, pouco tempo depois do mesmo ter começado, por volta de 2010, pois, para além de me ter interessado pelo estudo da Filosofia, área que não domino, o preço era acessível e ali poderia me corresponder com pessoas que, pensei eu, buscavam o mesmo, ou seja, conhecimento por amor à verdade e uma forma de o aplicar na prática. Meu interesse não se limitava ao estudo pelo estudo, mas se estendia à política. Acreditava que poderia contribuir para o enriquecimento dos debates e para o surgimento de opções às ideologias vigentes e às opções a que o mainstream
nos limitava, tanto à esquerda como à direita. É nesse ponto que agora desejo focar a minha atenção.
Apesar de todo o triunfalismo em torno da Presidência Lula, a critiquei desde o princípio. A priori por uma questão meramente de escolhas econômicas, afinal, Lula basicamente fez um pacto com os bancos para manter o sistema de déficit perene – e altos juros – que drenava o Brasil desde a era Fernando Henrique Cardoso. Para além disso, Lula me parecia despreparado para uma nação tão complexa e via nos seus programas sociais, como o Fome Zero, sem ir ao ponto de negar a necessidade de programas de assistência e elevação do nível de vida da população carente, uma espécie de aggiornamento
do velho coronelismo à era da democracia de massas e uma forma de transferência de renda para os grupos especializados em extrair recursos dos pobres através da armadilha dos juros usurários embutida nos financiamentos ao consumo. O aparelhamento do Estado, o descaso para com alguns programas militares e a cedência ao internacionalismo na economia e ao imperialismo em vastas zonas da Amazônia, sem com isso me colocar a favor de uma exploração baseada na devastação, também me alarmavam.
Mais do que isso, a forma como se tentou promover as classes populares através de uma política baseada num critério racialista também me preocupou em relação ao futuro do Brasil, afinal, uma política de cotas deveria, ao meu ver, promover todos os membros das classes baixas, quem sabe reservando a maior parte das vagas nas universidades estatais a quem tivesse estudado em escolas públicas, ao invés de importar concepções identitárias americanas que por lá não
apenas não resolveram os problemas raciais e sociais, mas até contribuíram para dividir ainda mais aquela nação desde sempre tão dividida. Last, but not least
, as tentativas de revisão da Lei da Anistia e o posterior estabelecimento de uma comissão da verdade confirmavam as minhas piores previsões. Para que queriam mexer numa lei que, por mais defeituosa e falha que fosse, pacificou a sociedade brasileira e permitiu que a normalidade democrática voltasse? A história bem ensina que por vezes, por mais que nos custe, devemos dar as mãos ao pior dos inimigos em nome da paz, sobrepondo a felicidade das gerações futuras à sede de justiça das gerações passadas.
A teoria olaviana de conspiração comunista internacional, levada a cabo no continente sul americano pelo Foro de São Paulo, me parecia uma hipótese a ser considerada digna de estudo, tanto a nível sul-americano, onde governos de esquerda assumiam o poder em quase todos os países, como a nível mundial, onde observava o gradual crescimento econômico e militar russo e chinês com preocupação, ainda que ao mesmo tempo visse o imperialismo americano e europeu como fatores desestabilizadores que muitas vezes, ao contrário do que afirmava Olavo, instrumentalizavam causas contrárias ao seu “ethos” apenas para desestabilizarem a “periferia” em prol de interesses estratégicos e, também, das grandes corporações globais. A tese de que a Rússia ainda era comunista, ou melhor, que a sua classe dirigente era comunista, ou criptocomunista, me parecia digna de atenção e estudo, especialmente ao levar em conta o passado de Putin como agente da inteligência soviética.
Enfim, apesar da convergência em alguns pontos, e de dar o benefício da dúvida a Olavo em vários assuntos, e lembrem que muitos na grande imprensa deram crédito a Olavo, especialmente quando entramos na era Dilma, incluindo Reinaldo Azevedo, que citou várias vezes o Foro de São Paulo e elogiou Olavo de Carvalho, a divergência foi aumentando em vários pontos, especialmente a partir do debate com Alexander Dugin. Após o tal debate, resolvi estudar com atenção quem era Dugin e descobri que tudo o que Olavo afirmava dele de forma tão categórica, como a respeito do seu papel na Rússia, era falso. Segundo Olavo, Dugin era o cérebro por detrás de Putin, ou seja, era a eminência parda da Rússia. Logo ele que pouco depois perderia a sua cátedra na Universidade de Moscou!
Enquanto isso, quase todos os governos de esquerda do continente
foram sendo substituídos pacificamente por governos de direita, sem nenhum tipo de reação do “todo” poderoso Foro de São Paulo, provando assim que este não passava de um foro de debates entre partidos de esquerda muito distintos e sem articulação, e outro ponto das teorias olavianas caía por terra com as primaveras árabes. De repente víamos os EUA promovendo a desordem por todo o Médio Oriente, apoiado pelos seus aliados ocidentais, pela Arábia Saudita e por Israel, usando o extremismo islâmico para este fim, tal e qual já tinha feito no Afeganistão durante a invasão soviética, e era a Rússia que assumia a defesa do status quo e da luta contra essa vaga de revoluções e terrorismo em grande escala que, entre outros grupos, tinha os cristãos orientais por alvo, os mesmos cristãos orientais que quase desapareceram no Iraque após a invasão americana e foram tão importantes durante a era Saddam Hussein. Até o “famigerado” Hezbollah, para desespero dos olavistas, assumia a luta contra o Estado Islâmico e defendia os cristãos sírios contra as suas investidas. De repente, o centro motor do comunismo, a Rússia, e parte do mundo islâmico, como o Hezbollah e o Irã, e um estado socialista não alinhado, a Síria, assumiam a cabeça na luta contra um fundamentalismo promovido pelo que Olavo afirmava ser o estado mais cristão do mundo, os EUA, e o hipotético grande aliado dessa “cristandade” identificada como o Ocidente, Israel!
Olavo, à medida que as contradições das suas teorias eram demonstradas por fatos inquestionáveis, dissertava a respeito da política americana com teorias cada vez mais disparatadas de forma a salvar a sua face, como o fez respeito de quem era Barack Obama. A princípio, seria um agente globalista não nascido nos EUA que tinha por missão destruir a soberania americana. Depois passou a agente islâmico infiltrado nos EUA. No fim, se transformou num agente comunista a serviço de Moscou implantado nos EUA há muitas décadas, uma espécie de “Candidato da Manchúria”. E isso enquanto a tensão entre EUA e Rússia chegava ao rubro e ameaçava a paz mundial, de uma maneira mais extrema do que na crise dos mísseis de Cuba, e era público e notório que os mais próximos e influentes conselheiros de Obama faziam parte da esfera do banco Goldman Sachs!
No Brasil, entretanto, as manifestações começadas em 2013 ganhavam força e as teorias olavianas se espalhavam de forma quase viral nas redes sociais. Vi como tudo isso aconteceu, e como Bolsonaro, entre outras figuras nocivas da política e da sociedade
brasileira, como o deputado Marco Feliciano, que tanto contribuiu para a polarização com a promoção do debate em torno da tal “cura gay”, se aproximaram de Olavo. Mais tarde o mesmo Feliciano, quando eu e alguns bloggers famosos revelamos um antigo processo judicial contra o guru com fatos extremamente comprometedores na rede, e o perfil deste, convenientemente, desapareceu por alguns dias, nos acusou de fazer parte de uma perigosa rede comunista que havia organizado um ataque contra essa “figura tão importante da direita brasileira”, chegando inclusive a fazer um discurso sobre o assunto na Câmara dos Deputados.
Foi um longo processo o que me levou a romper com Olavo, e isto aconteceu em fins de 2013, quando decidi deixar de provocá-lo gentilmente com perguntas para as quais não tinha resposta, fingindo não ter tempo para as responder enquanto se dedicava a alimentar o culto de personalidade que agora se desenvolvia a sua volta da forma mais descarada possível, promovendo desde a venda de canecas com a sua figura a páginas de soft-porno-gospel
como as “Musas Olavetes”, passando a confrontá-lo nas redes sociais sem dar quartel, tal e qual ele recomendava que se fizesse com “professores esquerdistas”, para expor a sua desonestidade intelectual. Pude constatar não apenas o seu desconhecimento de coisas fundamentais para a compreensão do presente, o que nada tem de errado, mas fundamentalmente a sua gritante má-fé e a sua vaidade.
A aproximação a algumas olavetes residentes em Portugal já me havia levado a constatar algo que sempre critiquei nos petistas mais radicais, ou seja, o facciosismo, mas numa intensidade ainda maior, algo semelhante ao que se observa em membros de uma seita. O rompimento de laços familiares e de amizade com todos aqueles que representavam o mal na mundivisão do guru, ou seja, o comunismo, era a regra e não a exceção. Olavo, pervertendo o Idem Velle, Idem Nolle
de São Tomás de Aquino, explicava que só poderia existir amizade se tudo fosse compartilhado, incluindo a rejeição do comunismo, explicando que este não era apenas uma ideologia, mas sobretudo uma prática criminosa promovida por psicopatas sem nenhum tipo de empatia pelo próximo. Logo ele, pensava eu, que confessava já ter sido comunista. Eu, nos meus anos de comunismo, nunca tinha sido assim e até hoje mantenho amizades com comunistas que são pessoas exemplares na forma como lidam com o próximo. Por ter “ousado” fazer em relação a ele o que tanto recomendava que fosse
feito com professores esquerdistas, e mostrar a tantos que Olavo era ignorante e, o que é grave, mentia, e ter conseguido abrir os olhos de muitos nesse período, fui acusado de tudo, inclusive de ser um agente russo e comunista, sendo imediatamente alvo de vários artigos difamatórios no Mídia sem Máscara escritos por gente à qual cheguei abrir as portas da minha casa e tratei como amigos.
Vendo a força que um tal elemento ganhava nas redes sociais e na grande imprensa, que dava cada vez mais espaço para as teorias olavianas, sobretudo a conspiração do Foro de São Paulo, chegando Olavo a meter um seu pupilo, Felipe Moura Brasil, o sujeito que organizou a coletânea de artigos do best seller O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota
, na revista Veja
, e abismado com a perseguição contra mim iniciada e com a ruptura de tantas “amizades” que tinha feito nos meios olavistas, para além das mentiras espalhadas sem o menor pudor ou mesmo temor em as ver desmascaradas, estava certo de que havia algo de podre no reino olaviano e resolvi investigar o guru mais a fundo e expor a sua ação de desestabilização no Brasil, que já era bem clara. Agora fazia sentido o que o Olavo afirmou tantas vezes a respeito do tratamento que deveria ser dado aos promotores do projeto revolucionário, ou seja, que deveriam ser sumariamente executados com um tiro na cabeça. No meio da confusão em que o Brasil foi lançado, quando da invasão do Congresso Nacional, Olavo e seus discípulos defendiam abertamente a “solução ucraniana” exigindo que o “poder caísse na rua”.
O que era isso a não ser um incitamento à violência que poderia jogar o Brasil na guerra civil? Minha oposição ao PT era apenas uma oposição a várias políticas promovidas pela direção do partido e não uma incitação à perseguição contra petistas e simpatizantes, e por outro lado sabia bem que a culpa da crise crescente não se esgotava no PT, mas tinha sido uma obra coletiva de décadas de más escolhas políticas, me opondo por isso à campanha pelo impeachment não apenas por este ser fundamentado em alegações legalmente frágeis, mas sobretudo por constatar que o processo causava prejuízos enormes ao Brasil, e abria a possibilidade de cenários terríveis, num momento em que a presidência era fraca e pouco ou nenhum dano poderia causar, e isso no mundo em decomposição e geopoliticamente instável das primaveras, pouco depois dos alertas de Snowden sobre o interesse americano no Brasil!
À medida que a perseguição movida a mim nas redes sociais me
colocavam em evidência, e que ficou claro que não me intimidaria com a matilha olaviana e com as ameaças, muitos desafetos dele começaram a se aproximar com informações que desconhecia, que incluíam desde revelações de que o mesmo tinha sido astrólogo, ao contrário do que afirmava, ou seja, que tinha estudado a astrologia exclusivamente para compreender melhor o simbolismo medieval, assim como processos, relatos e artigos que mostravam que o passado de Olavo era um conjunto de passagens por hospícios, seitas obscuras envolvidas em crimes e recheado de passagens pelas delegacias de polícia. Apesar de ter revelado muito desse material, a maior parte dele, incluindo as coisas mais caricatas, grotescas e dantescas, preferi preservar a maior parte em privado, não apenas por decência e cautela contra a ferocidade do “olavismo jurídico”, mas também porque forneceu pistas importantes para seguir o rastro do velho terraplanista, outra faceta dele que só vim a descobrir mais tarde. Soubesse que se travava de um astrólogo (e charlatão profissional), teria mantido distância desde o princípio, mas também não teria tido o estímulo e a curiosidade para seguir o caminho que me levou a descobertas tão extraordinárias e depois à amizade com a extraordinária Heloisa de Carvalho.
Apoiado desde o princípio pelo meu irmão, Jorge Velasco, na posse de informações a respeito do passado e do presente de Olavo de Carvalho e, pouco mais tarde, aliado a Caio Rossi, pude compreender a estrutura do núcleo duro olavista, a sua evolução e as suas intenções e, graças sobretudo ao esforço intelectual de Caio Rossi, com o qual meu irmão passou muitas noites em claro discutindo o tema, tomei conhecimento da metafísica sobre a qual a mundivisão olaviana está assente, o que me deu uma perspectiva mais profunda a respeito dos objetivos por detrás da atuação política de Olavo de Carvalho. Os resultados dessas pesquisas foram para a net tanto em forma de vídeo, nos hangouts “Desconstruindo Olavo de Carvalho” e no documentário
“Adubando o Jardim das Aflições”, como em textos escritos nos blogs Prometheo Liberto e Pérolas da Nova Direita.
Porém, para azar do Brasil, foi a partir de então que uma série de acontecimentos fortuitos e planejados levariam a aliança entre Olavo e Bolsonaro a tomar de assalto a Presidência do Brasil.
Acompanhei tudo isso em primeira mão e pouco pude fazer, tal e qual Cassandra. Bolsonaro, até o princípio da década, não passava de um deputado exótico, um Tiririca em esteróides, mal visto pela
maioria esmagadora da população e sustentado politicamente apenas pela defesa dos interesses materiais dos baixos escalões do exército e da polícia militar. Bolsonaro era tido por uma espécie de palhaço sem grande coerência que por vezes defendia, para gáudio do internacionalismo, algumas políticas mais nacionalistas de forma desastrada, aumentando a percepção popular, influenciada pela grande imprensa corporativa, do nacionalismo como um anacronismo. Podemos afirmar que bastava Bolsonaro defender uma qualquer causa para que ela fosse desacreditada. Não à toa que, agora que é presidente e pode fazer alguma coisa, segue uma agenda internacionalista. Ou seja, na prática Bolsonaro foi desde sempre um inimigo do interesse nacional do Brasil. Nesse ponto, se assemelha ao seu guru. Olavo também se especializou em afirmar esporadicamente que ama o Brasil ao mesmo tempo que ensina os brasileiros a se verem como um povo sem nenhum valor e condenado, na melhor das hipóteses, a servir aquele que é o mais virtuoso dos povos, o povo americano.
À medida que o PT e Dilma perdiam popularidade, Bolsonaro foi absorvendo o discurso olaviano com mais intensidade e os seus filhos, com destaque para Eduardo, não apenas aproximaram do guru, mas até se tornaram discípulos do mesmo. Graças a essa aproximação, que em fins de 2013 já estava completa, Olavo de Carvalho, que gozava da fama de ser o maior intelectual vivo do Brasil na nova direita em ascensão, rompeu o estigma que impedia Bolsonaro de expandir o seu potencial eleitorado. Finalmente alguém tido por intelectual, e não um mero troglodita, manifestava que Bolsonaro era um político respeitável e acabava com uma das grandes restrições psicológicas ao sucesso político deste: a vergonha de ser considerado idiota ao apoiar alguém considerado pela generalidade como um completo imbecil. Se o homem que escreveu um bestseller ensinando a não ser idiota e tido por muitos como um gênio afirmava que apoiar Bolsonaro era a escolha certa, quem poderia afirmar o contrário? E é bom lembrar que a fama de Olavo, construída por ele próprio, com apoio da sua entourage
, nas redes sociais, contou com o auxílio essencial de outras figuras do establishment
brasileiro, a começar pelo advogado Ives Gandra Martins, que declarou publicamente que “Olavo é o mestre de todos nós”, passando por Reinaldo Azevedo, que só mais tarde acabaria por romper de vez com o astrólogo, e terminando em Lobão, que também se desentenderia posteriormente com o guru mas era então o representante máximo dos artistas “que não viviam da Lei
Rouanet” e dele absorveu o discurso.
Logo em seguida a esta aproximação, Bolsonaro pôde contar entre os seus apoiadores com as centenas de milhares de seguidores diretos de Olavo de Carvalho, um setor militante, raivoso e determinado que aterrorizava a blogosfera e estava distribuído por todo o Brasil, com muitos deles em posições de destaque em redações de jornais, revistas e rádios, assim como os incontáveis seguidores dos promotores das ideias olavianas, como o padre Paulo Ricardo, muito influente nos meios católicos brasileiros e seguido, na altura, por milhões de indivíduos nas redes sociais e nos programas de televisão dos quais participa, e também os evangélicos olavistas, como o já referido Marco Feliciano, o que lhe traria rapidamente o apoio dos partidos pertencentes à cosidetta
“bancada da Bíblia”, que mais adequadamente deveria se chamar “bancada do dízimo”.
Foi assim que Bolsonaro foi elevado a mito nas redes sociais, tão bem instrumentalizadas pelos olavistas, e chegou em 2018 com massa crítica para disputar a presidência, se tornando a aposta principal do rentismo à direita e logo agregando, como elemento fundamental que deu uma certa imagem de respeitabilidade à sua candidatura, oficiais na ativa e aposentados da alta oficialidade das forças armadas, o que tão bem serviu para transmitir uma falsa impressão de que Bolsonaro era um nacionalista, transferindo ao capitão expulso em desonra a respeitabilidade de que as forças armadas gozavam na população e servindo, ainda que ilusoriamente, como garantia de estabilidade institucional à presidência.
A facada, a prisão de Lula, a decisão temerária do PT disputar as eleições, polarizando a disputa entre Haddad e Bolsonaro e esmagando candidaturas alternativas, nomeadamente a de Ciro Gomes, e a utilização de uma estratégia sofisticada de propaganda nas redes sociais, assim como os financiamentos milionários a essa nova forma de política virtual, levaram Bolsonaro à Presidência. Assim que foi eleito, ao fazer um discurso de agradecimento com o “Mínimo” sobre a mesa, deixou bem claro, ao menos para quem conhecia os bastidores e sabia ouvir, que quem faz a sua cabeça é Olavo de Carvalho.
Para quem ainda tinha dúvidas, ou não queria acreditar, a influência de Olavo se materializou de forma inequívoca quando da nomeação dos ministros e membros do primeiro escalão em que Bolsonaro pode escolher gente da sua confiança, ou seja, nos cargos que não foram previamente prometidos à base política aliada. Nestas
nomeações em que teve liberdade total de escolha, Bolsonaro escolheu nomes indicados publicamente por Olavo de Carvalho — Ernesto Araújo e Ricardo Vélez — e reservou a seu discípulo, Filipe G. Martins, um cargo de primeira importância. Quanto a Vélez, apesar de indicado por Olavo, caiu quando demonstrou oposição em relação a algumas medidas promovidas pelo guru, acabando exonerado e prontamente substituído por um olavista radical, Abraham Weintraub.
O poder olavista no novo governo, que muitos acreditavam que estava em xeque por pressão dos militares, mostrou novamente as suas garras quando da exoneração do general Santos Cruz, movimento despertado pela oposição deste ao uso de recursos públicos para financiar um programa televisivo sob coordenação do guru.
E qual é, em termos gerais, a agenda do “Olavo-bolsonarismo”? É basicamente o alinhamento automático com as posições de Washington e Telaviv em detrimento do interesse nacional brasileiro, como vimos na posição defendida por olavistas, a começar por Eduardo Bolsonaro, na questão venezuelana, ou da promoção da absurda ideia de mover a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, ideia com que o Brasil nada tem a ganhar e tem tudo a perder. Até mesmo os militares que apoiaram o atual governo, pouco ou mesmo nada nacionalistas, se opuseram a essas medidas suicidas, conseguindo paralisar a concretização dessa ideia disparatada, mas não conseguindo pô-la completamente de lado.
A importância de Olavo aumentou de maneira exponencial desde a eleição e foi isso que levou o próprio Departamento de Estado americano, sem nenhum pudor, a recebê-lo, junto com seu filho Pedro, que, apesar de nascido brasileiro e ter emigrado já com alguma idade, pertence aos marines
. Simultaneamente houve também a aproximação de Steve Bannon, o mago por detrás da eleição de Trump e promotor da nova direita milenarista a nível global. Nesse último caso, não se trata de uma aproximação fortuita, meramente política, mas sim de algo mais profundo que tem a ver com a concepção metafísica que dá base à mundivisão olaviana. Apesar da grande imprensa já ter destacado o papel de Olavo, inclusivamente com capas em revistas importantes como a Veja e artigos extensos como o da revista Época, ela ainda não percebeu a importância da coisa, e muito menos uma coisa: Olavo não depende de Bolsonaro e o olavismo veio para ficar. Já em algumas ocasiões, quando houve a percepção de que o governo Bolsonaro poderia não chegar ao fim, Olavo tratou de se demarcar do
seu pupilo de forma a poder se desresponsabilizar de quaisquer fracassos caso este naufrague.
O depoimento de Heloisa de Carvalho foi escrito em parceria com o escritor e intelectual Henry Bugalho, um nome que dispensa apresentações mas faço questão de frisar que é um dos maiores opositores da vaga de extremismo que ameaça destruir não apenas as liberdades e as instituições que ainda existem no Brasil, mas a própria nação brasileira, empurrando-a para o abismo. É mais do que um simples relato biográfico, trata-se de um documento histórico que nos permite conhecer em primeira mão quem é Olavo de Carvalho para além da amplamente conhecida figura caricatural do guru terraplanista, permitindo assim ao leitor colocá-lo em avaliação por meio dos próprios “critérios filosóficos” olaviano . Tive o prazer de conhecer Heloisa de Carvalho em 2017 e, desde então, quase quatro anos após o meu rompimento total com o seu pai, temos sido companheiros incansáveis na exposição da farsa que agora tomou conta da chefia de Estado. Foi graças ao meu irmão, Jorge Velasco, que decidiu sondar Heloisa para atestar a sua sinceridade na disputa que levou Olavo de Carvalho a atacá-la de maneira cruel nas redes sociais, que acabamos por nos aproximar. Graças a ela, o grupo formado por mim, pelo Jorge e pelo Professor Caio Rossi pôde ter acesso a informações preciosas que abriram novos horizontes em relação a Olavo de Carvalho e confirmaram em detalhes e/ou enriqueceram tudo o que descobrimos por documentos e depoimentos de pessoas que, por medo, pediram anonimato. Além disso, muitas das suas informações finalmente nos permitiram compreender a importância de testemunhos aos quais não tínhamos dado o devido valor e que, graças a isso, puderam ser enquadrados.
Ao mesmo tempo, Heloisa pôde, no intercâmbio, compreender a racionalidade por detrás daquele contexto insano, enxergando a unidade do quadro caótico da sua vida com Olavo de Carvalho. Percebendo a lógica sectária das práticas, relacionamentos e objetivos do seu pai, deixou de ser uma mera testemunha de fatos até então aparentemente desconexos, a não ser nos efeitos danosos sobre as vítimas do guru, e reforçou o que descobriu ao tentar se reaproximar do pai e a levou a romper de forma definitiva os seus laços com o guru, ou seja, que ele continua o mesmo de sempre, mas ainda mais perigoso, pois já não é um mero sociopata que destrói a vida de pessoas próximas, mas sim um louco obcecado pelo poder, mais rebuscado
graças à experiência de vida, que agora ameaça levar uma inteira nação ao suicídio.
Heloisa é um exemplo vivo de heroísmo e altruísmo, exemplo ainda mais edificante por ser filha de um sujeito egoísta, covarde e cruel. Cresceu no abandono, vítima de maus tratos continuados e privada da educação formal, ou de qualquer tentativa de educação, ainda que informal, da parte do seu pai, que por ironia vivia de dar aulas, mas jamais conseguiu odiá-lo ou perdeu a esperança de o ver arrependido e mudado. Foi graças a terceiros, e à sua tenacidade e otimismo irradiante, qualidades que conheci muito bem no nosso convívio, que conseguiu encontrar o seu lugar no mundo e sobreviver.
Heloisa dá o seu testemunho do que foi ser filha de Olavo de Carvalho e se mantém fiel ao que viu, limitando o que expõe ao que presenciou e viveu em primeira mão. Este poderoso testemunho não é apenas uma biografia, mas sim um poderoso documento que prova que o Olavo de Carvalho de hoje, autointitulado filósofo e ideólogo de um suposto conservadorismo católico que de católico nada tem, não passando de ocultismo disfarçado sob um véu cristão de forte cunho mariano, é na essência o mesmo Olavo de sempre, ou seja, um sociopata ambicioso que descobriu no submundo da astrologia e das seitas poderosas armas de exercício de poder sobre os outros, e de autopromoção, não possuindo nenhum limite para além do que dita a conveniência, usando a moral apenas como mecanismo de propaganda de si próprio, e de arma de arremesso contra aqueles que se colocam entre ele e os seus objetivos, como fez quando excomungou publicamente o Papa Francisco I, talvez na qualidade de Antipapa Sidi Muhammad Ibrahim I.
O que é exposto aqui tem uma importância que vai muito além dos fatos em si, que provam de forma inequívoca que estamos diante de um louco perigoso, capaz de ignorar friamente os apelos por atenção de uma mãe moribunda enquanto usava o fim da sua progenitora nas redes sociais para atrair simpatia e atenção, e difamar a própria filha de maneira virulenta, não apenas pela posição ocupada por Olavo, mas sobretudo porque prova que ele é uma farsa, ou melhor, uma farsa perigosa. Olavo, segundo ele criador do conceito de paralaxe cognitiva, mais um mito
criado por si, notabilizou-se por desautorizar a obra de vários filósofos a partir da confrontação das mesmas com as respectivas vidas, como fez com Rousseau em vários artigos. Nada como citar as próprias palavras do guru:
As Confissões
de Jean-Jacques Rousseau, um dos livros mais populares de todos os tempos, consolidam a inversão, quando, da revelação de seus defeitos e pecados, o autor, em vez de inferir que não presta, tira a conclusão de que ninguém é melhor que ele. Pais e mães que sacrificaram vida e saúde por seus fi-lhos são rebaixados ante a vaidade do ambicioso carreirista que preferiu remeter os seus cinco a um orfanato, para ter tempo de brilhar nos salões e ser paparicado por todos aqueles que depois ele acusaria de oprimi-lo. Rousseau gaba-se mesmo de ser o me-lhor homem da Europa, o mais humano, o mais bondoso, o mais sensível, incompreendido pela multidão de filisteus. (in
“Inversão retórica e realidade invertida: Brasil-Mentira”, Diário do Comércio,
15 de abril de 2009)
Mais uma vez, Olavo faz aquilo que atribui aos comunistas, ou seja, todos os que dele discordam, recorrendo a mais uma farsa que divulga como verdadeira e fruto de um trabalho sério de pesquisa que jamais fez, a suposta frase de Lênin: XINGUE-OS DO QUE VOCÊ É, ACUSE-OS DO QUE VOCÊ FAZ
. Esta frase, ainda que falsa, exprime uma das constantes olavianas e não por acaso é isso mesmo que ele agora, com acesso privile-
giado ao poder, aplica na exatidão a técnica de ocupação de espaços por todos os meios disponíveis que durante anos atribuiu ao petismo.
Heloisa dá a conhecer quem foi Olavo enquanto pai, ou melhor, quem foi enquanto deseducador e tirano, e desmascara o mito do velhinho bondoso, com as suas excentricidades, cuja vida familiar imita as fantasias mais kitsch inspiradas por aquelas falsas imagens de uma América provinciana desprovida de maldade dos anos 50 que tanto inspiram o imaginário olaviano.
E, para o leitor atento e sensível, muitas outras informações que parecerão apenas casos pitorescos, como o casamento islâmico forçado de Heloisa, por ordem do pai, assim como a vida do mesmo enquanto muqqadan de uma tariqa numa comunidade “alternativa” onde os casais viviam separados e deveriam, para ter acesso privado ao quarto íntimo, pagar uma espécie de “zakat de alcova” ao guru, darão uma dimensão ainda mais grave ao recente movimento de tentativa de deslocamento da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, assim como de hostilização das nações islâmicas noutras situações, como no recente caso envolvendo navios com milho destinados ao Irã.
Sendo assim o Brasil, até hoje neutro e poupado às confusões do
Médio Oriente, e até por isso em posição de vantagem para defender os seus interesses materiais naquela área, não só hostiliza todo o Islã em conjunto, sem fazer distinções e assumindo uma visão de guerra civilizacional binária e defasada da complexa realidade, como até o faz por instigação de alguém que para efeitos práticos é não só um apóstata do islamismo, o qual parodiava numa espécie de pornochanchada blasfema, como chega a defender a ideia de que Israel não é um estado como qualquer outro, mas sim uma espécie de estado sagrado que toda a cristandade, unida em torno dos EUA, deve defender para além de qualquer outra consideração de um mundo islâmico irremediavelmente hostil. Difícil imaginar uma política mais “explosiva”, no sentido figurado e literal. Esperemos que o mundo islâmico saiba dissociar Olavo de Carvalho, e Bolsonaro, do Brasil!
E essa visão absurda não se esgota aqui. Para cúmulo do ridículo, o Islã agiria em concerto com o comunismo, ou seja, a China e a Rússia, e um globalismo ocidental antiamericano (!) que supostamente teria em Soros o seu mentor (também ele um agente do KGB segundo Olavo), o mesmo Soros que esteve por detrás da derrubada de um governo pró-russo na Ucrânia, num plano de destruição da civilização ocidental.
Tal visão, claramente equivocada e deitada abaixo por um estudo profundo da realidade, além de paradoxal, ridícula e simplista, afinal, o mundo é infinitamente mais complexo, é perigosa pois isola e enfraquece ainda mais o Brasil perante os poderes que realmente constituem um perigo. Porém, essa fantasia convenceu a muitos. Não pela sua força intrínseca, mas sobretudo porque Olavo se especializou no curso da sua vida, como o relato de Heloisa demonstra, em enganar as pessoas, manipulando-as, destruindo a sua individualidade, induzindo-as à devoção cega ao guru, ao ódio fratricida, à loucura e até mesmo ao suicídio. É isto o que Olavo está fazendo com o Brasil.
Ficam aqui os meus agradecimentos e votos de sucesso à Heloisa de Carvalho e ao Henry Bugalho. A luta deles é uma luta pela civilização no Brasil e um exemplo de civismo, coragem e amor ao próximo, e por isso considero fundamental o êxito do livro.
Talvez um dia, quando a turbulência passar, possamos todos rir dos dias em que um louco chamado Olavo de Carvalho, ou Sidi Muhammad Ibrahim, o Eratóstenes do Terraplanismo e o Timoneiro da Barca Egípcia, chegou a eminência parda da Presidência brasileira. Até lá, lutemos!