12. Acácia baileyana

Acácia baileyana

20170913_F014

Significado: Firo para curar

Acacia baileyana | Nova Gales do Sul

Bonita árvore de folhagem tipo feto, com flores amarelo-dourado em forma de globo. Adaptável e perene, cresce facilmente. Floresce no inverno e as flores libertam um forte aroma adocicado. Produz pólen em abundância e é das árvores preferidas das abelhas para a produção de mel.

June andou às escuras pelo corredor, acendendo alguns candeeiros. O relógio do avô anunciava as duas da manhã. Assim que nascesse o sol, aguardava-a uma longa viagem até aos mercados de flores da vila. Mas ainda faltavam umas boas horas. Podia dormir mais um bocado.

Há semanas que as noites se alongavam cada vez mais, vazias e inquietas. A cama de June vergava sob o peso de demasiados fantasmas, sentados aos pés dela, segurando viçosos ramos de acácias. O inverno era sempre a estação mais complicada. As encomendas de flores diminuíam significativamente. Histórias antigas revolviam-se de onde estavam, enterradas em geadas precoces que cobriam a terra. E aquele era também o inverno em que Alice viera para casa.

Ainda que não falasse, a menina sorria cada vez mais. Algo na escola a acordara, de certo modo, retirando-a da profunda paralisia da dor. Há semanas que não fazia chichi na cama. Não teve mais nenhum ataque de pânico. Twig deixou de insistir com a questão da terapia. Alice tinha sempre um livro aberto no colo, com uma flor prensada entre as páginas. Vivia agarrada a Candy, na cozinha ou no jardim de ervas aromáticas, ajudando-a a inventar novas receitas. Ou ia saltitando nas suas botinhas azuis, seguindo Twig como uma sombra pelo ateliê.

Mas por mais que June tentasse mantê-la debaixo de olho, e mesmo com os dias cada vez mais frios, Alice arranjava sempre forma de desaparecer de vez em quando – para regressar pouco depois com o cabelo molhado. June sabia que ela já conhecia muito bem o rio. E, provavelmente, o eucalipto gigante. No entanto, ainda não se sentia capaz de lhe contar as histórias de Thornfield e das mulheres de quem ela descendia. June sabia que assim que falasse no nome de Ruth, a história inevitavelmente seguiria um único rumo: Wattle, depois June, e por fim Clem, Agnes, e a opção que June tinha tomado.

Encostou-se à bancada da cozinha, com a garrafa de whisky aberta, e serviu-se de outro copo. Estava cansada. Cansada de suportar o peso de um passado demasiado doloroso de recordar. Estava farta de flores que diziam o que as pessoas não suportavam dizer. De mágoas, isolamento e fantasmas. De ser mal compreendida. Quando pensava em falar a Alice sobre a família dela, dava por si a lutar contra a ideia de ter de assumir mais culpas pelos segredos que cresciam por entre as flores de Thornfield. Tinha de haver outra maneira de Alice sarar as suas feridas interiores que não a obrigassem a confrontar-se com a verdade sobre a sua família; uma verdade que June achava que a menina desconhecia, apesar da manhã em que Alice parecera ter reconhecido o rosto da avó. Nada indicava que Alice soubesse a razão pela qual o pai levara a mãe para longe de Thornfield, ou que June poderia ter salvo Agnes, se tivesse cedido aos caprichos de Clem. Mas a verdade é que ela tinha deixado o filho partir, levando a mãe de Alice com ele. Tudo porque se recusara a ceder à sua ira. E também porque Agnes o amava mais do que a si própria.

Levou o whisky para a sala de estar e bebeu diretamente da garrafinha. No primeiro dia de Alice em Thornfield, quando a menina se aninhou nos braços dela e enterrou a cara na curva do seu pescoço, June sentiu cada centímetro do seu corpo encher-se de um amor que ela nunca se atrevera sequer a recordar. Não arriscaria perder isso. Não aguentava a ideia de a neta pensar mal dela. Dia após dia, as histórias permaneciam por contar. Ela ia adiando, adiando… Quando a Alice começar a escola, conto-lhe. Quando a Alice sorrir, conto-lhe. Quando a Alice me perguntar, eu conto-lhe. Tem cuidado, June, avisara-a Twig. O passado tem uma maneira muito peculiar de fazer brotar novos rebentos. Se não cuidares bem delas, esse tipo de histórias arranjam maneira de criar as suas próprias raízes.

June deixou-se cair no sofá, segurando a garrafinha de whisky, sentindo o passado reunir-se à sua volta. As histórias de Thornfield nunca estavam longe dos seus pensamentos.

O homicídio de Jacob Wyld deixara Ruth desolada. Parira sozinha a filha de ambos, junto ao rio, e dera-lhe o nome da primeira acácia a florir durante a seca8. Era tudo o que restava do jardim de Ruth, e tudo o que podia dar à filha: um nome que talvez conseguisse encorajá-la a sobreviver, enquanto crescia numa casa com Wade Thornton e os seus abusos. Eu estava determinada a não o deixar fazer a mim aquilo que ele fizera à da minha mãe. Os olhos dela eram vazios como as cascas das cigarras na terra seca, onde um dia as flores dela cresceram, Junie, costumava dizer-lhe Wattle.

Os olhos das gentes da vila tornaram-se deliberadamente cegos em relação a Thornfield, depois de Ruth ter deixado de vender flores nos mercados e o seu jardim ter secado e morrido. Quando Wade aparecia na vila, ninguém o questionava acerca dos rumores do seu temperamento violento, e ignoravam Wattle, a menina que muitos diziam ter sido mais criada pelos pássaros do que pela mãe. À exceção de Lucas Hart que viu Wattle pela primeira vez quando era ainda um rapazinho, passeando à beira rio. Na altura, achou que ela era uma espécie de sereia do rio, pelo modo como a sua pele parecia verde debaixo de água, e por ter o longo cabelo preto cheio de flores e folhas. Ainda que nunca a tivesse visto na escola, ou nas lojas, ou na igreja, a menina cativou-lhe irrevogavelmente a imaginação. Sempre que ia até ao rio, rezava para que ela lá estivesse. Fascinava-o vê-la nadar, braços e pernas cortando a água como se tivesse uma pontuação a atingir. E ao longo do tempo, ambos foram crescendo. Ela tornou-se uma jovem mulher, sempre solitária e inatingível, raramente vista na vila. E ele foi para fora estudar medicina. Mas nem a instrução, nem a vida citadina fizeram com que Lucas a esquecesse; as lembranças de Wattle corriam-lhe nas veias como uma febre. Regressou a casa, ocupou a residência do médico de família na vila, e todas as noites insistia em ir até ao rio. Ficou desde logo a par dos rumores que corriam acerca de Wade Thornton. Mas a verdade é que ninguém intervinha; entre marido e mulher ninguém metia a colher. Só que a Lucas apetecia-lhe gritar a plenos pulmões que Ruth Stone nunca fora esposa de Wade Thornton por escolha. Nem, como mais tarde se veio a provar, Wattle Stone era filha dele. A cada noite que se dirigia ao rio, Lucas prometia a si mesmo que iria bater à porta da frente de Thornfield e apresentar-se. Mas, inevitavelmente, noite após noite, não se atrevia a transpor as fronteiras da propriedade, e voltava para trás. Até à noite em que ouviu uma mulher gritar, e depois um tiro. Seguido de um silêncio sinistro.

Lucas desceu a correr o caminho do rio até ao jardim da frente de Thornfield, onde Wattle Stone ainda segurava a caçadeira, debruçada sobre o corpo de Wade Thornton, alagado num sangue tão escuro que parecia tinta. Estás ferida? gritara Lucas. És tu que estás a sangrar, Wattle? Estás ferida? Wattle endireitara-se, rígida e terrivelmente pálida, os olhos tão escuros quanto a poça de sangue aos seus pés. Wattle? gritara Lucas, em pânico. Ela abanou a cabeça lentamente. Não sou eu, sussurrou, a arma tremendo-lhe nas mãos. Procuraram os olhos um do outro e fizeram um voto secreto.

A notícia da morte de Wade Thornton espalhou-se pela vila como um incêndio, acompanhada de muita especulação.

Alguns diziam que Ruth Stone o tinha enfeitiçado, levando-o ao suicídio. Outros afirmavam que tinha sido a filha de Ruth a assassiná-lo. As mulheres Stone e as suas flores foram decretadas aziagas; a maldição que caíra sobre a vila – desde que Ruth Stone deixara de manter os campos de flores – tinha levado consigo o ganha-pão das pessoas, bem como as suas esperanças. Os pescadores do rio apressaram-se a afirmar que tinham visto Ruth naquela noite a falar com alguém na margem. E quando se deu o avistamento de um bacalhau-de-murray9, os rumores triplicaram; era impossível o Rei do Rio surgir tão próximo de uma via fluvial tão a norte. Só podia ter sido ela a conjurar aquele mau presságio. O facto de Ruth Stone e a sua quinta de flores terem sido, em tempos, a salvação de toda uma população foi facilmente esquecido.

As calúnias não se silenciaram até o Dr. Lucas Hart ter vindo a público dar o seu testemunho: tinha visto Wade Thornton a cambalear de bêbado, fazendo disparar a sua caçadeira enquanto a tentava limpar, acabando por matar-se sem querer. A polícia considerou que a morte tinha sido acidental, e os locais rapidamente dirigiram as suas atenções para outros assuntos. Wattle Stone casou com Lucas Hart, levando nas mãos até ao altar um bonito buquê de acácias. Viveram sempre em Thornfield, junto de Ruth.

Até que chegaste tu, Junie, era o que a mãe lhe dizia sempre naquela parte da história, olhando bem nos olhos de June. E as pessoas voltaram a ser boazinhas; tu quebraste a maldição de Thornfield.

Com June a seu lado, no berço, Wattle soprou o pó do caderno de notas de Ruth. Enquanto Lucas dava consultas na clínica, ela ia levantando sistematicamente livros da biblioteca da vila, lendo-os em voz alta, decifrando os esboços de Ruth e fazendo uma lista das sementes que tinha de encomendar na vila, enquanto a bebé June palrava perto dela. Ao longo de uma dúzia de estações, Wattle conseguiu reerguer a quinta de flores da mãe. As pessoas começaram a valorizar os buquês que surgiam à venda nos mercados da vila. Regresso da felicidade, dizia um ramo de telopeas, cada uma do tamanho de um coração humano. Devoção, diziam as borónias cor-de-rosa, num ramo de flores côncavas de aroma intenso. Não demoraram a vender-se todas. Mais uma vez, as flores de Thornfield não chegavam para as encomendas.

Ainda que Wattle tivesse feito renascer os tão adorados jardins da mãe, não conseguiu atenuar-lhe os desvarios da mente. Mimava a mãe com o mesmo afeto com que acarinhava a própria filha, esforçando-se por fazê-la feliz, mas Ruth continuava a escapulir-se de casa todas as noites. Wattle ficava acordada, ouvindo ranger as tábuas do soalho, até que, numa noite de luar, resolveu segui-la até ao rio. E viu Ruth lançar flores à água, balbuciando coisas sem nexo.

Mamã… Wattle surgiu no leito arenoso do rio, sob a noite estrelada de prata. Os olhos da mãe estavam brilhantes e lúcidos. Com quem estás a falar, mamã?

Com o teu pai, meu amor, respondeu Ruth, simplesmente. O Rei do Rio.

Formaram-se bolhas na superfície da água, enquanto uma flor era sugada para baixo – mas por o quê, Wattle não viu. Virou costas e regressou a casa, para os braços do marido que a aguardava no calor da cama.

Ruth morreu durante o sono, quando June tinha apenas três anos. Na manhã em que Wattle a encontrou, o cabelo da mãe estava húmido do rio, cheio de folhas de eucalipto e lírios-baunilha.

O testamento dela deixava tudo a Wattle. Ruth pedia apenas uma única coisa à filha: que Thornfield nunca viesse a ser legada a um homem que não a merecesse. E nas gerações seguintes, nunca o foi. Para grande raiva e fúria de Clem Hart.

Presta atenção agora, Junie, ouviu a voz da mãe ecoar-lhe na mente. Estas são as dádivas da Ruth. As nossas formas de sobrevivência.

June suspirou profundamente, vendo os primeiros raios de luz surgirem no céu. Cambaleante, levantou-se do sofá e arrastou-se até ao quarto, as últimas gotas de whisky agitando-se no fundo da garrafa.

No primeiro dia das férias de inverno, Alice aproximou-se de uma das janelas do quarto a observar o trilho de terra calcária que saía do mato e seguia até ao rio. Ela e Oggi tinham um encontro marcado lá, no dia seguinte de manhã, assim que acordassem – para festejarem juntos o décimo aniversário dela. Oggi era o melhor amigo que Alice alguma vez tivera – isto porque Toby era um cão, Candy era muito mais velha, e Harry também era um cão, e um livro não era uma pessoa.

Afastou-se da janela e dirigiu-se aos seus livros, espalhados pelo chão do quarto, para fazer os trabalhos de casa. Harry abanou a cauda ao vê-la sentar-se. Alice tinha um trabalho de férias para fazer: escrever uma crítica sobre um livro que adorasse, explicando porquê. Enquanto os colegas se lamentavam, Alice ficou entusiasmadíssima quando Mr. Chandler distribuiu os trabalhos para férias. Soube de imediato qual seria o livro: o das histórias das selkies, o livro que Sally escolhera para ela na biblioteca. E o mesmo que June lhe enviara para o hospital, antes de se conhecerem.

Foi até a uma estante, percorreu com o dedo as lombadas até encontrá-lo. Quando o puxou, veio outro atrás, caindo no chão. Alice apanhou-o, um exemplar de capa dura forrada a tecido, com letras brilhantes e uma ilustração esbatida. Era o livro sobre a menina com o mesmo nome dela, e as suas aventuras no país das maravilhas.

Alice abriu-o. Quando leu a dedicatória, ficou gelada.

– Olá, ervilhinha, trouxe-te um chocolate quente. – Candy apareceu à porta do quarto com uma caneca fumegante. – Alice? O que foi? – Poisou a caneca. – Deixa-me ver. – Candy tirou o livro das mãos da menina. Alice ficou a vê-la ler a dedicatória. – Oh, Alice… – A voz falhou-lhe.

A raiva tomou conta da criança. Empurrou Candy para fora do quarto, batendo-lhe com a porta na cara. Harry correu para junto dela, ladrando nervosamente. Alice abriu a porta e enxotou-o também.

Não apareceu lá em baixo durante o resto do dia. Candy levou-lhe a carne assada do jantar, mas Alice não lhe tocou. Depois de tentar falar com ela através da porta do quarto, Twig instalou-se no terraço de trás, acendendo cigarro atrás de cigarro.

Já estava escuro quando os faróis da carrinha de June surgiram no horizonte, na estradinha de acesso à propriedade. Alice sentou-se na cama, agarrada ao livro. Ouviu a porta de casa abrir, o ruído das chaves de June na taça de vidro do vestíbulo. Passos cansados percorrendo o corredor até à cozinha. A torneira do lava-loiças a abrir e depois a fechar. Pulseiras a tilintar. O borbulhar da água quente na chaleira, seguida do previsível assobio. Imaginou o vapor a sair de uma caneca com um pacotinho de chá pendurado. O bater de uma colher na borda de porcelana. Uns momentos de silêncio, até os passos pesados de June se dirigirem às escadas.

– June. – A voz de Twig no corredor.

– Tem calma, Twig.

– June, eu…

– Calma, Twig.

Os passos da avó pelas escadas. Subindo. Subindo. O bater à porta do quarto de Alice.

– Olá, Alice. – June abriu a porta. Harry correu para ela, abanando-se todo e cumprimentando-a com um latido. Alice não olhou para a avó. Limitou-se a dar um forte pontapé na estrutura da cama. – Como foi o teu dia? – June passeou pelo quarto de Alice com uma mão no bolso e a outra a segurar a caneca de chá. Pisou o trabalho de casa que Alice deixara no chão e dirigiu-se às estantes. Alice cravou os olhos nas botas da avó. Quando ela se voltou, disfarçou rapidamente.

A menina ergueu o livro com ambas as mãos, aberto na página da dedicatória, onde a mãe escrevera o seu nome, uma e outra vez, desenhando os a como corações.

Agnes Hart. Mrs. Hart. Mr. and Mrs. Hart C & A Hart. Mrs. Agnes Hart.

E por baixo, na caligrafia do pai:

Querida Agnes,

Encontrei este livro na vila e lembrei-me de ti. Sei que foi a única coisa que trouxeste para Thornfield, e espero que não te importes de ficar com um segundo exemplar, oferecido por mim.

Antes de o comprar, nunca tinha lido esta história. Mas li-a agora, e fez-me lembrar de ti. Porque quando estou contigo sinto-me a cair, mas de um modo maravilhoso. Como um labirinto de onde não quero sair. Tu és a coisa mais mágica e desconcertante que jamais me aconteceu, Agnes. És mais bonita do que qualquer flor que cresce em Thornfield. Acho que é por isso que a minha mãe também te ama tanto. Acredito que possas vir a ser a filha que ela nunca teve.

Também quero muito agradecer-te por me teres contado as tuas histórias sobre o mar. Eu nunca vi o oceano, mas quando tu olhas para mim sinto que consigo entender aquilo que descreves. A impetuosidade, a beleza. Talvez um dia possamos lá ir. Quem sabe um dia não nadamos juntos?

Com amor,

Clem Hart

June esfregou a testa com força. Harry ofegou, a cauda abanando ansiosamente de um lado para o outro.

– Alice… – começou.

Alice observou a cena como se estivesse fora do seu corpo, como quando estava no hospital e viu as cobras de fogo enrolarem-se à volta dela, transformando-a em algo que ela não reconheceu. Levantou-se da cama. Puxou o braço atrás. E com toda a força que tinha, atirou o livro a June. Ele atingiu-a em cheio na cara e ao cair no chão a lombada desfez-se.

June mal se mexeu. Um hematoma roxo começou a formar-se-lhe na bochecha. Alice olhou para a avó. Porque é que ela não reagia? Porque é que não estava furiosa? Por que razão não lhe bateu de volta? A visão de Alice turvou-se-lhe. Puxou os próprios cabelos, desejosa de gritar. A mãe dela tinha estado em Thornfield? Quando? E por que razão ninguém lhe dissera? Que fora ali que os seus pais se tinham conhecido? Que mais coisas não lhe teriam contado? Por que haveriam de lhe ter escondido tal coisa? Porque teriam os pais dela saído de lá? A cabeça de Alice doía-lhe terrivelmente.

June avançou para ela, mas Alice esperneou, enxotando-a. O cão não parava de andar de um lado para o outro, ganindo. Alice ignorou-o. Ele não a podia proteger daquilo.

– Oh, Alice, desculpa. Sei que estás a sofrer. Lamento tanto.

Quanto mais June tentava confortá-la, mais furiosa a menina ficava. Deu pontapés e mordeu e arranhou as mãos de June. Lutou com todas as suas forças contra o corpo forte da avó, contra a sua vida em Thornfield, contra o estar tão longe do mar. Lutou contra os colegas maldosos da escola e o modo como continuavam a chateá-la, a ela e a Oggi. Deu pontapés e gritou contra o facto de as pessoas terem de morrer. Lutou contra o precisar da ajuda de Harry, e contra a tristeza de Candy quando cozinhava, e contra as lágrimas contidas no riso de Twig.

Tudo o que Alice queria era libertar-se e correr para o rio, mergulhar nas suas águas e nadar para longe, muito longe, de volta à sua baía. Para casa, para junto da mãe. Para o hálito quente de Toby na sua bochecha. Para a sua secretária. Para onde ela pertencia.

Assim que se sentiu a perder as forças nos braços de June, Alice começou a chorar. Como desejava nunca ter vindo para Thornfield – onde nada era o que parecia. Como desejava nunca ter entrado na cabana do pai.

8 Wattle, no original, que significa “acácia” (N. da T.)

9Grande peixe predador de água doce da Austrália. É o maior peixe do país, e um dos maiores do mundo. (N. da T.)