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Quando terminei de bater todas as fotos, e mamãe levou o filme para revelar, ela não fazia ideia do que sairia. Minhas fotos ficaram boas. Tipo, muito boas.

Sei que pode parecer arrogante, mas não é. Estou só dizendo. Todos adoram minhas fotos. Os editores do anuário e do jornal da escola até chegaram a me fazer propostas de trabalho, mas eu gosto de fazer minhas próprias fotos. O que contradiz minha tentativa de ser mais sociável, mas não posso comprometer minha arte. Gosto muito de tirar fotos que tenham certo ar de inovação, e fotos entediantes de pep rallies1 cafonas não são, exatamente, a coisa mais artística que existe.

Às vezes, é difícil conseguir o nível adequado de exposição numa foto que estou fazendo. Gosto de pegar o que está no filme e, a partir daí, manipular a imagem de modo que ela fique mais clara ou mais escura do que realmente é. Em outros momentos, gosto de imprimir a foto para que ela reflita exatamente o que era a cena quando eu a retratei. Capturar o agora, para que eu nunca esqueça esses momentos de minha vida.

É tão legal ter meu próprio laboratório de revelação! Adoro este lugar. Estou tentando revelar uma foto de meu pai, que tirei quando ele estava trabalhando lá fora. Gastei quase metade do filme tirando fotos dele enquanto ele fazia uma estante de livros para meu quarto semana passada. Ele ainda não terminou, mas estou toda ansiosa. Vai ficar uma estante incrível!

Olho para a imagem da foto revelada durante o banho revelador. Já dá para perceber que ela não está ficando boa. Pressiono as bordas da foto com as pinças de plástico, para mantê-la submersa. A seguir, ainda com as pinças, pego-a com cuidado pelas bordas e a transfiro para o fixador.

Há uma foto, em particular, que eu vi quando achei aquela caixa no closet de meus pais. É uma que tirei de meu pai, de alguns anos atrás, fazendo uma estante de livros para um cliente. Seria legal colocar as duas fotos lado a lado, o antes e o depois, transcendendo o tempo.

Transfiro a imagem para o tanque e, então, a penduro para secar. A seguir, corro para o andar de cima, até o closet deles. Procuro a caixa no lugar onde a encontrei antes, mas não está mais lá. Encontro-a, enfim, na parte do closet que pertence a meu pai.

Essa parte está praticamente vazia.

OK, isso é estranho! Antes, o lugar já parecia não estar sendo usado. Àquela altura, a sensação era de que estava mais vazio, mas não tive a sensação de que faltava algo. Não que eu tenha percebido.

Desta vez, tem alguma coisa definitivamente faltando.

Tipo, a maioria das roupas dele. E seus sapatos. Quando olho para a prateleira do alto, onde em geral ficam as malas, percebo que a maior delas desapareceu.

Corro até a cômoda dele e abro a gaveta de cima. Vazia. A segunda gaveta tem só algumas poucas meias. Entro, então, no banheiro de meus pais e abro o armário de remédios. Uma prateleira inteira está vazia. Tento lembrar quais itens de uso diário de meu pai ainda deveriam estar aqui. Coisas como escova de dentes, aparelho e creme de barbear. Não encontro nenhum deles.

Que diabos está acontecendo?

Não é que, tipo, ele vá viajar. Se fosse, teria me dito. Por que ele simplesmente sairia de casa enquanto eu estava na escola, sem me dizer nada?

Corro para o andar de baixo e encontro mamãe em sua escrivaninha, fazendo contas.

— Cadê as coisas do papai? — pergunto.

Ela olha para mim. Então, volta a fazer suas contas.

— Que coisas?

— A parte dele no closet está quase vazia. E a mala dele não está mais lá.

Mamãe coloca a caneta de lado. Não diz nada.

— Ele foi a algum lugar? — pergunto.

— Mais ou menos — diz mamãe.

— O que você quer dizer com isso?

— Por que você não senta...?

— Não quero me sentar.

Meu coração bate violentamente e sinto tontura. Não tenho vontade de saber o que ela vai me dizer na sequência. Minha mãe olha para mim.

— Seu pai está hospedado na casa de um amigo.

— Desde quando?

— Mais ou menos um mês.

— Um mês?

— É... por volta disso.

— É impossível. Ele está aqui todos os dias. E sempre jantamos juntos, ele preparou panquecas para a gente ontem à noite!

— Sei disso. Mas ele tem dormido na casa do amigo.

— Por quê?

— A gente não está se dando bem.

O quê? Não pode ser. Não faz nenhum sentido. Meus pais se dão melhor do que muitos pais que conheço. Eu nunca vi os dois brigando. OK, eles devem ter tido pequenos desentendimentos aqui e ali, mas nunca uma daquelas brigas assustadoras, com berros e objetos que um atira no outro.

— Desde quando?

— Já faz um tempinho.

— Quanto tempo?

— Marisa — mamãe se levanta —, as coisas não têm andado bem entre a gente desde o ano passado.

Balanço a cabeça.

— Não — digo. — Sem chance.

— A gente não queria falar sobre isso com você e a Sandra até termos certeza.

— Isso o quê?

— A nossa separação.

Há algo de estranho acontecendo com minha audição. Durante todo o tempo em que mamãe me dizia que papai está saindo de casa, tenho a sensação de estar debaixo d’água. As palavras que ela pronuncia fazem uma espécie de som borbulhante, e não consigo entender direito o que ela diz.

— Por que vocês dois estão fazendo isso? — pergunto.

— Precisamos nos separar por um tempo.

— Por quê?

— Para descobrir o que nós queremos.

... O que eles querem? Eles não querem ficar juntos? Não é este o sentido do casamento?

— O que significa tudo isso?

— Não estamos mais felizes juntos.

— Mas vocês parecem felizes — digo. Lembro-me, então, do jantar de meu aniversário. E a cena de mamãe afastando sua mão quando papai tentava tocá-la. E que nenhum dos dois riu nem uma vez, a noite toda. E como o Dia de Ação de Graças foi tenso.

— A gente não queria preocupar vocês.

Talvez o problema esteja comigo, mas não estou entendendo nada dessa história. Duas pessoas que pareciam estar felizes durante toda sua vida não estão nada felizes, e eu não fazia ideia de que isso acontecia? Eu moro aqui. Você diria que, a essa altura, eu já teria sinais do que estava se passando. E o que é esta frase: “Não somos mais felizes juntos”? Uma coisa dessas não aparece do nada.

— Mas por que vocês não estão mais felizes?

— Essas coisas acontecem às vezes.

— Mas qual é o motivo?

Mamãe diz, então, algo que nunca tinha falado antes:

— Não posso te dizer.

— Por que não?

— É um assunto particular.

Particular? Particular? Desde quando existe algum assunto que seja particular nessa casa? Mamãe sempre me contou tudo. Bom, pelo visto, nem tudo.

— Por quê? — insisto. Não vou deixá-la, de jeito nenhum, se sair com uma explicação esfarrapada como essa.

— Tem coisas num relacionamento que são... elas têm que ser mantidas entre as pessoas envolvidas. É uma pena que você tenha descoberto tudo desta maneira. Seu pai queria te contar logo, mas...

— Contar o quê?

— Sobre a separação — diz mamãe.

Mas acho que não era isso que ela ia dizer. Acho que ia dizer que papai queria me revelar o motivo pelo qual eles estavam se separando.

Porque ele é o motivo.

Foi então que minha ficha caiu. Meu pai está tendo um caso.

Lembro-me de um dia, semanas atrás, em que eu trazia a correspondência para dentro de casa. Havia um envelope azul endereçado a meu pai. Não tinha o endereço do remetente, mas a letra era, definitivamente, de mulher.

Meu Deus! Não acredito que a minha vida se transformou num clichê como este. Estou na mesma situação de todos os outros adolescentes com pais infelizes.

Isso não devia acontecer comigo.

Agora ficou claro quem é este “amigo” na casa de quem papai está hospedado. É por isso que mamãe não quer me contar. Ela deve estar muito constrangida. Imagine estar casada com alguém que traiu você. Imagine que você teve filhos com esta pessoa.

Odeio meu pai por ele ter feito isso.

— Só me diz uma coisa — insisto. — Tem outra pessoa envolvida nisso, certo? Isso é parte do motivo que está levando vocês à... separação?

Mamãe parece amedrontada. É claro que não quer admitir. Mas se ela me der essa informação, eu paro de fazer perguntas sobre isso; o que é, justamente, o que ela quer.

Ela assente com a cabeça.

Então eu tenho razão.

Odeio meu pai!

Estou indo à loucura. Preciso, desesperadamente, de algo para me distrair. Tudo o que consigo fazer é ir para o meu quarto e tentar não começar a gritar. Não sei nem como vou conseguir esperar pelo início do programa do Dirk. Mas, de algum modo, as horas passam e, quando o programa finalmente começa, é como se eu fosse capaz de desabafar toda a minha dor e raiva através dele, de alguma maneira. Ele é a única pessoa capaz de fazer que eu me sinta melhor, não importa o que aconteça. No momento em que o programa começa, fico instantaneamente mais calma.

Ele lê alguns e-mails. Eu me perco em meio aos problemas das outras pessoas.

“Querido Dirty Dirk, meus pais são um pé no saco. Eles nunca me deixam fazer nada e, se tiro menos que B numa prova, eles fazem um escândalo. Sinto como se eu fosse ter um treco, um colapso nervoso, e vou acabar num hospital psiquiátrico. Não aguento mais, mas não consigo conversar com eles. Por favor, me ajude! Assinado: Zangada Insana.”

“Ei, entendo as coisas que você diz sobre a falta de união dos pais. Acho que todos conseguem entender você. Sinceramente, alguém aí tem pais que saibam do que estão falando? Ou mesmo que saibam como falar conosco como se fôssemos pessoas reais? Está mais do que claro que a nossa amiga Zangada Insana se decepcionou com as pessoas que lhe deveriam servir de exemplo. É triste dizer isso, mas sou um membro deste clube. Cada vez mais me surpreendo com o quanto nossos pais são ferrados na vida, só que eles esperam que a gente saiba como agir. Até onde eu sei, eles eram as pessoas que deveriam estar dando o exemplo.”

Isso é tão estranho! É como se tudo que Dirk estivesse dizendo e os e-mails que selecionou para ler fossem, todos, sobre a minha vida. O mais triste nisso tudo é que ele é a única pessoa que me entende perfeitamente neste momento, e eu nem mesmo sei quem é ele.

1 O pep rally é uma comemoração de último dia de aula em que são apresentados vários tipos de esporte no ginásio da escola (N. E.).