Capítulo 2

Andrews tomou o pequeno-almoço no hotel. Numa acanhada sala das traseiras do primeiro andar havia uma única mesa comprida, à volta da qual estava espalhada uma porção de cadeiras que pareciam ser a principal peça de mobiliário do hotel. Três homens ocupavam uma ponta da mesa, apertados uns contra os outros, a conversar; Andrews sentou-se solitariamente na outra ponta. O empregado que lhe levara a água no dia anterior entrou na sala de jantar e perguntou a Andrews se queria tomar o pequeno-almoço. Quando Andrews fez um aceno afirmativo, virou-se e dirigiu-se à pequena cozinha que ficava por detrás dos três homens que ocupavam o outro extremo da mesa. Caminhava com um ligeiro coxear que só se notava de costas. Regressou com uma bandeja que trazia um grande prato de feijões e papas de milho e uma taça de café fumegante. Colocou a comida diante de Andrews e estendeu a mão para o centro da mesa, alcançando um prato com sal.

— Onde posso encontrar McDonald a esta hora da manhã? — perguntou-lhe Andrews.

— No escritório — respondeu o empregado. — A maior parte do tempo está lá, dia e noite. Vá sempre pela estrada adiante, em direção ao rio, e vire à esquerda um pouco antes de chegar à moita de choupos. É a cabana que fica mesmo do lado de cá dos poços de salga.

— Poços de salga?

— Para as peles — esclareceu o empregado. — Não tem que enganar.

Andrews fez um aceno afirmativo. O empregado tornou a virar-se e abandonou a sala. Andrews começou a comer com lentidão; o feijão estava morno e insípido, mesmo com sal, e as papas de milho eram desenxabidas e não tinham chegado a aquecer o suficiente. O café, porém, estava quente e era amargo; deixou-lhe a língua dormente e fê-lo apertar os lábios contra os dentes brancos e regulares. Bebeu-o todo, tão depressa quanto a sua elevada temperatura lhe permitia.

Quando terminou o pequeno-almoço e saiu para a rua, o sol já se elevara muito acima dos poucos edifícios da vila e incidia na rua com uma intensidade que parecia quase corpórea. Havia mais gente do que na tarde anterior, quando chegara à vila; uns quantos homens de fato escuro e chapéu de coco misturavam-se com um número mais elevado de gente que trajava mais descuidadamente, de calças de ganga desbotadas, lona suja ou casimira. Caminhavam pelo passeio e pela rua com uma certa decisão, apesar de não mostrarem grande pressa; por entre as sombras do vestuário pardo dos homens captava-se, aqui e além, o relance colorido — vermelho, alfazema, branco imaculado — de uma saia ou blusa feminina. Andrews baixou a aba do chapéu mole para proteger os olhos e caminhou pela rua fora em direção à pequena mata que ficava para lá da vila.

Passou pela loja de artigos de couro, pela estrebaria e por uma pequena oficina de ferreiro aberta dos lados. Era ali que a vila terminava; saiu do passeio para a estrada. A uns cem metros da vila ficava a bifurcação que o empregado descrevera; pouco mais era que duas faixas gémeas de terra escalavrada pelas rodas que por elas tinham passado. No final desse carreiro, a uns cem metros da estrada, via-se uma pequena cabana de teto direito e para lá dela uma série de vedações de estacas, dispostas segundo uma configuração que àquela distância não conseguiu perceber. Próximo das vedações, em ângulos desencontrados, viam-se várias carroças vazias, com suas línguas fincadas no solo, apontadas na direção oposta às vedações. Um leve mau cheiro, que Andrews não conseguia identificar, foi-se intensificando à medida que se aproximava da cabana e das vedações.

A porta da cabana estava aberta. Andrews parou, de mão fechada no ar para bater; no interior da divisão única havia um grande amontoado de livros, papéis e arquivadores espalhados pelo soalho, empilhados a esmo nos cantos e a transbordar de caixotes encostados às paredes. No centro de tudo isto, aparentemente ali entalado, estava um homem em mangas de camisa amarrecadamente sentado a uma mesa tosca, a folhear com grande pressa as grossas folhas de um livro de registo; praguejava baixinho, em tom monocórdico.

— Mr. McDonald? — perguntou Andrews.

O homem ergueu os olhos, com a pequena boca aberta e arqueando as sobrancelhas que lhe encimavam os olhos azuis protuberantes, cujas córneas tinham a mesma brancura matizada que a camisa.

— Entre, entre — disse, levantando violentamente a mão para arredar os cabelos ralos que lhe caíam para a testa. Afastou a cadeira da secretária e começou a pôr-se de pé, para logo voltar a sentar-se fatigadamente, deixando descair os ombros.

— Entre, entre, não fique aí parado.

Andrews assim fez, ficando postado mesmo à entrada da porta. McDonald fez um gesto na direção de um canto atrás de Andrews e disse:

— Puxe uma cadeira, rapaz; sente-se.

Andrews puxou uma cadeira que estava atrás de uma pilha de papéis e colocou-a diante da secretária de McDonald.

— O que é que deseja? Em que posso ser-lhe útil? — perguntou McDonald.

— Sou o Will Andrews. Calculo que não se lembre de mim.

— Andrews? — McDonald franziu o sobrolho, encarando o jovem com uma certa hostilidade. — Andrews… — Apertou os lábios; os cantos da boca descaíram, tocando as rugas que subiam do queixo. — Não me faça perder tempo, com os diabos; se me lembrasse de si teria dito alguma coisa assim que entrou. Ora bem…

— Trago uma carta — disse Andrews, levando a mão ao bolso do lenço — do meu pai. Benjamin Andrews. O senhor conheceu-o em Boston.

McDonald pegou na carta que Andrews segurava diante dele.

— Andrews? Boston? — o tom era rabugento, confundido. Manteve os olhos pregados em Andrews enquanto abria a carta. — Ah, claro. Porque é que não disse quem era?… Claro, aquele sujeito que era pregador. — Leu atentamente a carta, movendo-a diante dos olhos como se isso pudesse apressar a leitura. Quando terminou, voltou a dobrar a carta e poisou-a sobre uma pilha de papéis que tinha na secretária. Tamborilou com os dedos no tampo. — Meu Deus! Boston. Deve ter sido há uns doze, catorze anos. Antes da guerra. Eu costumava ir tomar chá na vossa sala de visitas. — Abanou a cabeça, com espanto. — Devo tê-lo visto por lá uma ou outra vez. Nem sequer me recordo.

— O meu pai falava muitas vezes de si — declarou Andrews.

— De mim? — McDonald abriu novamente a boca e abanou a cabeça devagar; os seus olhos redondos pareceram girar nas órbitas. — Porquê? Eu só o vi para aí uma dúzia de vezes. — Olhou para lá de Andrews e disse inexpressivamente: — Eu para ele não era ninguém que se visse. Era um empregado de uma casa de tecidos qualquer. Nem sequer me lembro do nome dela.

— Acho que o meu pai o admirava, Mr. McDonald — disse Andrews.

— A mim? — riu-se fugazmente, após o que olhou com desconfiança para Andrews, de semblante carregado. — Escute, rapaz. Eu ia à igreja do seu pai porque pensava que era capaz de conhecer alguém que me arranjasse um emprego melhor, e principiei a ir àquelas reuniõezinhas que o seu pai fazia pela mesma razão. Muitas das vezes nem sequer percebia do que estavam eles a falar. — E disse com amargura: — Limitava-me a fazer que sim com a cabeça a tudo o que alguém dissesse. E não se pode dizer que tenha ganho grande coisa com isso.

— Acho que ele o admirava por o senhor ser o único homem que ele conheceu na vida a vir para aqui, a vir para o Oeste, e ter sucesso.

McDonald abanou a cabeça.

— Boston — quase sussurrou. — Meu Deus!

Durante mais algum tempo ficou a olhar para nenhures, para lá de Andrews. A seguir endireitou os ombros e tomou fôlego.

— Como é que o velho Mr. Andrews soube onde eu estava?

— Um sujeito da Bates & Durfee de passagem por Boston disse que o senhor trabalhava na empresa em Kansas City. Em Kansas City disseram-me que o senhor se tinha despedido e vindo para aqui.

McDonald exibiu um sorriso tenso.

— Agora tenho a minha própria empresa. Despedi-me da Bates & Durfee há quatro ou cinco anos. — Assumiu uma expressão carrancuda e uma mão dirigiu-se ao livro de registo que tinha fechado quando Andrews entrara na cabana. — Agora faço tudo sozinho… Bem — tornou a endireitar-se. — A carta diz que devo ajudá-lo no que puder. Afinal, o que foi que o levou a vir até cá?

Andrews levantou-se da cadeira e pôs-se a andar pela sala sem rumo certo, a olhar para as pilhas de papéis.

McDonald sorriu e baixou a voz.

— Sarilhos? Meteu-se nalgum sarilho lá na terra?

— Não — replicou prontamente Andrews. — Não é nada disso.

— Acontece a muitos rapazes — observou McDonald. — É por isso que vêm para cá. Mesmo o filho dum pregador.

— O meu pai é um ministro leigo da Igreja Unitária — disse Andrews.

— Vem a dar no mesmo. — McDonald gesticulou impacientemente. — Bom, quer emprego? Com os diabos, eu posso arranjar-lhe emprego. A verdade é que eu sozinho não dou conta do recado. Olhe para esta porcaria toda. — Apontou para os papéis empilhados; o dedo tremia-lhe. — Já estou dois meses atrasado e cada dia me atraso mais. Não consigo encontrar ninguém que se aguente o tempo suficiente para…

— Mr. McDonald — tornou Andrews. — Eu não percebo nada do seu negócio.

— O quê? Não percebe o quê? Ora essa! É de peles, rapaz. Peles de búfalo1. Compro e vendo. Contrato expedições de caça e eles trazem as peles. Eu vendo-as em St. Louis. Sou eu próprio que as curto e tinjo aqui mesmo. No ano passado tratei de quase cem mil peles. Este ano… o dobro, o triplo disso. Uma grande oportunidade, rapaz. Acha que conseguia despachar parte desta papelada?

— Mr. McDonald…

— É esta burocracia que dá cabo de mim. — Passou os dedos pelos delgados fios de cabelo que lhe caíam sobre as orelhas.

— Agradeço-lhe muito, senhor — respondeu Andrews. — Mas não sei bem…

— Bolas, é só um começo. Olhe. — Com uma mão fina como uma garra apertou o braço de Andrews acima do cotovelo e arrastou-o até à porta. — Olhe para ali. — Saíram para o sol abrasador; Andrews semicerrou os olhos e retraiu-se perante a claridade. McDonald, ainda a agarrar-lhe o braço, apontou para a vila. — Quando para aqui vim, há um ano, havia três tendas e um casebre escavado na montanha além: um bar, uma casa de putas, uma loja de tecidos e um ferreiro. Olhe para ela agora. — Chegou o rosto ao de Andrews e disse num murmúrio roufenho, exalando um hálito agridoce de tabaco: — Isto fica aqui entre nós, mas esta vila daqui a dois ou três anos vai sair da cepa torta. Eu já tenho meia dúzia de parcelas delimitadas e da próxima vez que for a Kansas City vou delimitar outras tantas. Está tudo à disposição! — sacudiu o braço de Andrews como se fosse um pau; baixou a voz, que se tornara estridente. — Olhe, rapaz. É o caminho-de-ferro. Não dê com a língua nos dentes, mas quando o caminho-de-ferro passar por aqui, isto vai ser mesmo uma cidade. Venha trabalhar comigo; eu aponto-lhe o rumo certo. Toda a gente pode reivindicar terras por aqui; a única coisa que tem de fazer é assinar o nome num papel no Registo de Propriedade do Estado. Depois deixa-se ficar à espera. E pronto.

— Obrigado, senhor — disse Andrews. — Vou pensar nisso.

Pensar nisso?! — McDonald largou-lhe o braço e afastou-se dele, espantado. Levantou ao ar as mãos, que se agitaram à medida que ele descrevia uma volta num apertado círculo enraivecido. — Pensar nisso? Ora essa, rapaz, é uma oportunidade. Escute. O que é que você fazia lá em Boston antes de vir para aqui?

— Estava no terceiro ano do Harvard College.

— Está a ver? — retorquiu triunfantemente McDonald. — E que iria você fazer depois do quarto ano? Teria de ir trabalhar para alguém, ou iria para professor, como o velho Mr. Andrews, ou… Escute. Por aqui não há muitos como nós. Homens com visão. Homens capazes de pensar no amanhã. — Apontou para a vila com uma mão trémula. — Viu aquela gente lá atrás? Falou com algum deles?

— Não, senhor — respondeu Andrews. Só cheguei ontem à tarde de Ellsworth.

— Caçadores — disse McDonald. Os apertados lábios secos afrouxaram e descerraram-se, como se tivesse provado qualquer coisa estragada. — Todos caçadores e gente intratável. É o que esta região seria se não fossem os homens como nós. Gente que vive da terra, sem saber o que fazer com ela.

— A maioria das pessoas da vila são caçadores?

— Caçadores, gente intratável e uns quantos vadios vindos do Leste. Isto é uma vila-esconderijo, rapaz. Mas vai mudar. Há de ver, quando o caminho-de-ferro passar por aqui.

— Acho que gostava de falar com alguns deles — disse Andrews.

— Com quem? — berrou McDonald. — Com os caçadores? Valha-me Deus! Não me diga que é como os outros miúdos que vêm para aqui. Três anos no Harvard College, e é isso que quer fazer deles. Eu já devia saber. Eu já devia saber assim que o vi.

— Só quero falar com alguns deles — esclareceu Andrews.

— Claro — contrapôs azedamente McDonald. — E mal se precate só lhe apetece partir. — A sua voz adquiriu um tom de franqueza. — Escute, rapaz, escute o que lhe digo. Se lhe dá para ir com esses homens, está feito. Ah, isso para mim não é novidade. Aquilo agarra-se a uma pessoa como piolhos de búfalo. Depois já não quer saber de nada. Esses homens… — McDonald apertou as mãos no ar, como que para agarrar uma palavra.

— Mr. McDonald — disse serenamente Andrews —, agradeço-lhe o que está a tentar fazer por mim, mas gostava de lhe explicar uma coisa. Eu vim para aqui… — Fez uma pausa e deixou os olhos vaguearem para lá de McDonald, para lá da vila, para lá da crista de terra que imaginava ser a margem do rio, até se fixar no liso terreno verde-amarelado que se perdia no horizonte a oeste. Tentou formular o que tinha para dizer a McDonald. Era um sentimento; era uma ânsia da qual tinha de falar. Porém, dissesse o que dissesse, sabia que seria apenas outro nome para a terra bravia que procurava. Era uma liberdade e uma bondade, uma esperança e um vigor que se lhe afiguravam estar subjacentes a todas as coisas habituais da vida, que não eram livres nem boas nem esperançosas nem vigorosas. Aquilo que procurava era a fonte e a preservação do seu mundo, um mundo que parecia girar eternamente temeroso para longe da sua fonte, em lugar de a procurar, como a erva da pradaria à sua volta estendia as raízes fibrosas pela fértil humidade escura adentro, a Terra bravia, e assim se renovava, ano após ano. De súbito, no meio da grande pradaria, despovoada e misteriosa, veio-lhe ao espírito a imagem de uma rua de Boston, a fervilhar de carruagens e peões que mourejavam arrastadamente por baixo das arcadas de ulmeiros regularmente espaçados, que se diria terem brotado da pedra lisa dos passeios e da rua; veio-lhe ao espírito a imagem dos edifícios altos, apertados uns contra os outros, cuja pedra elaboradamente talhada estava enegrecida do fumo e da imundície da cidade; veio-lhe ao espírito a imagem do rio Charles serpenteando por entre terrenos loteados, aldeias e vilas, levando o entulho do homem e da cidade até à grande baía.

Apercebeu-se de que tinha os punhos cerrados com força e as pontas dos dedos escorregavam na humidade das palmas das mãos. Afrouxou a pressão e enxugou-as nas calças.

— Vim até aqui para ver o mais que possa da região — respondeu calmamente. — Quero conhecê-la. É uma coisa que tenho de fazer.

— A juventude — disse McDonald. Falou com suavidade. Por entre as reluzentes gotas de humidade que sobressaíam na testa escorria-lhe um fio de suor, infiltrando-se nas emaranhadas sobrancelhas, que se franziam por cima dos olhos que observavam fixamente Andrews. — Não sabe o que fazer à vida. Meu Deus, se você começasse agora… Se tivesse o bom senso de começar agora, quando tivesse quarenta anos podia ser… — Encolheu os ombros. — Bom, bom. Vamos sair do sol.

Voltaram a entrar na pequena cabana sombria. Andrews descobriu que respirava ofegantemente; a camisa, encharcada de suor, colava-se-lhe ao corpo e escorregava desagradavelmente sobre ele à medida que se movia. Despiu o casaco e afundou-se na cadeira diante da secretária de McDonald; sentiu uma curiosa debilidade e lassidão descerem do peito e dos ombros até à ponta dos dedos. Caiu um longo silêncio sobre a sala. A mão de McDonald estava poisada no seu livro de registo; um dedo moveu-se sem rumo sobre a página, mas não a tocou. Por fim soltou um fundo suspiro e disse:

— Muito bem. Vá lá falar com eles. Mas já o aviso: a maioria dos homens daqui caça para mim; não lhe vai ser fácil entrar numa expedição sem a minha ajuda. Não tente envolver-se com nenhum dos homens que caçam por minha conta. Deixe os meus homens em paz. Eu não me responsabilizo. Não quero ficar consigo a pesar-me na consciência.

— Nem sequer sei bem se quero participar numa expedição — retorquiu sonolentamente Andrews. — Só quero falar com os homens que vão nelas.

— Gente que não presta — resmungou McDonald. — Veio lá de Boston. Massachusetts, só para se envolver com gente que não presta.

— Com quem devo falar, Mr. McDonald? — perguntou Andrews.

— O quê?

— Com quem devo falar? — repetiu Andrews. — Tenho de falar com alguém que perceba do assunto, e o senhor disse-me para não me envolver com os seus homens.

McDonald abanou a cabeça.

— Você não dá ouvidos a nada do que se lhe diz, pois não? Já tem tudo decidido.

— Não, senhor — retorquiu Andrews. — Não tenho nada decidido. Só quero conhecer melhor a região.

— Muito bem — tornou fatigadamente McDonald. Fechou o livro de registo que tinha estado a folhear e atirou-o para cima de uma pilha de papéis. — Fale com o Miller. É caçador, mas não é tão mau como os outros. Passou a maior parte da vida aqui; pelo menos não é tão mau como os rebeldes e os ianques empedernidos. Talvez ele fale consigo e talvez não. Terá de o descobrir por si.

— Miller?

— Miller — confirmou McDonald. — Vive num casebre à beira do rio, mas o mais provável é que o encontre no Jackson. É onde todos eles param, dia e noite. Pergunte a qualquer pessoa; toda a gente conhece o Miller.

— Obrigado, Mr. McDonald — disse Andrews. — Agradeço a sua ajuda.

— Não me agradeça — ripostou McDonald. — Não estou a fazer nada por si. Estou só a dar-lhe o nome dum homem.

Andrews levantou-se. A debilidade tinha passado às pernas. É o calor, pensou, e a falta de hábito. Ficou imóvel por momentos, a reunir forças.

— Há só uma coisa — disse McDonald. — Só lhe peço uma coisa.

Pareceu a Andrews que ele recuava para a obscuridade.

— Com certeza, Mr. McDonald. O que é?

— Avise-me antes de ir, se resolver ir. Volte aqui e informe-me, é só isso.

— Com certeza — garantiu Andrews. — Espero voltar a vê-lo muitas vezes. Só quero ter um pouco mais de tempo antes de decidir seja o que for.

— Claro — disse azedamente McDonald. — Leve o tempo que quiser. Tem-no de sobra.

— Adeus, Mr. McDonald.

McDonald acenou com a mão, irritado, e desviou abruptamente a atenção para os papéis que tinha na secretária. Andrews saiu lentamente da cabana para o pátio e encaminhou-se para o trilho de carroças que levava à estrada principal. Ao chegar lá, deteve-se. Do outro lado e a uns metros à esquerda ficava o maciço de choupos: para lá dele, atravessando a estrada principal, devia ficar o rio. Não conseguia avistar a água, mas via as margens corcovadas revestidas de cachos de arbustos enfezados e ervas daninhas que iam serpenteando até se perderem na distância. Deu meia volta e regressou à vila.

Quando chegou ao hotel era quase meio-dia; o cansaço que o invadira na cabana de McDonald persistia. Na sala de jantar do hotel comeu frugalmente a rija carne frita e o feijão cozido e beberricou um café quente e amargo. O empregado do hotel, que entrava e saía coxeando da sala de jantar, perguntou-lhe se tinha encontrado McDonald. Respondeu que sim; o empregado acenou com a cabeça e nada mais disse. Andrews saiu daí a pouco da sala de jantar, subiu ao quarto e deitou-se na cama. Ficou a olhar para a cortina de pano da janela a enfunar-se mansamente para dentro até adormecer.


1 Os primeiros colonos americanos chamaram búfalo ao bisonte americano. Apesar de não existirem búfalos no continente americano, o uso do termo passou a ser comum para referir o bisonte americano (Bison bison). (N. do E.)