Odeio saber que meu pai tenha encontrado um apartamento e que esteja transferindo todas as suas coisas para lá. Odeio não saber como dar um jeito nessa história toda. E odeio, em particular, não poder estar feliz em relação a Derek, depois de ter esperado tanto tempo que ele me convidasse para sair.
Estou pouco ligando, aliás, que já estejamos na antevéspera do Natal. Uma baboseira, “Feliz Natal” e coisas desse tipo...
Mesmo que eu esteja odiando meu pai neste momento, minha expectativa, no fundo, é que meus pais voltem a ficar juntos. O fato é que eu o amava. Tipo, eu realmente o amo, tanto quanto qualquer um pode amar um pai. Ele sempre foi um ótimo pai. Tenho vontade de vomitar sempre que penso no modo como ele traiu a gente, mas, enterrado bem lá no fundo, num lugar que me recuso a admitir que seja verdadeiro, existe um fiapo de esperança.
Tirando a aula de Artes e Derek, a escola é um pesadelo total. Se o recesso não começasse amanhã, acho que eu não sobreviveria. Assisto à aula de Estudos Globais, em que acontece uma revelação perturbadora. Darius não fez sua tarefa de casa.
Não pode ser.
A sra. Maynard tem a mesma opinião. Ela diz:
— OK, Darius. Muito engraçado isso!
Mas Darius responde:
— Não, é sério. Não fiz a tarefa.
Naquele silêncio dava para ouvir os grilos. Quer dizer, se fosse noite e se estivéssemos fora de casa, coisa e tal.
A sra. Maynard decide deixá-lo em paz.
— OK! — Ela bate palmas com a suposta intenção de mostrar eficiência, mas acaba demonstrando nervosismo. — Vamos continuar.
Fico observando Darius. Ele realmente mudou. Quero dizer, além das roupas que passou a usar. Quando levanta a mão para fazer perguntas, não mostra toda aquela excitação de sempre. Seu ânimo diminuiu drasticamente.
Durante o dia inteiro, sinto a raiva crescendo por dentro. E começo a perceber um monte de coisas que antes não percebia. É como se eu tivesse, agora, uma percepção aguda de como as pessoas realmente são, do que elas realmente estão pensando no momento em que deveriam estar prestando atenção na aula. Das coisas que elas não dizem e que gostariam de dizer.
Mas talvez eu esteja apenas projetando tudo isso.
Não falo com mais ninguém pelo resto do dia. A cada vez que me encontra, Sterling me pergunta o que há de errado, mas simplesmente digo que estou de TPM. Dá para perceber que está preocupada, pois ela sabe que uma coisinha simples tem o poder de me deixar deprimida durante dias. E eu deveria estar vibrando porque finalmente vou sair com Derek.
Quando encontro Nash no corredor, sinto uma necessidade irresistível de falar com ele. Só que Rachel aparece, e ele vai embora.
O frio não está insuportável, então caminho da escola até minha casa. Um pouco de exercício deve me ajudar a manter a estabilidade. Meu terapeuta disse que a atividade física libera endorfina, fazendo com que a gente se sinta melhor. A essa altura, já estou apelando para qualquer coisa.
Assim que chego em casa, pego meu violino, vou ao banheiro e bato a porta. Nosso concerto de inverno aconteceu pouco antes de eu ficar sabendo do episódio envolvendo meu pai, e eu já tenho peças a ensaiar para o concerto da primavera. Gostaria de poder voltar ao tempo em que eu não sabia a verdade em relação a meus pais. Preferia o papel exemplar que eu via neles, naquele tempo.
Eu me tranco, e o clique da porta reverbera no ambiente. Empunho o arco com toda a firmeza. Passo o breu com toda a energia sobre o arco, levantando uma grande nuvem de poeira. Espirro. Alguns fios do arco partem e se descolam devagar, como se tivessem medo do que eu pudesse vir a fazer em seguida. Isso me deixa ainda mais zangada. Este arco é novo.
Por que é que cada simples coisinha tem de se transformar num desafio enorme?
Castigo meu violino. Nem sequer me preocupo que as notas estejam saindo agudas demais. Estou muito perto de arrebentar a corda ré, só com minha irritação.
Batem forte na porta. Ignoro.
Mas não tem como ignorar Sandra.
— Dá pra você parar com isso, por favor? — ela grita e sacode a maçaneta. — Me deixa entrar!
Toco de modo ainda mais violento. As notas nem têm mais o som de notas.
— Dá pra parar? — Sandra berra.
Ela não vai me deixar em paz de jeito nenhum. Destranco a porta. Abro só uma fresta e digo:
— Posso ajudá-la?
— Você pode parar de castigar seu violino. Tem pessoas tentando ler aqui.
— E, por acaso, uma destas pessoas seria uma pequenina e irritante nugget? — Há pouco, Sandra colocou um pôster da PETA2 na parede de seu quarto, com pintinhos fofinhos que dizem: “Não somos nuggets. Por favor, não nos coma!”. Desde então, eu a tenho provocado com isso. Ela odeia que eu a chame de nugget.
— Bom, pelo menos não sou um verme inútil.
— Isso é muito melhor que ser um pequenino nugget crocante.
— Mãe! — Sandra grita. — A Marisa não quer sair do banheiro!
— Pode gritar quanto quiser. Ela não está em casa. — O que é que estou fazendo? Isolando as pessoas com quem eu vivo? Entrando numa briga estúpida com minha irmãzinha, como se eu tivesse 12 anos? Destruindo meu violino, que custou caro? — Sandy...
— Meu nome é Sandra.
— Sério? Achei que fosse Nugget.
— Você é uma inútil, sabia? — Sandra bate a porta.
É. Estou começando a me dar conta de que sou mesmo. Mas obrigada pela confirmação.
2 ONG que estimula o bom tratamento dos animais (N. T.).