6.   O jantar

ERA VISÍVEL, AO PASSAREM para a sala de jantar, a disposição unânime de todos os comensais. Indagavam-se que estranha influência trouxera todos eles até aquela casa, e no entanto, por mais perplexos e preocupados que estivessem por se acharem ali, não queriam em absoluto se encontrar em outro lugar.

Todavia, as relações de data recente, a posição excêntrica e isolada, a fortuna desconhecida e quase fabulosa do conde impunham aos homens o dever de ser circunspectos e às mulheres, a lei de não entrar naquela casa onde não havia mulheres para recebê-las; e ainda assim, homens e mulheres haviam cometido infrações, uns, à circunspecção, as outras, ao decoro; e a curiosidade, arrastando-os em seu irresistível turbilhão, prevalecera sobre tudo.

Apenas os Cavalcanti, pai e filho, um a despeito da rigidez, o outro, do desembaraço, pareceram preocupados ao se ver reunidos, na casa de um homem cujo objetivo não compreendiam, com outros homens que viam pela primeira vez na vida.

A sra. Danglars fizera um gesto ao ver, a convite de Monte Cristo, o sr. de Villefort aproximar-se dela para lhe oferecer o braço, e o olhar do sr. de Villefort ficou perturbado atrás dos aros de ouro ao sentir o braço da baronesa pousar no seu.

Nenhum desses dois gestos escapara ao conde, e naquela simples tomada de contato entre dois indivíduos havia para o observador uma cena de grande interesse.

O sr. de Villefort tinha a sra. Danglars à sua direita e Morrel à esquerda.

O conde estava sentado entre a sra. de Villefort e Danglars.

Os outros intervalos foram preenchidos por Debray, sentado entre Cavalcanti pai e Cavalcanti filho, e Château-Renaud, sentado entre a sra. de Villefort e Morrel.

A refeição foi magnífica: Monte Cristo chamara a si a tarefa de derrubar completamente a simetria parisiense e dar, antes à curiosidade que ao apetite de seus convidados, o alimento que aquela desejava. O que foi oferecido equivalia a um festim oriental, mas oriental à maneira que o podiam ser os festins das fadas árabes.

Todas as frutas que os quatro cantos do mundo podem proporcionar, intactas e saborosas no chifre de abundância da Europa, estavam arrumadas em pirâmides nos vasos chineses e nas taças japonesas. As aves raras vinham apresentadas com a parte brilhante de sua plumagem, os peixes monstruosos, estendidos sobre lâminas de prata, todos os vinhos do Arquipélago, da Ásia Menor e da África do Sul, armazenados em tubos de formas bizarras, cuja visão parecia acrescentar-lhes ainda mais sabor, desfilaram como uma dessas inspeções que Apício promovia, com seus convidados, perante aqueles parisienses que julgavam perfeitamente compreensível gastar mil luíses num jantar para dez pessoas, contanto que, como Cleópatra, se comessem pérolas ou, como Lourenço de Medici se bebesse ouro derretido.

Monte Cristo percebeu o espanto geral e começou a rir e zombar em voz alta.

— Admitam, senhores — disse ele —, que, ao se alcançar um certo nível de fortuna, nada é mais necessário que o supérfluo, assim como admitirão as senhoras que, ao se alcançar um certo nível de exaltação, nada mais concreto que o ideal, não é? Ora, levando adiante esse raciocínio, em que reside o maravilhoso? No que não compreendemos. O que é um bem verdadeiramente desejável? O que não podemos possuir. Ora, ver coisas que eu não posso compreender, proporcionar-me coisas impossíveis de possuir, eis o estudo de toda a minha vida. Consigo isso de duas maneiras: com dinheiro e vontade. Empenho na realização de uma fantasia, por exemplo, a mesma perseverança que o senhor, meu caro Danglars, em criar uma linha ferroviária; que o senhor, meu caro Villefort, em condenar um homem à morte; que o senhor, meu caro Debray, em pacificar um reino; que o senhor, sr. de Château-Renaud, em agradar uma mulher; e que o nosso Morrel, em domar um cavalo que ninguém é capaz de montar. Por exemplo, vejam esses dois peixes, nascidos, um a trezentos quilômetros de São Petersburgo, o outro a trezentos quilômetros de Nápoles: não é divertido reuni-los na mesma mesa?

— Que peixes são esses então? — perguntou Danglars.

— O sr. de Château-Renaud, que já morou na Rússia, poderá lhe dizer o nome de um deles — respondeu Monte Cristo —, e ali o sr. major Cavalcanti, que é italiano, lhe dirá o nome do outro.

— Creio que este seja um esturjão-sterlet — arriscou Château-Renaud.

— Perfeito.

— E este — disse Cavalcanti —, se não me engano, é uma lampreia.

— Isso mesmo. Agora, sr. Danglars, pergunte a esses dois cavalheiros onde esses dois peixes são pescados?

— Ora — disse Château-Renaud —, os esturjões-sterlet são pescados apenas no Volga.

— Ora — disse Cavalcanti —, não existe senão o lago de Fusaro para fornecer lampreias desse porte.

— Pois então, exatamente; um chegou do Volga e o outro do lago de Fusaro.

— Impossível! — exclamaram em uníssono todos os convidados.

— Pois então! É justamente isso o que que me diverte — disse Monte Cristo. — Sou como Nero; cupitor impossibilium2.; e justamente o que também os diverte neste momento; é isso, enfim, que dentro de instantes fará essa carne, talvez na realidade inferior à da perca ou do salmão, nos parecer tão rebuscada; pois no espírito dos senhores era impossível obtê-la, mas, não obstante, aqui está ela.

— Mas como fizeram para trazer esses dois peixes até Paris?

— Oh, meu Deus, nada mais simples. Eles foram trazidos num grande tonel acolchoado, um de bambu e ervas do rio, o outro de juncos e plantas do lago; foram condicionados num furgão fabricado expressamente para isso; viveram assim, o sterlet, doze dias, e a lampreia, oito; e ambos viviam perfeitamente quando meu cozinheiro apoderou-se deles para fazê-los morrer, um no leite, o outro no vinho. Não acredita, sr. Danglars?

— Digamos que eu desconfie — respondeu Danglars, sorrindo seu sorriso pegajoso.

— Baptistin! — chamou Monte Cristo. — Mande trazer o outro sterlet e a outra lampreia; o senhor sabe, os que vieram em outros tonéis e ainda estão vivos.

Danglars esbugalhou os olhos; a mesa aplaudiu.

Quatro criados trouxeram dois tonéis guarnecidos com plantas marinhas, dentro de cada um dos quais palpitava um peixe igual aos que estavam servidos na mesa.

— Mas por que dois de cada espécie? — perguntou Danglars.

— Porque um deles poderia morrer — respondeu Monte Cristo com simplicidade.

— O senhor é realmente um homem prodigioso — disse Danglars. — E, por mais que os filósofos falem, é soberbo ser rico.

— E ainda por cima ter ideias — disse a sra. Danglars.

— Oh, não me conceda a honra por ter tido esta, senhora; ela esteve muito em voga entre os romanos, e Plínio conta que despachavam de Óstia para Roma, revezando os escravos que os carregavam na cabeça, peixes de uma espécie então conhecida como mulus. Segundo a descrição que herdamos, é provavelmente o salmonete. Também era um luxo tê-lo vivo, e um espetáculo divertidíssimo vê-lo morrer, pois ao morrer mudava de cor três ou quatro vezes e, como um arco-íris que se evapora, passava por todos os matizes do prisma, depois do que era despachado para as cozinhas. Sua agonia fazia parte de seu mérito. Se não fosse visto vivo, era desprezado morto.

— Sim — disse Debray —, mas são apenas quarenta ou oitenta quilômetros de Óstia a Roma.

— É verdade — disse Monte Cristo —, mas qual é o mérito de nascer dezoito séculos depois de Lúculo se não for para fazer melhor do que ele?

Os dois Cavalcanti arregalaram olhos enormes, mas tiveram o bom senso de não dizer uma palavra.

— Tudo isso é adorável — disse Château-Renaud —, entretanto, o que admiro mais, confesso, é a incrível presteza com que o senhor é servido. Não é verdade, sr. conde, que comprou esta casa há cinco ou seis dias?

— Se tanto — disse Monte Cristo.

— Pois bem! Tenho certeza de que em uma semana ela sofreu uma transformação completa, pois, se não me engano, havia uma entrada diferente e o pátio era cimentado e vazio, ao passo que hoje o pátio é um magnífico gramado, cercado de árvores aparentemente centenárias.

— Que posso fazer? Gosto do verde e da sombra — explicou Monte Cristo.

— Com efeito — disse a sra. de Villefort —, antigamente entrava-se por uma porta que dava para a estrada, e lembro que, no dia da minha milagrosa salvação, foi pela estrada que o senhor me introduziu na casa.

— É verdade, senhora — admitiu Monte Cristo —, mas desde então preferi uma entrada que me permitisse ver o Bois de Boulogne através da grade.

— Em quatro dias — disse Morrel —, isso é um prodígio!

— De fato — concordou Château-Renaud —, de uma casa velha fazer uma nova, é um milagre; pois a casa era muito velha, e eu diria até muito triste. Recordo-me que minha mãe me incumbiu de visitá-la quando o sr. de Saint-Méran decidiu vendê-la, há dois ou três anos.

— O sr. de Saint-Méran? — perguntou Danglars. — Mas esta casa pertencia ao sr. de Saint-Méran antes que o senhor a comprasse?

— Parece que sim — respondeu Monte Cristo.

— Como, parece! Não sabe de quem a comprou?

— Juro que não, é meu intendente que cuida desses detalhes.

— Asseguro-lhes que há pelo menos dez anos ela não é habitada — afirmou Château-Renaud —, e era uma grande tristeza vê-la com suas persianas e portas fechadas e seu pátio tomado pelo capim. Na verdade, se ela não houvesse pertencido ao sogro de um procurador do rei, poderíamos tomá-la por uma dessas casas amaldiçoadas em que algum crime foi cometido.

Villefort, que até então não tocara nos três ou quatro vinhos extraordinários colocados à sua frente, pegou um por acaso e o esvaziou de um gole só.

Monte Cristo deixou passar um instante; então, em meio ao silêncio que se seguira às palavras de Château-Renaud, disse:

— É estranho, sr. barão, mas o mesmo pensamento me ocorreu quando entrei aqui da primeira vez. E esta casa me pareceu tão lúgubre que nunca a teria comprado se o meu intendente não tivesse feito o negócio por mim. Provavelmente o malandro recebeu alguma propina do tabelião.

— É possível — balbuciou Villefort, tentando sorrir —, mas, acredite, não tenho nada a ver com essa corrupção. O sr. de Saint-Méran quis vender esta casa, parte do dote de sua neta, porque, se permanecesse por mais três ou quatro anos desabitada, iria cair em ruínas.

Foi a vez de Morrel empalidecer.

— Havia um quarto em especial — continuou Monte Cristo — ah, meu Deus, aparentemente muito simples, um quarto como outro qualquer, forrado de damasco vermelho, que me pareceu, não sei por quê, excessivamente dramático.

— Por que isso? — perguntou Debray. — Por que dramático?

— Será que nos damos conta das coisas instintivas? — indagou Monte Cristo. — Não existem lugares onde parece que respiramos naturalmente a tristeza? Por quê? Ignoramos; por um encadeamento de recordações, um capricho do pensamento, que nos transporta para outra época, outro lugar, talvez sem nenhuma relação com a época e o lugar em que nos encontramos; tanto eles existem que o tal quarto me lembrava admiravelmente o da marquesa de Granges, ou o de Desdêmona. Ora, meu Deus, já que terminamos de comer, devo lhes mostrar esse quarto, depois descemos de novo para tomar o café no jardim. Depois do jantar, o espetáculo.

Monte Cristo fez um sinal interrogando seus convidados. A sra. de Villefort se levantou, Monte Cristo fez o mesmo, todos imitaram seu exemplo.

Villefort e a sra. Danglars permaneceram por um instante como pregados no lugar; interrogavam-se com os olhos, frios, mudos e petrificados.

— Ouviu? — disse a sra. Danglars.

— Temos que ir — respondeu Villefort, levantando-se e lhe oferecendo o braço.

Todos já se haviam espalhado pela casa, levados pela curiosidade, pois claramente achavam que a visita não se limitaria àquele quarto, que não deixariam de percorrer o resto da choupana a partir da qual Monte Cristo fizera um palácio. Lançaram-se todos então pelas portas abertas. Monte Cristo esperou os dois retardatários; então, quando estes passaram, seguiu-os com um sorriso que, se os convidados pudessem entender, os teria deixado muito mais perplexos do que o quarto aonde iriam entrar.

Puseram-se, portanto, a percorrer os aposentos, os quartos mobiliados no estilo oriental, com divãs e almofadas no lugar de camas, cachimbos e armas em vez de armários; os salões, que exibiam os mais belos quadros dos velhos mestres; alcovas forradas à chinesa, com cores cambiantes, desenhos fantásticos, tecidos maravilhosos; finalmente, chegaram ao famoso quarto.

Este não tinha nada de especial, salvo que, embora já estivesse escurecendo, não estava iluminado e permanecia austero, enquanto os outros quartos haviam se revestido de uma nova aparência.

De fato, esses dois elementos bastavam para lhe conferir um aspecto lúgubre.

— Ui! — exclamou a sra. de Villefort. — É realmente assustador.

A sra. Danglars tentou balbuciar algumas palavras que ninguém ouviu.

Várias observações se cruzaram, e o consenso foi que o quarto de damasco vermelho possuía efetivamente um aspecto sinistro.

— Eu não disse? — perguntou Monte Cristo. — Observem como essa cama está colocada inusitadamente, papel de parede escuro e agressivo! E esses dois retratos a pastel, que a umidade empalideceu, não lembram, com seus lábios lívidos e seus olhos perplexos: “Eu vi!”

Villefort ficou branco, a sra. Danglars desabou numa espreguiçadeira instalada perto da lareira.

— Oh — disse a sra. de Villefort, sorrindo —, tem realmente coragem de sentar-se nessa cadeira em que o crime talvez tenha sido cometido?

A sra. Danglars levantou-se instantaneamente.

— E depois — disse Monte Cristo —, isso não é tudo.

— Tem mais? — perguntou Debray, a quem a perturbação da sra. Danglars não passara dasapercebida.

— Sim, o que há mais para se ver? — perguntou Danglars. — Pois até agora confesso que não vejo nada de extraordinário; e o senhor, major Cavalcanti?

— Ah! — disse este. — Em Pisa temos a torre de Ugolino, em Ferrara, a prisão de Tasso, e, em Rimini, o quarto de Francesca e Paolo.

— Pode ser, mas vocês não têm essa escadinha — contestou Monte Cristo, abrindo uma porta oculta pelos reposteiros. — Observem e digam-me o que acham disso.

— Que abóbada sinistra para uma escada! — disse Château-Renaud, rindo.

— De fato fato — disse Debray —, não sei se é o vinho de Quios que provoca melancolia, mas com certeza vejo essa casa toda de luto.

Quanto a Morrel, depois que comentaram o dote de Valentine, permaneceu triste e não pronunciara palavra.

— Imaginem — disse Monte Cristo — um Otelo, ou um sacerdote do Ganges qualquer, descendo essa escada passo a passo, por uma noite escura e tempestuosa, com algum lúgubre fardo que ele tem pressa de esconder da vista dos homens, quando não do olhar de Deus!

A sra. Danglars quase desmaiou no braço de Villefort, ele mesmo sentindo-se obrigado a buscar apoio na parede.

— Ai, meu Deus — exclamou Debray —, o que a senhora tem? Como está pálida!

— O que ela tem? — perguntou a sra. de Villefort. — É muito simples; ela tem que o sr. de Monte Cristo nos conta histórias aterradoras, sem dúvida na intenção de nos fazer morrer de medo.

— Exatamente — disse Villefort. — Com efeito, conde, o senhor está assustando as damas.

— O que está sentindo? — repetiu Debray, baixinho, à sra. Danglars.

— Nada, nada — disse ela, fazendo um esforço. — Preciso de ar, só isso.

— Quer descer até o jardim? — perguntou Debray, oferecendo o braço à sra. Danglars e avançando na direção da escada secreta.

— Não — disse ela —, não; prefiro ficar aqui.

— Sinceramente, senhora — disse Monte Cristo —, esse terror é real?

— Não, cavalheiro — disse a sra. Danglars. — Mas o senhor tem uma forma de presumir as coisas que confere à ilusão o aspecto da realidade.

— Oh, meu Deus, sim — disse Monte Cristo sorrindo —, e tudo isso é fruto da imaginação, pois, da mesma forma, o que nos impede de imaginar esse quarto como um bom e honesto quarto de mãe de família? Essa cama, com seu cortinado roxo, como um leito visitado pela deusa Lucina, e essa escada misteriosa, como a passagem pela qual, sorrateiramente, para não perturbar o sono reparador daquela que acabou de dar à luz, passa o médico ou a ama de leite, ou o próprio pai carregando o bebê adormecido…?

A sra. Danglars, em vez de se tranquilizar com essa amena descrição, soltou um gemido e desmaiou para valer.

— A sra. Danglars está passando mal — balbuciou Villefort. — Acho que precisamos levá-la para o coche.

— Oh, meu Deus! — afligiu-se Monte Cristo. — E eu, que esqueci meu frasco!

— Tenho o meu — disse a sra. de Villefort.

E passou para Monte Cristo um frasco cheio de um líquido vermelho similar àquele cuja benfazeja influência o conde testara em Édouard.

— Ah…! — disse Monte Cristo, tomando-o das mãos da sra. de Villefort.

— Sim — ela murmurou —, testei de acordo com suas instruções.

— E foi bem-sucedida?

— Creio que sim.

Haviam transportado a sra. Danglars para o quarto ao lado. Monte Cristo deixou cair sobre seus lábios uma gota da beberagem vermelha, e ela voltou a si, exclamando:

— Oh, que sonho pavoroso!

Villefort apertou seu punho com força, para lhe mostrar que não havia sonhado.

Foram procurar o sr. Danglars; porém, pouco afeito às impressões poéticas, este descera até o jardim e conversava com o sr. Cavalcanti pai sobre um projeto de ferrovia de Livorno a Florença.

Monte Cristo parecia desesperado. Pegou o braço da sra. Danglars e levou-a até o jardim, onde encontraram o sr. Danglars tomando café entre os srs. Cavalcanti pai e filho.

— Fale a verdade, senhora — disse-lhe—, eu realmente a assustei?

— Não, senhor, mas, como sabe, as coisas nos impressionam segundo a disposição de espírito em que nos achamos.

Villefort fez força para rir.

— Como o senhor vê — disse ele —, basta uma suposição, uma quimera…

— Pois bem! — disse Monte Cristo. — Acreditem se quiser, tenho a convicção de que um crime foi cometido nesta casa.

— Cuidado — disse a sra. de Villefort —, temos entre nós o procurador do rei.

— Realmente — respondeu Monte Cristo —, e, uma vez que chegamos até aqui, aproveitarei para dar o meu depoimento.

— Seu depoimento? — perguntou Villefort.

— Sim, e perante testemunhas.

— Tudo isso é muito interessante — disse Debray. — Se houve efetivamente crime, vamos ter uma digestão daquelas.

— Houve crime — afirmou Monte Cristo. — Sigam-me, senhores; venha, sr. de Villefort; para que tenha validade, o depoimento deve ser feito às autoridades competentes.

Monte Cristo pegou o braço de Villefort e, ao mesmo tempo em que apertava sob o seu o da sra. Danglars, arrastou o procurador do rei até embaixo do plátano onde a sombra era mais densa.

Todos os demais convidados os seguiam.

— Vejam — afirmou Monte Cristo — aqui, exatamente neste lugar (e bateu na terra com o pé), aqui, para rejuvenescer estas árvores já veneráveis, mandei escavar e aterrar; muito bem, meus trabalhadores, ao escavarem, encontraram uma arca, ou melhor, ferragens de uma arca, em meio às quais jazia o esqueleto de uma criança recém-nascida. Isso não é fantasmagoria, espero…

Monte Cristo sentiu o braço da sra. de Villefort endurecer e o pulso de Villefort estremecer.

— Um recém-nascido? — repetiu Debray. — Diabos! Isso está começando a me parecer sério.

— Ora — disse Château-Renaud —, então eu não estava enganado ao supor agora mesmo que as casas possuíam uma alma e um rosto, como os homens, e que estampavam em sua fisionomia um reflexo de suas entranhas. A casa estava triste porque tinha remorsos; e os tinha porque acobertava um crime.

— Oh, quem disse que se trata de um crime? — rebateu Villefort, num último esforço.

— Como! Uma criança enterrada viva num jardim, isso não é um crime? — exclamou Monte Cristo. — Como denomina um ato desses, meu caro procurador do rei?

— Mas quem disse ela que foi enterrada viva?

— Por que enterrá-la aqui, se estava morta? Este jardim nunca foi um cemitério.

— Como são castigados os infanticidas neste país? — perguntou ingenuamente o major Cavalcanti.

— Oh, meu Deus, s